A Campeã

A CAMPEÃ








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Capítulo 1: parte 1

(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 2 de Maio de 2008)




A CAMPEÃ

CAPÍTULO 1

O ruído do ar-condicionado a incomodava e os ambientes fechados, também. A lanchonete estava repleta. Apesar da eficiência do atendimento, a algazarra era grande. Todos pareciam falar ao mesmo tempo. Sozinha, numa mesa de canto, Milena Albuquerque comia um hambúrguer e bebericava um suco de laranja excessivamente doce. Gostava do suco da fruta puro, sem qualquer vestígio de açúcar refinado. Além de desportista, a jovem era adepta da comida natural e só usava como adoçantes o mel de abelhas ou o açúcar mascavo.

Milena apoiou o queixo nas mãos e olhou pela janela da lanchonete. Suspirou saudosa, ao se lembrar de sua cidade natal. Ah! O Rio de Janeiro! Quanta saudade da praia, dos bares do calçadão de Copacabana, das butiques incrementadas de Ipanema, dos colegas da escola... Estava residindo em São Paulo há apenas dois meses e ainda não se acostumara à cidade.

Considerada uma das melhores nadadoras do Rio, a jovem viera a São Paulo para se aperfeiçoar. O convite partiu de Otávio Mendes, treinador do Clube Pinheiros. Ela o conhecia desde a idade de nove anos. Quando a viu nadar, pela primeira vez, interessou-se, de imediato, pelo seu estilo e profetizou que, um dia, ela seria a melhor nadadora do país. Milena sorriu ao se lembrar do entusiasmo do treinador.

- Você vai longe, menina, espere e verá. Tem estilo próprio e total sincronia de movimentos. – afirmou Otávio, naquela época. – Além disso, é preciso não esquecer de um detalhe muito importante: sua mãe foi uma campeã de natação. Portanto, é natural que você tenha herdado as mesmas qualidades.

Oito anos depois, lá estava ela, treinando com afinco para o Campeonato Brasileiro de Natação, sob a orientação competente do famoso técnico Otávio Mendes. Da última vez que esteve no Rio, Otávio ficou tão impressionado com o progresso de Milena que lhe ofereceu um curso de aperfeiçoamento. Animada, toda a família se transferiu temporariamente para São Paulo.

Milena afastou o copo de suco de laranja, ainda cheio, e olhou em torno. O barulho havia diminuído bastante, a lanchonete estava quase vazia. O tempo de intervalo das aulas estava terminando e os alunos retornavam às salas. Só então percebeu que estava sendo observada com insistência. Procurou fingir indiferença, mas sabia que aquela moça continuava a fitá-la.

Terminado o lanche, Milena levantou-se e, ao passar pela mesa do rapaz, tropeçou, derrubando alguns papéis.

- Oh! Desculpe-me... – disse a moça, fazendo menção de abaixar-se.

- Não tem importância. Deixe tudo onde está, eu mesmo apanho. – respondeu a moça, num tom meio agressivo.

- Por favor, a culpa foi minha, deixe-me ajudá-la. – insistiu Milena, ao perceber que tropeçara em duas muletas.

Abaixou-se e procurou recolher os papéis, mas outra surpresa lhe estava reservada. Numa das folhas de papel havia um rosto feminino, desenhado. Admirada, ela percebeu que aquele rosto era o seu.

- Está muito bom... Como conseguiu? Nem percebi que estava sendo observada. – fingiu Milena.

- Dê-me isso. – disse a moça, tomando-lhe o desenho das mãos. – esta não é você, é uma outra garota...é...é isso, por coincidência, se parece com você... pura coincidência, entendeu? – concluiu, nervosa.

- Está certo, não precisa ficar tão irritada... Só queria elogiar seu trabalho. – retrucou a moça, afastando-se rapidamente dali.

No resto da manhã, não pôde se concentrar nas aulas. O professor de Matemática chamou-lhe a atenção por duas vezes, depois desistiu. A atitude intempestiva da moça a deixara perplexa. Por que ela mentira? Tinha certeza de que aquele era o seu retrato. Coitada, era tão bonita! Por que precisava usar muletas? O incidente não lhe saía da cabeça.

- Ei, Milena, acorde! A aula já terminou. – advertiu-lhe uma colega de turma.

Só então percebeu que estavam sozinhas. Os outros já haviam se retirado.

- Nossa! Vou acabar perdendo o ônibus. – disse, juntando apressadamente suas coisas.

Precisou correr para pegar a condução, mas chegou em casa na hora de sempre.

- Olá, mamãe!

- Olá, filha! Tudo bem na escola?

- Tudo, exceto por...

- Que aconteceu, Milena. – quis saber a mãe.

- Nada demais, bobagem... Mais tarde lhe conto. Agora, vou tomar um chuveiro frio. – disse a jovem, tentando mudar o assunto. Estava dando importância demasiada ao que acontecera, naquela manhã. Não devia ocupar seu tempo com outras coisas que não fossem os estudos e os treinos diários de natação.

Lúcia, mãe de Milena, sabia que a filha ainda não estava adaptada à nova escola. Alguns problemas poderiam surgir. Confiava nela e sabia que, mais cedo ou mais tarde, acabaria contando o que acorrera.

- Não demore muito no banho. Vou mandar tirar o almoço. A nova cozinheira acertou em cheio com a receita do rocambole de espinafre com molho cremoso que você tanto gosta.

Durante o almoço, Milena resolveu contar à mãe o que acontecera pela manhã, na lanchonete da escola.

- Tem certeza de que foi você que ela quis retratar? Pode ter-se confundido, viu o desenho por tão pouco tempo... – argumentou Lúcia.

- Ora, mamãe, é claro que aquele era o meu retrato. Por sinal, muito bem-feito. O que não consigo entender é a atitude agressiva daquela moça. Afinal, não fiquei zangada, até elogiei o trabalho... O fato dela precisar usar muletas não lhe dá o direito de ser tão mal-educada. – comentou com certa revolta.

- Calma, menina! Acho que esta moça a impressionou de fato. Não se esqueça de que para ser uma boa atleta vai precisar de dedicar, exclusivamente. Logo, não vai lhe sobrar tempo para namoros. – falou Lúcia, brincando com a filha., se divertindo com o jeito como ela ficou vermelha e indignada.

- Mãe!!? Quem está pensando em namorar. Além disso, ela é uma mulher. Comentei sobre esta moça porque estranhei seu comportamento. Isso não quer dizer que esteja interessada nela. Eu heim! A senhora tem cada idéia. Vou preparar a valise para levar ao clube e depois descansar um pouco. – disse a jovem, levantando-se da mesa e dando o assunto por encerrado.

Uma hora depois, Milena estava a caminho do clube em companhia de Luana Pereira, uma adolescente de treze anos. As mães de Luana e Milena revezavam-se, semanalmente, levando e trazendo as duas para os treinos. Para desgosto de Milena, aquela semana pertencia à Srª. Pereira. A mãe de Luana fumava um cigarro após outro, o carro ficava impregnado de fumaça e os olhos de Milena, congestionados. Além disso, não gostava de Luana. Considerava-a uma pirralha petulante e inconveniente. Durante o trajeto, mais uma vez, a atitude de Luana confirmou a opinião que Milena tinha sobre ela.

- Puxa, você cortou ainda mais seus cabelos! O corte é moderno, mas não fica bem em você. Está horrível, parece mais um menino... – comentou Luana, implicando com a outra.

- Gosto dos meus cabelos curtos. – afirmou Milena, com segurança. – Melhor tê-los curtos e bem-tratados do que compridos e estragados pelo cloro da piscina, como estão os seus.

Luana deu um muxoxo e preferiu não continuar a provocação.

Milena tinha autoconfiança e não se deixava levar por comentários de ninguém. Tinha muito orgulho de sua boa aparência e forma física. De boa altura, pele bronzeada e corpo esguio e bem-feito, ela sabia que era uma garota bonita. Conservava os cabelos curtos por ser mais prático para quem faz natação e, também, porque lhe realçavam os olhos de um azul profundo. Vaidosa, ela sabia que olhos azuis eram pouco comuns em pessoas morenas e disso tirava proveito com sabedoria.

Durante o restante do percurso, Luana não fez mais qualquer provocação. Por sua vez, Milena fechou os olhos e procurou relaxar. Não pretendia ser tão grosseira, mas Luana era irritante e sabia como ofender as pessoas. Seu relacionamento com as outras pessoas, naquele dia, estava muito difícil. Primeiro fora a moça das muletas, depois discutira com a mãe e, agora, Luana.

Sem se dar conta, seu pensamento voltava a se fixar na moça das muletas. Acho estranho pensar tanto assim numa mulher. Nunca tinha se interessado por ninguém assim. Nem mesmo por rapazes. Era a primeira vez que se interessa por alguém. Tinha que admitir que ela a impressionara de fato. Cabelos louros, olhos cor de mel, porte atlético, corpo esbelto, voz grave e profunda... Pouco a pouco a imagem ia se formando em sua mente. Quem seria ela? Por que andava de muletas? Com quem poderia se informar sobre ela?

Lembrou-se de Sandra Prado, sua vizinha. Na verdade, as duas jovens não eram muito amigas. Freqüentavam a mesma escola e, em pouco tempo, Milena percebeu que Sandra adorava uma fofoca. Era considerada uma verdadeira central de informações. Sabia de tudo o que acontecia na escola. Claro, Sandra deveria saber algo sobre aquela moça! Resolveu que a procuraria naquele mesmo dia.



CAPÍTULO 2

Durante o treino, Milena percebeu que até Otávio estava de péssimo humor naquele dia.

- O que está acontecendo com você, Milena. Parece que está no mundo da Lua. Vamos, vamos, mais velocidade! Abaixe a cabeça.

- Estou muito cansada. – ponderou a jovem, tocando na raia e fazendo menção de sair da água.

- Cansada! Treinou pouco mais de uma hora e sem a menor concentração! Volte para a água e faça duzentos metros de nado “crown”, quero ver como está o seu tempo.

- Não posso, deixe-me descansar um pouco. Dentro de dez minutos, volto a treinar.

- Essa não! É assim que pretende ser campeã brasileira. Está relaxando, Milena, assim não vai conseguir nem se classificar, que fará tirar o primeiro lugar. Precisa lembrar que seus pais se transferiram para São Paulo, a fim de que você pudesse se preparar para a competição nacional, no ano que vem. Não vá decepcioná-los. – advertiu Otávio.

- Está bem, não precisa fazer sermão. Estou pronta. – afirmou a jovem, subindo na raia.

O técnico preparou o cronômetro e deu o sinal de partida.

- Mais rápido! Cuidado com a respiração! Vamos, o retorno está muito lento! – gritava Otávio, olhando com desaprovação o cronômetro.

No final da prova, ele parecia ainda mais irritado.

- Está vendo como eu tinha razão. – disse, mostrando o cronômetro à Milena. três segundos a mais do que o seu tempo habitual.

- Você tem razão. Não sei o que está acontecendo comigo, hoje. Prometo que amanha meu desempenho será melhor.

- Espero que sim, menina. Afinal a minha reputação como treinador também está em jogo.

Intimamente, Milena riu da pompa com que Otávio tinha pronunciado as últimas palavras, mas sabia que a sua responsabilidade era muito grande. O técnico era considerado o melhor do país, e era uma honra pertencer a sua equipe.

À volta para casa transcorreu sem maiores problemas. A Srª. Pereira a deixou na porta de casa, mas ela decidiu procurar Sandra. Dirigiu-se à casa vizinha e tocou a campainha. Sandra ficou surpresa com a visita de Milena.

- Olá, entre! Estava ouvindo música em meu quarto. Gostaria de subir?

- Claro, desculpe tê-la incomodado. Preciso fazer um trabalho de Literatura, sobre Euclides da Cunha. Pensei que talvez pudesse me ajudar... – Mentiu Milena.

- Será um prazer. Tenho uma apostila excelente sobre a vida e a obra de Euclides da Cunha. Traz uma análise literária completa de “Os Sertões”, considerada sua obra máxima.

- Obrigada, assim que terminar o trabalho, a devolvo.

- Não tem pressa. Mas diga-me o que está achando de São Paulo, da escola... Já fez muitos amigos? – perguntou a jovem, não conseguindo conter a curiosidade.

Era a chance que Milena precisava.

- Estou estranhando um pouco o clima daqui, mas isto não quer dizer que não esteja gostando da cidade. Na escola, ainda estou em fase de adaptação. A maioria dos meus colegas de turma tem sido muito simpática, mas ainda não fiz amizade com ninguém em especial.

- Ora, logo, logo, estará enturmada. Bonita como é, dentro em pouco os rapazes estarão aos seus pés, ou mesmo as moças. – afirmou Sandra, observando a reação da outra.

- Obrigada pelo elogia, mas não tenho tempo para namoro. Vim para cá com a finalidade de treinar para o campeonato de natação.

- É, já sabia. Aliás, toda a escola está sabendo que a nossa nova colega é considerada a melhor nadadora do Rio. Mas duvido que fique imune ao charme do Thiago Vieira, do Claúdio Mello, do Bruno Santiago ou... – Sandra falou dando uma pausa e observando Milena, continuou: - de Patrícia Souza, Luciane Franco, Laura Veiga... Se bem que esta última, depois do que aconteceu, é carta fora do baralho. Qual a pessoa que vai querer ficar com uma moça que usa muletas?

Então, o nome dela era Laura Veiga. Seria muita coincidência existir, na escola, outra moça nas mesmas condições dela. Precisava fazer com que Sandra falasse mais sobre Laura.

- Muletas? Por que precisa de muletas?

- Esta foi a história mais comentada no ano passado. Laura era uma excelente desportista, a melhor jogadora do time de vôlei e de futsal da escola, até que aconteceu o acidente. Foi no último jogo do campeonato de futsal. Ela sofreu uma falta violenta e teve de ser internada com sérios problemas na rótula. Ficou quase três meses com o joelho imobilizado. No início deste ano, voltou a caminhar com o auxílio de muletas.

- Coitada! E não há chance de recuperação? – perguntou Milena penalizada.

- Parece que sim, mas ela se recusa a fazer fisioterapia. Laura, que sempre foi a moça mais popular do colégio, transformou-se numa pessoa arredia e sem amigos. Acho que ficou com vergonha dos colegas.

- Vergonha? Como assim? – perguntou Milena, sem entender a afirmação de Sandra.

- A família de Laura não tem recursos. Jamais poderiam pagar a mensalidade de um colégio tão caro, como o nosso. Ela só conseguiu se matricular porque era uma excelente jogadora, tanto de vôlei quanto de futsal. A direção da escola concede bolsas de estudos para alunos e alunas que praticam esportes. Depois do acidente, e considerando que era uma excelente aluna, não lhe tiraram a bolsa. Creio que ela fica encabulada por não poder mais jogar vôlei ou mesmo futsal, nem tão pouco pagar o colégio. Perdeu até o interesse pelos estudos. A cada dia, fica mais introvertida, passa a maior parte do tempo das aulas, desenhando sem parar.

- Puxa! Como sabe de tudo isso?

- Muito simples. Laura é minha colega de turma há três anos. Fizemos todo o segundo grau juntas e, agora, estamos no pré-vestibular. Antes do que aconteceu, ela queria cursar a Faculdade de Engenharia.

- E não quer mais?

- Não sei, suas notas baixaram tanto...

Sandra confirmava a fama que tinha. Nada acontecia na escola que ela não ficasse sabendo. Milena lembrou-se que já estava ficando tarde, seus pais deviam estar preocupados. Conseguira as informações que queria e achou melhor se despedir.

- Bem, Sandra, tenho que ir. Está quase na hora do jantar.

- Que pena! Falei tanto sobre a Laura que não lhe dei a oportunidade de contar nada sobre você... – lamentou Sandra, decepcionada.

- Não tenho muito o que contar. Meu tempo se divide entre os estudos e os treinos, mas prometo que volto para conversarmos melhor. E, se quiser, pode aparecer lá em casa.

- Convite aceito. Qualquer hora vou lhe retribuir a visita. O pessoal comenta que a sua casa é um luxo... – comentou com uma ponta de inveja.

- É uma boa casa. Confortável, mas não é tão luxuosa assim. – argumentou Milena, com modéstia.

- Quero constatar isso, pessoalmente.

- Será um prazer. Amanhã nos veremos na escola. Tchau! – despediu-se a jovem.

- Espere, não está se esquecendo de nada?

- Como? Acho que não, só trouxe a sacola. – respondeu distraída.

- Não vai levar a apostila de Literatura? – Sandra estendeu-lhe a apostila, desconfiada.

- Ah, sim! Que cabeça a minha! Como pude esquecer? Obrigada Sandra, tão logo termine o trabalho, a devolverei. – disse Milena, apanhando a apostila e tentando disfarçar, o melhor possível, o seu esquecimento.

Sandra sorriu, maliciosa. Percebera que o interesse da vizinha nada tinha a ver com Literatura. Estava curiosa, por que teria vindo procurá-la? Tentou relembrar a conversa que tiveram, não conseguia se lembrar de nada que pudesse lhe interessar, diretamente. A não ser que ela e Laura já se conhecessem. Puxa! Isso seria uma bomba! A jovem e bonita campeã carioca de natação interessada pela ex-jogadora de vôlei e futsal, agora inválida e ainda por cima mulher. Por nada no mundo perderia esse lance. Amanhã mesmo tiraria tudo a limpo, nem que tivesse que se transformar na sombra de Laura.

Por sua vez, Milena estava preocupada. Será que Sandra havia percebido que o motivo real de sua visita nada tinha a ver com os deveres escolares? Que a sua verdadeira intenção era a de obter informações sobre a moça que conhecera naquela manhã? Bobagem... Ela nem estava na lanchonete quando tudo aconteceu. Que azar! Como fora esquecer de apanhar a apostila.

Capítulo 2: Responsabilidades


(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 3 de Maio de 2008)




CAPÍTULO 3

Ao chegar a porta de casa, lembrou-se das referências elogiosas que Sandra fizera a sua nova residência. Localizada no elegante bairro do Jardim Paulista, a casa de tijolos vermelhos, que o pai alugara e para a qual a família se mudara há apenas dois meses, era, sem dúvida, a mais bonita da rua. De arquitetura moderna, com linhas e ângulos retos, ausência total de adornos e o máximo de praticidade, ficava em centro de terreno e possuía, além de um bem cuidado jardim, uma pequena piscina.

Como sempre, o ar-condicionado estava ligado e seus pais não a ouviram abrir a porta. Pelas vozes alteradas que vinham da copa, Milena percebeu que eles estavam discutindo. Lúcia e Daniel costumavam discutir por pequenas coisas. Desta vez, porém, estavam quase gritando um com o outro. Espantada, a jovem ficou parada na sala, sem saber que atitude tomar.

Publicitário famoso no Rio, Daniel não estava se adaptando à linha de trabalho da agência que o contratara em São Paulo.

- Não agüento mais trabalhar naquela agência. É desorganizada demais, as pessoas parecem que não gostam do que fazem, trabalham sempre de má vontade. Os clientes se queixam com freqüência e não posso deixar de lhes dar razão. Hoje mesmo, perdemos um cliente excelente. Era a terceira vez que via a arte-final do seu anúncio e não quis aprovar. Ele estava certo, o trabalho era péssimo. – explodiu Daniel.

- Você precisa ter mais paciência. Sabe que ficaremos aqui por pouco tempo. Apenas o suficiente para que Milena se aperfeiçoe e possa participar do Campeonato Brasileiro. Quando lhe consultei a respeito, você concordou. Agora, fica se fazendo de vítima. Reclama do trabalho, da cidade, da empregada... Não agüento mais as suas explosões diárias.

- E o que quer que eu faça? Tenho que desabafar com alguém. Estou muito tenso. Sei que vamos ficar aqui somente um ano, o que não sei é se vou agüentar todo esse tempo, trabalhando naquela bagunça. Além disso, o clima de São Paulo está acabando comigo. Estou cada vez pior da bronquite alérgica.

- Está bem, não precisa dizer mais nada, se quiser, voltamos amanhã mesmo para o Rio.

- Não é tão simples assim, Lúcia. Tanto quanto você, quero o melhor para nossa filha. Concordei com a mudança de cidade, para o bem dela. Influenciada por você, ela vive em função da natação. Você quer reviver seu passado de grande campeã, através de Milena. – acusou Daniel.

- Essa, não! Agora a culpa é minha! Ela seria uma excelente nadadora, tivesse ou não uma mãe campeã. Claro que a incentivei, mas só fiz isso porque sabia que tinha grandes possibilidades. Não negue, você também se orgulha das medalhas que Milena conseguiu. É a primeira coisa que mostra aos amigos, quando vêm à nossa casa.

- Desculpe, você tem razão. Só espero que tudo dê certo e Milena se saia bem no campeonato. Senão, o sacrifício teria sido inútil. – suspirou, desconsolado.

Milena sentiu um nó na garganta e não pôde mais conter as lágrimas. Então era por sua causa que eles estavam discutindo. Era a segunda vez, naquele dia, que lhe chamavam a atenção para a responsabilidade que lhe cabia. Primeiro fora Otávio e, agora, a discussão entre seus pais. Como podiam colocar sobre seus ombros tamanho peso? Estava angustiada, e se não conseguisse vencer? Qual seria a reação de seus pais e, também, de Otávio?

Sem fazer qualquer ruído, voltou a sair, e permaneceu algum tempo do lado de fora. Não queria que soubessem que ela ouvira a desagradável discussão. Entrou, batendo a porta com força, para que percebessem que havia chegado.

Já na sala, Daniel pegou apressadamente o jornal e fingiu ler. No sofá em frente, Lúcia trazia no rosto sinais de preocupação. Sabia que a situação do marido era delicada. Ela, também, preferia não ter se mudado para São Paulo. Mas o que fazer se ali estava a chance de Milena torna-se campeã? Na sua opinião, nenhum técnico do Rio podia se comparar a Otávio.

A jovem aproximou-se de cada um e beijou-lhes a testa.

- Olá, campeã! Como foi o treino hoje? – perguntou o pai, disfarçando o recente aborrecimento.

Milena achou melhor contar a verdade.

- Nada bem. Acho que estava meio cansada. – confessou a moça.

Lúcia e Daniel se entreolharam, sem conseguir esconder a grande preocupação.

- Cansada? Como assim? No Rio, você treinava todos os dias e não se queixava de cansaço. Tem se alimentado bem e não me parece doente. O que está acontecendo, Milena? – perguntou a mãe apreensiva.

- Não está acontecendo nada. Otávio ficou aborrecido porque o meu tempo para os duzentos metros de nado “crown” aumentou em três segundos.

- Ora, e ainda acha que não está acontecendo nada? Não me parece que esteja tão interessada, assim, em ganhar esse título. Não entende que nós...

- Calma Lúcia. – interrompeu Daniel, tentando contornar a situação. – Milena já disse que estava apenas cansada. Isso acontece com qualquer pessoa.

- Milena não é qualquer pessoa, é uma futura campeã. Não pode relaxar nos treinos. Seria imperdoável se não aproveitasse a grande chance de ter um treinador tão competente como o Otávio. – argumentou Lúcia, irritada.

- Você está fazendo tempestade em copo d’água. O mundo não vai acabar se ela não conseguir ganhar.

- Por favor, não discutam por minha causa. – implorou Milena. – Quero ganhar o campeonato e vou dar tudo de mim para isso. Vocês não precisam se preocupar. – concluiu, subindo correndo as escadas para seus quarto e, mais uma vez, não conseguiu controlar as lágrimas.

Lúcia, arrependida, foi ao seu encontro.

- Abra, minha filha, precisamos conversar. Acho que fui dura demais com você. Queria lhe pedir desculpas.

- Não é preciso, mamãe, está tudo bem. – afirmou a jovem entre soluços.

- Abra, Milena, estou arrependida. Sei que você é uma moça responsável, não merecia ouvir o que eu disse. Acho que estou um pouco nervosa...

- Não se preocupe, já disse que está tudo bem. Não estou zangada. Vou trocar de roupa e, dentro de cinco minutos, desço para o jantar.

Lúcia preferiu não insistir. Sabia o quanto a filha era orgulhosa, jamais permitiria que alguém a visse chorando.

Depois das lágrimas, a jovem sentiu-se mais aliviada. Mas ainda estava preocupada, ela queria aquele campeonato e tudo faria para consegui-lo. O que aconteceria, porém, se não conseguisse vencer?

No jantar, a comida descia com dificuldade. Lúcia e Daniel procuraram se desculpar, e tudo fizeram para que ela se sentisse melhor.

- Gostou das empadinhas de legumes? – perguntou Lúcia, tentando quebrar o mutismo da filha.

- Estão deliciosas. – respondeu laconicamente.

- Então pegue mais uma, quase não comeu...

- Não, obrigada, estou satisfeita. Com licença. – disse a jovem, levantando-se da mesa.

- Espera, não vai comer a sobremesa? Se não quiser experimentar o pavê de chocolate, coma, pelo menos, uma fruta. – insistiu a mãe.

- Desculpe, mamãe, estou sem apetite. Vou dar um passeio pelo jardim. Daqui a pouco estarei de volta, ainda tenho o dever da escola por terminar.

Milena não estava zangada com os pais. Sua inquietação era proveniente da grande responsabilidade que, só agora, tomara plena consciência. Caminhou durante algum tempo, tentando se acalmar.

De volta à casa, despediu-se dos pais, que estavam vendo televisão na sala de estar, e subiu imediatamente para o seu quarto. Tentou se concentrar nos deveres da escola. Depois das emoções, pelas quais passara naquele dia, fazer os exercícios de Matemática tornou-se ainda mais penoso. Deixou algumas equações incompletas. Pensava em acordar mais cedo para terminá-las.

Deitou-se, mas não conseguiu conciliar o sono. Por mais que tentasse afastar os problemas, os acontecimentos daquele dia retornavam a sua mente, como numa retrospectiva cinematográfica. Levantou-se, foi até a varanda e lá permaneceu, ouvindo os barulhos noturnos. A rua estava calma, o silêncio só era quebrado com a passagem de um ou outro carro. No casa em frente, as luzes do segundo pavimento ainda estavam acesas. Pouco depois se apagaram, restava apenas a iluminação da rua. Lembrou-se de Sandra. Como as outras, a casa da vizinha também estava às escuras. Respirou fundo e resolveu voltar para a cama.

Para não se deprimir com os próprios problemas, preferiu pensar em Laura Veiga. Se o que Sandra contara era verdade, a moça estava precisando de ajuda. Era uma pena que uma jovem tão bonita e talentosa vivesse isolada de tudo e de todos. Prometeu a si mesma que a procuraria no dia seguinte, mesmo correndo o risco de ser repudiada.

Lembrou-se do desenho. Em tão pouco tempo, ela conseguira retratá-la nos mínimos detalhes. Laura era uma artista e precisava ser incentivada. Depois da conversa que tivera com Sandra, seu interesse por Laura havia aumentado, sensivelmente.

Naquela noite, Milena custou a adormecer.

Capítulo 3: parte 4


(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 3 de Maio de 2008)




CAPÍTULO 4

No dia seguinte, para surpresa da jovem, Laura foi a primeira pessoa que avistou ao entrar na escola. Apressou o passo para que ela também a visse. Chegou até a lhe acenar. Laura não correspondeu ao cumprimento, pareceu não reconhecê-la ou fingiu não vê-la.

Se pensava que ela ia desistir, assim, tão facilmente, estava enganada. Milena era persistente e sabia lutar pelo que queria. E, naquele momento, o que mais desejava era conhecer melhor a moça.

Num dos intervalos de aula, ao entrar na lanchonete, avistou-a novamente. Estava sentada numa das mesas de fundo, completamente isolada das outras jovens. Nem reparou que, do lado oposto, estava Sandra Prado. Aquela era a oportunidade pela qual Milena tanto esperava, durante toda a manhã. Junto a ela, havia outras mesas vazias, mas a moça puxou uma das cadeiras e sentou-se na mesma mesa, frente a frente com a moça.

- Oi, incomoda-se que me sente à sua mesa? – perguntou, sorrindo.

- Que diferença faz se me incomodo ou não? Você já está aqui.

- Bem, se isso lhe desagrada, posso me retirar. – disse a jovem, levantando-se.

- Por favor, fique e... Desculpe o mau humor. Geralmente, prefiro ficar sozinha.

- Ao contrário de você, detesto ficar só, especialmente às refeições. Estou há pouco tempo nesta escola e ainda não tive a oportunidade de fazer amigos. Pensei que pudéssemos conversar um pouco...

- Está bem, não precisa dar tantas explicações... Como é mesmo o seu nome?

- Milena. Milena Albuquerque. E você, como se chama?

- Laura Veiga. Mas, então, você é a nadadora famosa que veio do Rio? – perguntou, com certa ironia.

- Sou nadadora e vim do Rio. Quanto ao famosa, nem tanto assim. Pelo que sei, você também é uma desportista.

- Era, garota, errou no tempo do verbo: era, no passado. Como posso jogar vôlei ou futsal, usando isto. –disse, apontando as muletas que estavam encostadas na parede.

Milena enrubesceu. Não fizera o comentário de propósito, queria apenas puxar assunto e tinha sido infeliz.

- Desculpe, não pretendia magoá-la. – disse a jovem, visivelmente, embaraçada.

- Não se preocupe, não me magoou. Alguns meses atrás, qualquer comentário me deixava furiosa. Agora, já me acostumei ao fato de ter que usar muletas. Quer sabe como tudo aconteceu? – perguntou a moça.

- Não precisa falar sobre isso, se não quiser. – assegurou Milena.

- Mas eu quero. Há muito tempo não converso com alguém, de forma franca, como estou fazendo com você. – disse Laura, olhando-a com firmeza.

Laura contou-lhe, nos mínimos detalhes, o acidente que sofrera no jogo de futsal. A jovem ouviu com atenção, não deixando que ele percebesse que sabia de tudo. Sua história coincidia com a versão de Sandra.

- Deve ter sido duro, para você, ter que abandonar o vôlei e o futsal. Quem sabe, um dia, poderá voltar a jogar. Já tentou fazer fisioterapia?

- Não, prefiro deixar tudo como está. Tenho medo de uma decepção maior.

- Bobagem, tenho certeza de que um bom fisioterapeuta poderia ajudá-la.

- Talvez, de qualquer forma, jamais voltarei a jogar. – comentou Laura, deixando transparecer toda a sua grande mágoa.

- Não existe apenas o futsal e o vôlei como esportes. Poderá praticar outros esportes... A natação, por exemplo.

- Nenhum outro esporte me atrai tanto quando o futsal e o vôlei. Pode ser que, um dia, mude de idéia. Mas agora chega, falei o tempo todo sobre mim, é a sua vez. Conte-me o que veio fazer nesta cidade.

Milena falou da sua grande paixão pela natação e do esforço que estava fazendo para chegar às finais do Campeonato Brasileiro. Falou com entusiasmo do seu treinador e do incentivo que recebia de sua família.

Enquanto falava, Laura a observava com atenção. Não podia negar que ela era muito bonita. Seus lindos olhos azuis, emoldurados pelo negro dos cabelos e a maciez aveludada da pele, pareciam intensificar a cor, quando ela se entusiasmava com o que estava dizendo.

- Bem, o intervalo está quase terminando. Antes de voltar para a sala, queria lhe fazer um pedido. – disse Milena, sem qualquer inibição.

- Seu pedido será uma ordem, senhorita. – afirmou a moça, em tom de brincadeira.

Pela primeira vez, Milena pôde observar o sorriso bonito de Laura. Animada com a receptividade, prosseguiu.

- Gostaria muito de possuir o esboço que fez de mim, ontem. Vi-o, rapidamente, mas fiquei impressionada com a fidedignidade dos traços. Agora, que somos amigos, não precisa negar que aquele não é o meu retrato. Ficaria contente, se você me presenteasse com ele.

A fisionomia da moça se transformou, os músculos da face estavam rígidos. Até sua voz não parecia a mesma de momentos atrás.

- Não. – respondeu Laura, sem maiores explicações.

- Por quê? Estava tão bonito... Tenho certeza de que era o meu rosto. – insistiu a jovem.

- Não vou negar, era você mesma. Mas, não insista. Os desenhos me pertencem e não gosto de mostrá-los a ninguém. – afirmou Laura, irritada.

- Mas...

- Não tem mas nem meio mas. A resposta definitiva é não. – concluiu a moça, procurando as muletas para se levantar. Deixou-a sozinha na mesa.

Humilhada, diante daquela resposta tão ríspida, Milena não teve mais como argumentar. Compreendeu, finalmente, o que Sandra lhe havia dito sobre a moça. Ela, realmente, não parecia disposta a fazer amigos. Decepcionada com a atitude de Laura, Milena retornou à sala de aula, prometendo, a si mesma, que nunca mais a procuraria.

Sandra, que observava tudo desde o início, não conseguia entender a saída repentina de Laura e o rosto decepcionado de Milena. As duas pareciam se entender tão bem! Laura até sorrira... Aquela situação inusitada, aguçara a sua curiosidade.

Naquela noite, Sandra foi à casa de Milena.

- Oi, Milena, resolvi aceitar o convite para conhecer sua casa. – disse Sandra, com um sorriso irônico.

- Entre, por favor. Mamãe está descansando um pouco, antes do jantar. Venha, vou lhe mostrar a casa.

Milena não estava compreendendo bem o motivo da visita inesperada, mas tinha certeza absoluta de que Sandra estava ali com outra intenção. Conhecer a casa tinha sido apenas um pretexto. Depois de lhe mostrar tudo, convidou-a para subir até seu quarto. Lá, ficariam mais à vontade.

Sandra examinou, detidamente, todos os móveis e demais objetos do quarto.

- Hum... Você tem um ótimo quarto, amplo, arejado e decorado com bom gosto. É, pelo que vejo, também gosta de música. Tem uma ótima coleção de CDs e DVDs de música moderna. – comentou, enquanto examinava um dos CDs.

- Maravilha! – exclamou, de repente. – O DVD de Alanis Morissette! Ah, Milena, se importa de me emprestar? Prometo tomar cuidado.

- Está certo, pode levar.

- Obrigada, obrigada mesmo! Vou passar o resto da noite ouvindo esse tremendo som. Você é uma garota e tanto! Por falar nisso, por que a Laura a deixou sozinha, hoje, na lanchonete. Passou por mim com uma cara de fazer medo...

Então era isso, ela estava lá e havia visto tudo. Fofoqueira, como era, queria saber mais detalhes do que havia acontecido entre os dois. – pensou Milena. Não havia mais como esconder que ela e Laura já se conheciam, o melhor era inventar uma história que parecesse o mais convincente possível.

- Na verdade, não aconteceu nada demais. A não ser o que você mesma me contou, Laura é muito agressiva e não tem a menor intenção de fazer amigos.

- Não lhe disse? Como a conheceu? – perguntou a outra, cada vez mais interessada.

- No intervalo da última aula, fui à lanchonete tomar um suco. Logo ao entrar, avistei uma jovem de muletas, sozinha, numa das mesas. Pela descrição que você fez, presumi que era ela. Fiquei com pena ao vê-la tão isolada e tentei puxar conversa. Contei-lhe que era nova na escola, que praticava natação... Enfim, falei sem parar. Ele me ouviu, sem o menor interesse. – enganou. – No final, você viu o que aconteceu. Levantou-se e saiu, sem se despedir. Tinha razão quando me falou sobre o comportamento daquela moça.

Sandra não ficou convencida. A história de Milena não conferia com a conversa animada e os sorrisos trocados pelas duas jovens.

- E o que achou dela... Fisicamente? – insistiu Sandra, de forma curiosa, tentando descobrir realmente o que estava rolando entre as duas.

- É uma moça muito bonita. – confessou Milena, com sinceridade. – Pena que tenha sofrido aquele acidente e seja tão mal-humorada. O fato de usar muletas não quer dizer nada, mas aquele gênio...

- Você está interessada nela? – perguntou Sandra, sem fazer rodeios.

Milena olhou-a assustada e respondeu.

- Claro que não. Já lhe disse que as únicas coisas que me interessam, no momento, são a escola e o campeonato de natação. As duas coisas ocupam, integralmente, o meu tempo. Além disso, ela é mulher. – disse, tentando despistar. – E pra falar a verdade, Sandra, prefiro não falar mais sobre essa moça. Fiquei muito aborrecida com a atitude grosseira de Laura, nesta manhã.

A veemência de Milena não convenceu Sandra. Pelo contrário, por experiência, sabia que toda aquela irritação era sinal de interesse. O tempo diria se estava certa ou não.

- Já vi que o melhor é mudarmos de assunto. Você vai ao Baile dos Calouros, no próximo sábado?

- Não, vou aproveitar o fim de semana pra estudar. Tenho um teste de Geografia na quinta-feira que vem.

- Ora, esqueça um pouco os estudos! O Baile dos Calouros é a festa mais importante do período escolar, não deve perder.

- Não vai dar. Tenho que estudar nos fins de semana. Nos outros dias, estou sempre ocupada com os treinos.

- E ao jogo de vôlei e futsal, você vai? O vôlei será na manhã e o futsal na tarde do mesmo dia.

Haveria também um jogo de vôlei e um de futsal masculino e feminino. Será que Laura estaria presente? Que tolice! Não queria vê-la nunca mais. Por que estava preocupada se ela iria ou não a tais jogos? – pensou Milena, esquecendo-se, completamente, da pergunta da moça.

- Então, Milena, vai ou não aos jogos?

- Não, nem ao baile, nem aos jogos. Além da falta de tempo, ainda não fiz amigos por aqui. Ia me sentir meio deslocada.

- Muito obrigada! Quer dizer que eu não conto? Não me considera sua amiga?

- Claro... – disse Milena, sem muita convicção. – Você tem sua turma, a minha presença só ia atrapalhar.

- Que nada! Se mudar de idéia, conte comigo. Agora, tenho que ir. Estou louca para ouvir esse DVD. – falou Sandra, apanhando o DVD de Alanis Morissette, que Milena lhe emprestara.

- Não quer ficar para jantar conosco? Queria que conhecesse meus pais.

- Obrigada, mas não posso ficar. O pessoal, lá em casa, nem sabe que estou aqui.

Após despedir-se da vizinha, Milena pensou se, realmente, a convencera que não estava interessada em Laura. A preocupação de Milena tinha fundamento. Ao chegar em casa, Sandra não perdeu tempo. Ligou logo para Adriana Ribas, ex-namorada de Laura e, sutilmente, sugeriu que a moça estava interessada em outra garota: a jovem e bonita campeã carioca de natação, Milena Albuquerque.



Capítulo 4: Convite Inesperado

(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 5 de Maio de 2008)




CAPÍTULO 5

Na manhã seguinte, o Baile de Calouros e o jogo de vôlei e futsal tornaram-se o tema do momento entre os alunos da escola. Milena estava meio arrependida de ter dito à Sandra que não iria ao baile. Seria tão bom se pudesse se distrair um pouco... Pensando melhor, achou que seria mesmo impossível. Ela não tinha par, nenhum dos rapazes da escola lhe havia convidado.

Enquanto caminhava pelo corredor, lembrou-se de seus amigos do Rio. Se estivesse lá, certamente, receberia inúmeros convites. Suspirou saudosa.

De repente, avistou Laura, no lado aposto do corredor. Ela vinha na sua direção. Fingiu não vê-la e entrou, rapidamente, no banheiro para evitar um encontro, imaginando que Laura poderia ir atrás dela, entrou em um reservado. Ouviu a porta do banheiro abrir, ouviu passos e depois a porta abrir novamente. Permaneceu algum tempo lá dentro, esperando que fosse embora. Ao sair, porém, percebeu que Laura a aguardava junto à porta da biblioteca. Não havia como escapar, de qualquer forma, teria que passar por ela. Sem outra alternativa, ergueu o queixo, altivamente, e passou pela jovem, sem sequer lhe dirigir um olhar.

- Milena, espere, precisamos conversar. – disse a moça, segurando-a pelo braço.

- Não temos mais nada para conversar. Você já disse tudo o que queria, ontem, quando me deixou sozinha na mesa da lanchonete. E, por favor, solte o meu braço. – ordenou a moça, com firmeza.

- Desculpe. Estou procurando consertar uma grosseria e acabo cometendo outra. Sou mesmo uma desajeitada... Passei a noite inteira, tentando encontrar uma forma de lhe pedir desculpas e, agora... Arrependi-me do que fiz, Milena. Como prova, aqui está o que me pediu. – concluiu a moça, estendendo-lhe o esboço que havia feito.

Milena apanhou o desenho. Estava enternecida com a atitude de Laura.

- Puxa! Por essa não esperava. Você é imprevisível. Foi muita gentileza oferecer-me o desenho. – afirmou a jovem, com sinceridade.

- Quer dizer que estou perdoada?

- Inteiramente. Aliás, vamos fazer melhor. Façamos de conta que estamos nos conhecendo neste momento. – sugeriu, com um sorriso amável.

- Combinado! A partir de agora, somos amigas. – afirmou a moça.

- Fique sabendo que você é a minha primeira amiga, nesta cidade. Sua responsabilidade é grande...

- Assumo-a inteiramente. Para falar a verdade, também estou precisando de amigos. Desde o acidente, afastei-me de todos.

Nesse instante, uma moça aproximou-se das duas e dirigiu-se a Laura. Era muito bonita: longos cabelos dourados, pele rosada e um sorriso encantador.

- Oi Laura, tudo bem? Não me apresenta a sua amiga? – perguntou, olhando-a de forma insinuante.

Aquilo perturbou intensamente Milena, mas não demonstrou.

- Claro, esta é Milena Albuquerque. Milena, esta é Adriana Ribas.

- Muito prazer, Adriana. – disse a jovem, estendendo a mão para a outra.

Adriana ignorou o gesto amistoso e olhou-a com certo desprezo. Continuou falando com Laura, como se ela não estivesse ali. A moça parecia muito embaraçada, com a situação criada pela bonita moça.

- Você vai aos jogos sábado? – perguntou Adriana, ajeitando a gola do agasalho de Laura. – Se quiser, posso lhe dar uma carona.

- Obrigada, Adriana, mas já tenho acompanhante. Acabo de convidar a Milena para irmos juntas aos jogos. – mentiu a moça, esperando contar com a colaboração da jovem.

Pega de surpresa, Milena não teve qualquer reação. A moça suspirou, aliviada.

- Está bem. Divirtam-se... – disse Adriana afastando-se, depois de lançar à Milena um olhar desaprovador.

A jovem estava aturdida com a atitude de Adriana e com a reação impulsiva de Laura.

- Desculpe-me por tê-la envolvido nessa história. Se não mentisse, Adriana não me deixaria em paz. Mas a idéia é boa. Gostaria de me acompanhar aos jogos?

- Não sei, estava pretendendo colocar em dia os pontos de Geografia. Tenho pouco tempo, durante a semana.

- Aceite por favor. É a prova de que, realmente, não ficou zangada comigo.

- Está bem. – concordou Milena, num impulso.

- Ótimo! Onde você mora? Passo para pegá-la por volta das sete horas.

- Não precisa. Certamente, meu pai vai querer me trazer de carro. Dê-me seu endereço e passaremos para apanhá-la. Não é melhor assim?

- Por mim, está muito bem. Moro na Vila Mariana. – informou a moça, pegando lápis e papel para anotar o endereço.

Na hora do almoço, Milena pediu permissão aos pais para ir ao jogo.

- Você não disse que ia estudar? Perguntou Lúcia.

- É verdade, mamãe. Mas mudei de idéia. Não tive como recusar o convite de Laura. Além disso, os jogos começaram no final da tarde. Tenho a manhã e uma boa parte da tarde para estudar.

- E quem é essa Laura?

- Uma colega da escola. – respondeu Milena, sem maiores explicações.

- Não me diga que é a mesma que fez o seu retrato, ontem, na faculdade.

- É ela mesma. Deu-me até o esboço de presente.

- Como? Você me disse que ela tinha negado ser o seu retrato e chegou, até mesmo, a tratá-la com rispidez... Vocês tornaram a se encontrar? – perguntou Lúcia, temendo que a filha estivesse interessada na moça.

Desde cedo, sabia do interesse da filha por mulheres, e principalmente da paixão dela na adolescência por uma colega da natação que quase a fizera desistir de continuar nadando, e isso a preocupava.

- Laura procurou-me hoje, pela manhã, para pedir desculpas.

- Só isto? – indagou Lúcia, apreensiva. Querendo extrair a filha algo que denotasse seu interessa pela moça.

- Não entendi, mamãe, o que quer dizer com “só isto”?

- Ora, Milena, você sabe...

- Não, não sei, mamãe. Poderia me explicar melhor? O que está, afinal, querendo saber?

- Muito bem, filha. O que estou querendo saber é se você está interessada nessa moça e se vocês estão, digamos, namorando.

- Ora, mamãe, francamente! Conheci a Laura há dois dias. Somos amigas, só isso. Aliás, a única amiga que tenho na escola. – argumentou Milena, aborrecida com a insinuação de Lúcia.

- Está coisas começam assim, depois... – insistiu a mãe.

- Não sei o que vai acontecer depois. No momento, o que existe entre nós é o início de uma amizade. Você sabe que não estou interessada em namorar ninguém, pelo menos por enquanto. Mas tem que admitir que não posso viver isolada, sem amigos. No Rio, vivia cercada deles e, nem por isso, negligenciava nos meus deveres. – desabafou.

- É bom que se lembre mesmo de seus deveres. O ano vai ser duro para você. Se não se dedicar, integralmente, aos treinos de nada adiantarão nossos esforços. Fora isso, ainda há a escola. Não quer ser reprovada, não é mesmo?

Daniel observava, pacientemente, a tola discussão. Admitindo que, daquela vez, a filha tinha razão, resolveu intervir.

- Vocês duas estão discutindo à-toa. Milena sempre foi uma boa aluna e não será por causa de um simples dia que ficará reprovada. Desde oito anos vem conseguindo conciliar os estudos e a natação, sem qualquer problema. Se no Rio era assim, por que, aqui vai ser diferente?

- Está certo, Daniel, você tem razão. Acho que estou sendo exigente demais... O clima de São Paulo deve estar afetando minha capacidade de raciocínio. – brincou Lúcia.

Todos riram e o ambiente tornou-se mais agradável.

- Essa tal Laura vem apanhá-la aqui? – perguntou Daniel, interessado em conhecê-la.

- Não papai. Achei melhor que fôssemos pegá-la em sua casa.

- Como assim?

- É que ela usa muletas. – informou Lúcia, sem o menor tato.

- Muletas? – perguntou o pai, preocupado.

- Laura faz uso de muletas. – confirmou Milena. – Sofreu um acidente num jogo de futsal.

A jovem contou, com detalhes, toda a história da contusão de Laura. Não escondeu nem mesmo o fato dela ter se tornado introvertida e, até mesmo, um tanto agressiva, após o terrível acidente.

- Laura afirma que não sente a perna esquerda. Mas contou-me que os médicos têm esperanças de que ela volte a andar. Dizem que não há nada físico, parece que se trata de um problema psicológico. Na minha opinião ela não quer tentar a fisioterapia porque sabe que, mesmo que volte a andar, jamais poderá jogar novamente.

Daniel ficara preocupado com o interesse da filha por aquela moça, mas não pôde deixar de sentir pena dela. Devia ser terrível para uma jovem sadia, de apenas dezoito anos, ter que caminhar com auxílio de muletas. Esperava que a amizade entre as duas não evoluísse para algo mais séria. Pois assim como sua mulher já vira a filha sofrer muito por uma mulher que não a merecia.

- Vou levá-las aos jogos de carro. – decidiu o pai. – Enquanto vocês se divertem, eu e sua mãe poderemos ir ao cinema. Faz tempo que a gente não vê um bom filme, não é, Lúcia?

- Pensei que não fosse mais se lembrar disso. – queixou-se a esposa.

- Então, estamos combinados. Na volta do cinema, passamos pela escola para pegar vocês.

- Você é o melhor pai do mundo! – exclamou Milena, beijando-lhe a testa.

- E você, a filha mais aduladora... – replicou Daniel, afagando com ternura os cabelos da filha.





CAPÍTULO 6

No dia seguinte, Milena encontrou Sandra à sua espera na porta do colégio. Enquanto caminhavam, Sandra contou-lhe que havia encontrado Adriana Ribas, e que ela estava furiosa porque Laura recusara seu convite para ir aos jogos.

- Percebi logo que ela não ficou nada satisfeita com a recusa de Laura. – comentou Milena.

- Como foi isso? Você estava presente? – indagou Sandra, disposta a saber toda a verdade.

- Estava, mas só lhe conto o que aconteceu, se me disser quem é Adriana Ribas.

- Ora, você não sabe? Ela é a líder da torcida feminina. Adriana e Laura foram namoradas até o dia em que ela sofreu o acidente. Depois, nunca mais foram vistas juntas.

Aquela revelação pegou Milena desprevenida. Mas disfarçou e perguntou:

- Por que terminaram o namoro?

- E por que não haviam de terminar? Você acha que uma garota bonita e popular, como Adriana, ia se amarrar numa mulher que precisa de muletas para caminhar? Assim que soube que ela ficaria aleijada, para sempre, tratou de sumir. Agora, diga-me o que aconteceu, ontem, entre as duas.

- Laura e eu estávamos conversando, quando Adriana chegou e perguntou se ela queria acompanhá-la aos jogos. Laura agradeceu, dizendo que já tinha companhia.

- Nossa, que fora! Daria tudo para ver a cena... Ela disse com quem ia?

- Claro, disse que ia comigo.

- Por isso ela estava tão furiosa! Foi passada pra trás por uma caloura. – deixou escapar Sandra.

- Não é bem assim. Não estou passando ninguém para trás. Eu e Laura somos amigas, nada mais. – argumentou Milena, aborrecida com a observação malévola.

- Desculpe-me pelo comentário infeliz. Mas esteja certe de que a sua ida aos jogos com Laura vai lhe trazer problemas. Adriana não é boba, já percebeu que Laura está se recuperando. Consegue caminhar, ainda que com o auxílio de muletas. Provavelmente, vai tentar se reaproximar da antiga namorada. – afirmou a moça, com segurança.

- E o que tenho a ver com isso?

- Tudo, não vai aos jogos com ela? A vingança de Adriana vai cair sobre sua cabeça. Pelo que sei, ela nunca sofreu tamanha humilhação. – enfatizou Sandra.

- De uma vez por todas, Sandra, tente entender. Eu e Laura vamos aos jogos,no próximo sábado, mas isto não quer dizer que tenhamos qualquer tipo de compromisso. – assegurou Milena, bastante irritada com a insistência da outra.

- Está bem, está bem. Não é a mim que vai ter que provar nada.

- Não preciso provar coisa alguma, nem a você, nem a ninguém. E, agora, se me permite, tenho que me retirar. A aula já começou, até mais tarde.

Sandra estava boquiaberta. Tinha que reconhecer que aquela moça era muito mais esperta do que ela julgava. Precisava avisar à Adriana que tomasse cuidado com ela. Era uma rival bastante perigosa.

Na sala de aula, Milena fazia um enorme esforço para se concentrar na voz do professor e esquecer toda a indignação que a conversa com Sandra lhe causara. Não ia desistir de sair com Laura. Se Adriana Ribas queria tentar uma reaproximação com a antiga namorada, que o fizesse. Ela não seria empecilho, mas, também, não desistiria de se tornar amiga da moça.

Finalmente, chegou o dia dos jogos. Em seu quarto, Milena arrumava-se com esmero para o seu primeiro compromisso social, em são Paulo. Vestiu uma calça azul de jeans “strech” e uma blusa de lingerie branca, que lhe realçava o dourado da pele e o negro dos cabelos. Um lenço de seda estampada, cuidadosamente torcido, foi usado como cinto. Não usava maquiagem, apenas um pouco de rímel para alongar os cílios e brilho incolor nos lábios. Aplicou, com cuidado, uma pequena quantidade de “Cabouchard” nos lóbulos das orelhas, nos pulsos e dobras dos braços.

- Vamos Milena, são quase cinco e meia da tarde. A que horas você marcou com sua amiga? – perguntou Daniel, batendo na porta do quarto da filha.

- Às dezoito horas, papai. Não vou me atrasar. Desço dentro de cinco minutos.

- Está bem, vou tirar o carro da garagem.

Milena olhou sua imagem refletida no espelho e sorriu com aprovação. Faltava apenas arrumar um pouco mais o cabelo. Escovou-o várias vezes em todas as direções e, com os dedos, deu o toque final. Olhou mais uma vez no espelho e deu-se por satisfeita. Pegou a bolsa a tiracolo e foi ao encontro dos pais.

- Hum... Você está linda, precisa caprichar tanto para ir a um simples jogo? – brincou Daniel, olhando-a com aprovação.

- Está muito elegante, filha. – confirmou Lúcia.

- Ora, deixem de brincadeiras, vão acabar me deixando encabulada...

- Até parece... De tímida você não tem nada. – afirmou Lúcia, sorrindo.

Minutos depois, já estavam em Vila Mariana, bem em frente ao edifício em que Laura morava. A moça estava esperando no hall. Daniel foi ao seu encontro e ajudou-a a entrar no carro. Sentando ao lado de Milena, a moça parecia bem a vontade. Durante todo o percurso, Laura e Daniel conversaram, animadamente sobre futsal. Parecia haver nascido uma simpatia mútua entre Laura e Daniel. Lúcia limitou-se a observar o comportamento da moça. Não podia negar que Laura era muito atraente, esperava que a filha não se envolvesse emocionalmente com ela.

As duas jovens ficaram na porta da escola e os pais de Milena seguiram para o cinema. Daniel prometeu estar de volta às dez horas, para apanhá-las.

Tanto os jogos como o baile seriam realizados na própria escola, que possuía um complexo campo de desportos e um amplo salão de festas. O baile só começaria às 21 horas, logo após os jogos, que estava marcado para as dezoito e dezenove horas.

O estádio estava repleto quando eles chegaram. Com cuidado, Milena conduziu Laura até a arquibancada. Assim que se acomodaram, o juiz apitou o início do jogo de vôlei. Assistiram ao jogo sem muito animo. No jogo de futsal, foi diferente. A jovem nunca ficara entusiasmada com futsal, mas, dessa vez, torcia pra valer. Laura, então, nem se fala. Aficionada por aquele esporte gritava como uma doida, dando sugestão aos jogadores que estavam na quadra.

O primeiro tempo terminou empatado. Mas, no segundo tempo, o time da escola mostrou a sua superioridade. Venceu, por 10 a 5, o time visitante. A torcida, em delírio, gritava, em uníssono, o nome da nova astra do time. Nesse momento, a jovem percebeu uma sombra de tristeza nos olhos de Laura. Terminado o jogo, aguardaram que o estádio esvaziasse para saírem.

- Seu pai disse que só chegaria às dez horas, não é mesmo?

- É verdade, assim que terminar a sessão de cinema vem direto para cá. Por que perguntou?

- Bem, já que estamos aqui, poderíamos dar uma espiadinha no baile. O que acha?

- Oh, não! Não estou vestida para ir a um baile.

- Que nada, você está ótima! E, depois, não vamos ficar...

- Está bem, mas só um pouquinho.

- Ótimo! Agora, espere-me aqui. – ordenou Laura.

- Ei, aonde vai?

- Espera e verá. – disse a moça, sumindo atrás do muro que separava a entrada do salão do jardim.

Ao voltar, a moça trazia dois buquês de margaridas que arrancara do canteiro.

- Que é isso? – perguntou Milena, rindo pra valer, sem entender o gesto da moça.

- Segundo a tradição, nenhuma moça pode comparecer ao baile sem um buquê de flores. Pronto, aqui está o seu. – disse Laura, prendendo as flores na blusa da moça e o outro na sua.

As duas entraram, arranjaram uma mesa e ficaram observando os pares dançando. O baile estava animado, todos pareciam se divertir. Não via mais nos olhos de Laura a sombra de tristeza que percebera no jogo de futsal. Ao contrário, ela parecia estar muito feliz. Acompanhava, batucando na mesa, o ritmo da música. Instintivamente, Milena olhou para os pés da moça. Surpresa, percebeu que eles se moviam ao som da música.

- Laura, você está movendo... – arrependeu-se, teve medo de continuar.

- O quê? Falou alguma coisa? – perguntou à jovem, que nada ouvira por causa do barulho.

- Não foi nada. – assegurou Milena.

Preferiu não fazer qualquer comentário. Talvez tivesse se enganado. Não demorou muito e o fato se repetiu. A moça estava impressionada. Laura havia dito que a sua perna esquerda tornara-se inútil, devido ao acidente. No entanto, tinha certeza de que ela a havia movido. Se Laura estivesse fazendo o tratamento adequado, com certeza estaria andando, normalmente. Por que aquela moça fazia tanta questão de continuar usando muletas?

Capítulo 5: Falando sério


(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 6 de Maio de 2008)




CAPÍTULO 7

Desde a noite dos jogos, as duas jovens passaram a se encontrar quase diariamente. Milena não se considerava namorada de Laura e sim amiga. Laura a tratava como uma boa amiga, jamais demonstrando qualquer interesse especial por ela. Milena considerava a moça fascinante, mas, também, não sabia a extensão de seus sentimentos: seria amor ou amizade, o que sentia por Laura?

Pouco a pouco, passou a entender melhor a moça e percebeu que estava certa quanto ao seu problema. Laura não queria voltar a andar porque sabia que não poderia retornar ao futsal.

Sempre que conversavam, ela falava com entusiasmo do tempo em que era a artilheira do time da escola. O passado era uma espécie de troféu, e preservá-lo era uma forma de fazer com que as colegas jamais se esquecessem da grande atleta que fora. A idéia de cair no esquecimento a assustava. Se voltasse a caminhar, logo todos apagariam da memória seu tempo de glórias. As muletas eram o símbolo desse passado, enquanto as usasse, todos se lembrariam de fora a melhor jogadora do time de futsal. Tinha medo do futuro, e jamais mencionava a esperança de voltar a caminhar.

Mesmo tendo certeza de que a moça movera os pés, na noite do baile, jamais comentou o assunto com ela. Na sua opinião, Laura precisa de tempo para aceitar a realidade.

Naquela tarde, Laura resolveu fazer-lhe uma surpresa. Sem avisar, apareceu no clube onde ela treinava. Só no final do aquecimento, a moça percebeu a sua presença. Admirada, correu na sua direção.

- Olá campeã! Vim conferir se é mesmo a melhor nadadora do momento.

- Foi ótimo ter vindo, vai assistir aos treinos? – quis saber Milena.

- Claro! Só vim aqui para isso. Depois do treino, levo-a para casa. Combinado?

- Não sei. Como você sabe, a minha mãe e a de Luana se revezam para nos trazer ao clube. Esta é a semana da Srª. Pereira. Depois do treino, vou ligar para casa e pedir à mamãe que me libere de voltar com ela.

Nesse instante, Otávio apareceu na porta do vestiário. Mãos na cintura, olhou em torno, procurando pela jovem.

- Ei Otávio, estou aqui. – gritou, chamando o técnico.

- Olá garota! A esta hora, já devia estar treinando. Que faz fora d’água? – perguntou Otávio, caminhando em sua direção.

- Já fiz o aquecimento. Estava esperando que chegasse para iniciar os treinos. Enquanto isso, conversava com uma amiga. Aliás, quero lhe apresentar a ela.

- Laura, este é o Otávio, meu treinador. É considerado o melhor do país. Pertencer a sua equipe é um privilégio. A cada segundo de minha vida, tenho que me lembrar disso. – comentou Milena, fazendo uma careta zombeteira.

- Muito prazer, Laura. – disse Otávio, estendendo a mão para a moça. – E não ligue para o que diz essa moça. É uma grande bajuladora.

- Milena tem razão, já li muita coisa sobre você. Sua fama é merecida.

- Interessa-se por esportes? Tem músculos muito bem trabalhados. O que fazia, antes de precisar usar estas coisas? – perguntou Otávio, de forma fria e direta.

Milena ficara sem graça, diante da pergunta, um tanto irreverente, do treinador. Sabia que ele era franco e objetivo, não costumava enfeitar as palavras. Ansiosa, esperava a reação de Laura.

- Jogava vôlei e futsal pelo time do colégio. – respondeu, sem demonstrar qualquer aborrecimento.

- Logo vi que era uma atleta! E vai se deixar vencer por um par de muletas? O que lhe disseram os médicos? – insistiu Otávio.

- Bem, eles dizem que tenho chances de voltar a caminhar sem o auxílio de muletas...

- E o que tem feito para isso?

- Nada, eu... Eu... – a moça estava atrapalhada, Otávio tocara em seu ponto fraco.

- Como? Não tem feito nada? Uma jovem saudável, como você, pretende passar o resto da vida assim?

- Mesmo que torne a andar, nunca mais poderei jogar futsal. – confessou Laura, cheia de mágoa.

- E daí, há outros esportes tão interessantes quanto o futsal. Se quiser, talvez possa ajudá-la. A natação é um santo remédio para muitos males físicos.

- Obrigada, vou pensar...

- Mas não demore muito a se decidir. No seu caso, a falta de exercícios pode acabar atrofiando os músculos da perna. Vamos, moça, tenha esperanças e tente, enquanto há tempo. Desculpe-me a sinceridade, mas não gosto de ver jovens, como você, conformados com uma situação temporária, como se ela fosse irremediável. – concluiu Otávio.

Milena estava abismada com a veemência e autenticidade do técnico. Em poucos minutos, Otávio havia dito a Laura tudo o que vinha querendo dizer, há tanto tempo, e não tivera coragem. Esperava que a moça seguisse os conselhos do técnico.

Naquela tarde, Milena procurou nadar o melhor possível para impressionar Laura. Otávio estava eufórico com o magnífico desempenho da jovem. Muito exigente, não costumava fazer elogios mas, desta vez, não se conteve.

- Esteve maravilhosa, garota! Sua batida de “crown” está perfeita. – garantiu o treinador, entregando-lhe a toalha e dando o treino por terminado.

- Obrigada, Otávio, mas o mérito é todo seu. Até amanhã. – acenou-lhe, enquanto se dirigia ao vestiário.

Tomou um chuveiro frio e vestiu o elegante agasalho vermelho com frisos brancos. Penteou, displicentemente, os cabelos molhados e foi ao encontro de Laura.

A moça estava esperando em frente à porta do vestiário e a Srª. Pereira, também. Milena fez sinal para que Laura a aguardasse, ali mesmo, e saiu com a mãe de Luana. Minutos depois, estava de volta.

- Então, foi muito difícil conseguir a permissão de sua mãe para voltar comigo?

- Um pouco. – confessou Milena. – Mamãe é muito comodista, só anda de carro. Não consegue entender como existem pessoas que sentem prazer em caminhar a pé. Trocar o carro pelo ônibus, então, lhe parece o mais completo absurdo.

- Por falar nisso. – lembrou-se Laura. – Próximo ao ponto do ônibus que vai para sua casa, inauguraram uma pizzaria. O que acha de darmos um pulinho até lá.

- Pizza! Ah, Laura, engorda tanto... Preciso conservar meu peso. Até o campeonato, não posso ganhar nenhuma grama a mais. – comentou a jovem.

- Não a convidei para comer pizza. Só pedi para irmos até lá. Eu como e você olha... – brincou.

- Engraçadinha... Está bem, vamos a tal pizzaria. – concordou, sorrindo.

O ambiente da Romana era muito acolhedor. Um amplo e agradável salão decorado com plantas naturais e ótima música. Foi difícil escolher dentre as muitas variedades de pizzas. Ajudados pelo pizzaiolo, decidiram saborear uma pizza à americana: bacon, ovos, presunto, mozarela e pimentões eram os ingredientes especiais desse tipo de pizza.

- Então, que achou desse lugar? – perguntou Laura.

- Bastante descontraído e informal. Estou impressionada com a variedade. No Rio, temos boas pizzarias, mas não com tantas espécies de pizzas.

- Aqui é muito comum. A colônia italiana é muito grande. A cada esquina de São Paulo, você encontra ótimas pizzarias.

- O que deu em você para aparecer lá no clube? – quis saber Milena.

- Não sei... Acho que senti saudade de você. – confessou a jovem.

- Mas nos vimos pela manhã na escola... – ponderou Milena, meio acanhada.

- Eu sei, mas tive vontade revê-la...

Milena enrubesceu. Era uma jovem extrovertida, não costumava encabular à toa. Pela primeira vez, sentia-se tímida e insegura. Para quebrar o repentino silêncio que se fizera entre as duas, resolveu perguntar-lhe o que achara de Otávio.

- Meio fanfarrão, como todo técnico famoso. Mas não deixa de ser um cara simpático.

- E sincero, também. – completou Milena.

- Por que está dizendo isto?

- Otávio não tem papas na língua. Diz sempre a verdade, doa a quem doer. Acho que você não ficou muito satisfeita com a observação que fez, sobre o fato de não querer tentar uma recuperação. – afirmou a moça, com convicção.

- Não, ele não me aborreceu. No fundo, acho até que tem uma certa razão. Mas, quando penso que não tenho mais chance de voltar a jogar, perco a coragem de tentar me recuperar. – confessou Laura.

- Você está tentando me dizer que não quer voltar a caminhar, porque jamais poderá retornar ao futsal? Ora, Laura, isso não tem cabimento. – exclamou, revoltada com a posição intransigente da moça.

- Não é bem assim... Não dá para explicar, você não entenderia.

- Ah, não entenderia mesmo. É preciso que fique bem claro, em sua mente, o que Otávio explicou sobre a atrofia dos músculos de sua perna. Ele tem razão, se não procurar um bom fisioterapeuta ou tentar fazer algum exercício, dentro de pouco tempo não haverá mais possibilidade de recuperar o movimento da perna. Por que não aceita o oferecimento de Otávio e começa a praticar natação?

- Prometi que ia pensar, Milena. Não vai ser muito fácil, para mim, reaprender a andar.

- Vai conseguir Laura, tenho certeza. – afirmou a jovem, lembrando-se de que já vira os pés da moça se movendo. Sabia que ela voltaria a caminhar no momento em que encontrasse uma motivação maior.

- Por que tanta certeza? – indagou a moça.

- Não sei, acho que é uma espécie de intuição feminina. – mentiu Milena.

- Se aceitar o oferecimento de Otávio, como vou competir com você? Parece que se sente melhor dentro d’água do que em terra firme... – brincou.

- Ora, Laura, francamente. Pratico natação há dez anos. Você vai começar agora, dentro de algum tempo, poderá estar nadando melhor do que eu.

- Isto é uma profecia? – perguntou, sorrindo.

- Talvez...

- Está certo... Então, quero fazer uma profecia também.

- E qual é? – perguntou, sorrindo brejeira.

- Dentro de alguns meses, a nova campeã brasileira de natação será uma jovem alta, de cabelos negros e lindos olhos azuis. Seu nome... Milena Albuquerque.

Naquela noite, em seu quarto, Milena não conseguia afastar a imagem de Laura de seu pensamento. O encontro com Otávio havia sido providencial. Quem sabe, agora, a moça compreendesse que era preciso esquecer o passado e viver o presente, em toda a sua intensidade.

Pela manhã, acordou sorrindo. Havia sonhado com Laura. No sonho a moça corria, em sua direção, livre das muletas.



CAPÍTULO 8

O inverno chegou. Fazia muito frio e, há dias, uma chuva fina caía com insistência. A caminho da escola, Milena pensou que aquele era o dia ideal para se ficar em casa, sob as cobertas, lendo um bom romance de amor. O vento gelado fustigava o seu rosto. Ah, o calor do Rio! Mais uma vez, a saudade bateu forte. Mas não havia como fugir da realidade. Apressou o passo. Não só tinha que ir ao colégio, como também, submeter-se a duas provas: Matemática e Física. Certamente, aquele não seria um dos seus melhores dias. – pensou com desânimo.

No intervalo da segunda aula, dirigiu-se à lanchonete para comer alguma coisa. Esperava, como sempre, encontrar-se com Laura. Mas ao invés da moça, ela avistou Sandra. Fingiu não vê-la. Pensava que depois da discussão que tiveram, da última vez que se encontram, que a moça não mais se aproximaria dela. Foi com certo espanto que ouviu Sandra chamá-la. Não teve outro jeito senão dirigir-se à mesa onde ela se encontrava.

- Puxa! Faz tempo que não conversamos! Sente aqui, e conte-me as novidades. – insistiu Sandra, tentando ser simpática.

- A única novidade é que daqui a pouco farei duas provas, em tempos seguidos. Matemática e Física, já imaginou. – comentou, com ar desolado.

- Console-se comigo, acabei de enfrentar uma prova de Química.

Lembrou-se que Sandra e Laura eram da mesma turma. Ela também havia comentado que, teria uma prova naquele dia. Ficou preocupada com a ausência da moça. Jamais faltaria a uma prova, se não tivesse motivo grave. Certamente, Sandra saberia o que tinha acontecido. Mesmo sabendo o quanto ela era fofoqueira, resolveu arriscar.

- Não vi a Laura hoje. Ela faltou à prova? – indagou, procurando disfarçar o interesse.

- Claro que não! Quando entreguei minha prova, ela ainda estava na sala. Parecia bem enrolada com as questões, coitada! A prova foi muito difícil.

Dos males o menor, pelos menos não lhe acontecera nada de sério. – pensou Milena.

- E você, se deu bem na prova, Sandra?

- Claro que não! Das cinco questões, deixei três sem fazer. Não sou do tipo que esquenta a cabeça. Laura já reage de forma diferente, só desiste quando termina o tempo da prova. Por falar em Laura, você e ela têm sido vistas juntas com muita freqüência. Por acaso, estão namorando? – indagou Sandra, não conseguindo esconder a sua curiosidade.

- Eu e Laura somos amigas. O fato de estarmos sempre juntas, a até já termos saído algumas vezes, não quer dizer que sejamos namoradas. – garantiu Milena.

- Não é o que pensa a Adriana Ribas. Está furiosa porque a moça só tem olhos para você...

- Isso não é verdade. Às vezes, acho que Laura nem nota que sou uma mulher. – queixou-se a moça.

- Como assim? – quis saber a outra, espantada com a sinceridade de Milena.

- Apesar de muito gentil e educada, ela me trata apenas como uma boa amiga.

- Nunca tentou beijá-la? – perguntou indiscreta, querendo confirmar a opção sexual de Milena e o interesse dela em Laura.

- Não, ela não tem nenhum interesse especial por mim. – garantiu Milena.

- Mal posso acreditar... E você, nunca fez nada para lhe despertar a atenção?

- E o que poderia fazer?

- Ora, não sei, talvez se usasse umas roupas mais provocantes... Acho que não se emprenha o suficiente para conquistá-la. – opinou Sandra.

Milena não pôde deixar de sorrir, com a sugestão da moça. Sentia-se bem, usando roupas mais esportivas e não acreditava que pudesse chamar a atenção de Laura, apenas mudando sua maneira de vestir.

Perplexa com o que havia conseguido saber sobre o relacionamento entre Milena e Laura, a bisbilhoteira Sandra tratou de procurar a antiga namorada da moça para lhe contar a boa notícia. Adriana Ribas exultou de satisfação.

- Se o que está me dizendo é verdade, é sinal de que ainda tenho chances de reconquistar Laura.

- Também acredito nisso. Agora, só depende de você. – afirmou Sandra.

- Pois bem, esta garota não perde por esperar. Vou procurar Laura e dizer que ainda gosto dela. Quero ver se consegue resistir ao meu charme... – garantiu Adriana, mais do que nunca decidida a reconquistar a moça.

Adriana Ribas não percebeu o sorriso irônico de Sandra.

Na saída do colégio, Milena estava desanimada. Não havia se saído bem nas provas. Esperava que, pelo menos nos treinos, tudo desse certo.

Ao chegar ao Clube Pinheiros, naquela tarde, encontrou Otávio aborrecido. As raias estavam todas ocupadas. Sem que ele soubesse, haviam trocado o horário das aulas de natação para principiantes. A escolinha, que sempre funcionara pela manhã, por causa do frio intenso, passara para a tarde.

- Como vê, Milena não vai dar para treinar. Vou conversar com a direção do clube e pedir que me reservem a piscina olímpica. As crianças podem treinar na menor. Afinal, minha turma é composta de futuros campeões. – afirmou com certo orgulho. – Amanhã tudo estará resolvido.

Milena suspirou resignada. Parecia que, naquele dia, nada daria certo. A água da piscina estava gelada, ainda assim resolveu dar um mergulho para relaxar. Já ia deixar a piscina quando avistou Laura. Era a primeira vez, depois da conversa com Otávio que a moça aparecia por lá.

- Olá, garota! Treinando, com todo esse frio! – disse a jovem, aproximando-se da borda da piscina.

- Não estou treinando, como vê, a piscina está inteiramente tomada pelas crianças da escolinha de natação. Otávio suspendeu o treino até que o problema possa ser resolvido. Como já estava aqui, resolvi dar um mergulho. E você, o que faz aqui?

- Vim trazer minha irmã para a aula de ginástica e aproveitei para vê-la.

- Foi bom que tivesse vindo. Estou meio por baixo e preciso conversar com alguém. Não me saí nada bem nas provas de hoje. Por falar nisso, conseguiu resolver as questões de Química? Sandra contou-me que a prova esta dificílima.

- Dificílima é pouco, estava terrível! Não fui me encontrar com você na lanchonete porque fiquei tentando terminar a prova. Apesar dos meus esforços, também não consegui grande coisa. – confessou.

- Agora não adianta ficar pensando nisso. Estou congelada, ajude-me a sair daqui.

Laura estendeu a mão para ajudá-la a subir. Ao fazê-lo, perdeu o equilíbrio e caiu na piscina. Assustada, Milena atirou-se na água para socorrê-la. Parou, ao perceber que a moça estava se saindo muito bem, sem a sua ajuda. Ao sentir que estava sendo observada, ela parou de nadar e afundou. A jovem foi ao seu encontro e conduziu-a à escada da piscina, auxiliando-a a subir.

- Estava nadando, normalmente. – afirmou Milena. – Por que não continuou até alcançar a borda da piscina?

- Você sabe, a minha perna... Senti que não podia continuar.

- Não é verdade Laura. Vi que você movia as duas pernas. – assegurou.

- Deve ter se enganado. Não consigo nem sentir a perna esquerda, que fará movimentá-la.

- Não, não me enganei. Aliás, esta não foi a primeira vez que vi sua perna mover-se.

- Que está dizendo, Milena. Sabe que minha perna é totalmente inútil. – afirmou, contrariada.

- Está recuperando o movimento, Laura. Você não sabe ou não quer aceitar esse fato. Desde a noite do baile, percebi que com um pouco de força de vontade poderia voltar a caminhar.

- E o que lhe deu essa certeza?

Milena contou o que havia observado naquela noite.

- Isso é impossível! Não sabia que era dada a ter ilusões de ótica.

- Não se trata de uma ilusão de qualquer espécie. Naquele dia você moveu as pernas e hoje também. Não teria conseguido manter-se na tona por tanto tempo se não as movimentasse. Se não quer encarar de frente a realidade, Laura, o problema é seu. – disse Milena, jogando a toalha na espreguiçadeira e afastando-se na direção do vestiário.

- Espere Milena. Como vou sair daqui com essas roupas molhadas?

- Venha até o vestiário e peça a moça da rouparia para secá-las para você.

- Obrigada. Vai esperar por mim? – indagou, preocupada com a reação da moça.

- Tem certeza de que quer que eu a espere?

- Claro, vim aqui para vê-la. A aula de ginástica de minha irmã termina dentro de quinze minutos.

- Está bem, aguardo você no bar.

Milena não teve que esperar muito tempo. Acompanhada de sua irmã Paula, Laura aproximou-se e fez as apresentações. Paula era uma garota simpática e alegre. Tinha a mesma idade de Milena. Sua figura graciosa, lembrava-lhe uma antiga boneca alemã, que a mãe guardava com tanto carinho. Os cabelos eram louros, semilongos e um pouco ondulados. O rosto era rechonchudo, de pele clara e macia. Seus olhos eram verdes, tal como os da irmã. Uma simpatia mútua nasceu entre as duas jovens.

- O que querem beber? – perguntou Laura, solícita.

- Quero uma coca-cola. – pediu Paula.

- O mesmo para mim. – disse Milena.

Enquanto a moça se dirigiu ao balcão para pegar os refrigerantes, Paula comentou:

- Você é exatamente como minha irmã descreveu. Tem os olhos mais incríveis que já vi e um bronzeado de fazer inveja... É muito bonita, Milena.

- Obrigada. Você, além de bonita, é também muito gentil. Mas disse que Laura já lhe havia falado sobre mim? – perguntou interessada.

- Nossa! Não fala em outra coisa. Aliás, nunca a vi tão interessada numa garota, como parece estar por você. – garantiu a jovem, observando a reação de Milena diante do fato.

- Acho que está enganada, Paula. Sua irmã nunca demonstrou qualquer interesse especial por mim.

- Tenho certeza de que ela está apaixonada por você. Talvez não lhe tenha dito nada, por causa de sua situação. Deve estar com medo de que você não a aceite pelo fato de usar muletas.

- Ora, que bobagem...

Milena não pôde completar seu pensamento. Laura estava de volta com os refrigerantes.

Mais tarde em seu quarto, tentou analisar seus próprios sentimentos. Gostava da companhia da moça, mas ainda não estava certa de amá-la. Seria amor, o desejo de estar sempre ao seu lado e de se preocupar tanto com ela? Estava certa de que Laura a atraía e inspirava uma imensa ternura. Seria apenas amizade ou havia algo mais forte? E Laura, por que nunca demonstrou seu interesse afetivo em relação a ela? Achou que o melhor era dar tempo ao tempo e deixar que tudo se resolvesse naturalmente.

Capítulo 6: RESFRIADO


(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 8 de Maio de 2008)




CAPÍTULO 9

Milena amanhecera resfriada. Seu corpo doía como nunca e sentia até dificuldade em respirar. Precisou reunir todas as suas forças para comparecer à escola naquela manhã.

Ao passar pelo quadro de avisos, algo lhe despertou a atenção. O colégio estava promovendo um concurso interno para escolher o melhor desenhista. Pensou em Laura.

Na hora do lanche foi ao encontro da moça, precisava dar um jeito de fazer com que ela participasse do concurso.

Ao vê-la tão abatida, Laura mostrou-se preocupada.

- Depois daquele mergulho inesperado, pensei que eu é que ficaria resfriada. No entanto, olhe só o seu estado... – comentou Laura.

- Pois é, faz tempo que não me sinto tão mal.

- Devia ter ficado em casa hoje, para se recuperar. Apesar de não estar chovendo, o frio continua intenso.

- Não gosto de perder aulas. – ponderou a jovem.

- Ora, um dia apenas não ia fazer tanta falta assim. – observou.

- De qualquer forma, teria mesmo que sair de casa. Lembre-se que não pude treinar ontem. Tenho que recuperar hoje, à tarde, o tempo perdido.

- Você enlouqueceu... Como pode pensar em treinos, doente desse jeito. Vai acabar arranjando um problema maior e, então, adeus campeonato.

- Tem razão. Ainda assim, preciso ir ao clube. Não quero que Otávio pense que sou irresponsável.

- Se ele a deixar treinar, tem tão pouco juízo quanto você. Mas já que insiste nessa loucura, vou acompanhá-la ao clube. – decidiu a moça.

Milena estava enternecida com a preocupação de Laura. Ela estava mais solícita do que nunca. Resolveu aproveitar a oportunidade para lhe falar sobre o concurso.

- Você já viu o quadro de avisos?

- Sim. Por que perguntou? – quis saber a moça.

- Não viu nada que lhe chamasse a atenção?

- Creio que não... A não ser que esteja se referindo ao concurso de desenho.

- Isso mesmo, o que acha de concorrer?

- Não, Milena. Já lhe disse que não gosto de mostrar meus trabalhos a ninguém. Além disso, quem lhe garante que meus desenhos são bons. Ainda não os viu.

- Vi o esboço que fez de mim. É muito bonito. Papai e mamãe também viram e concordaram que você tem muito talento. Por que não aproveitar a chance e participar do concurso. – insistiu a moça.

- Não seja teimosa, garota. Já lhe disse que não vou participar de nenhum concurso e ponto final. – falou Laura, encerrando definitivamente o assunto.

Milena sacudiu os ombros, com desdém, como se a decisão da moça não tivesse muita importância. Mas não ia desistir. Daria um jeito dela concorrer.

Como havia prometido, Laura a acompanhou ao clube naquela tarde. Ao vê-la tão debilitada, Otávio concordou que não devia treinar.

- Vá para casa e trate de se cuidar. Hoje é sexta-feira, aproveite o fim de semana para descansar e se livrar desse resfriado. Se estiver melhor na segunda feira reiniciaremos os treinos. Até lá, precisa estar em forma. – afirmou o treinador, afastando-se.

- Ouviu o que ele disse? Vou levá-la, imediatamente, para casa. – disse Laura.

- Ah, não. Não estou com a menor vontade de ir par casa agora. – lamentou-se a jovem.

- E o que quer fazer, garota teimosa?

- bem... Já que estou dispensada da natação por causa do resfriado, poderíamos ir até sua casa. Gostaria de ver seus desenhos. Então, não vai me convida? – sugeriu, com jeitinho cativante.

- Você não desiste, hein? – comentou a moça, fitando-a zombeteiramente.

- Não vou desistir, enquanto não me mostrá-los. – desafiou a jovem.

- Está certo, você venceu. Mas isto vai ficar para outro dia. Precisa de repouso, Milena, não deve abusar. Vou deixá-la em casa e, mais tarde, ligo para saber se melhorou. – afirmou Laura, tocando-a no rosto com carinho.

- Se estiver melhor, amanhã, posso visitá-la? – perguntou a moça, obstinada.

- Você pode ir à minha casa, quando quiser. – respondeu, abraçando-a com ternura.

Embora não passasse de um abraço fraternal, fora tão espontâneo que Milena sentiu-se emocionada.

No outro dia, Milena acordou melhor. Pegou a bicicleta e dirigiu-se à casa de Laura. Tinha uma idéia para que Laura participasse do concurso de desenho e ia pô-la em prática. Paula Veiga, a irmã caçula da moça, acolheu-a com simpatia.

- Olá Milena! Que surpresa agradável! – exclamou Paula ao vê-la.

- Obrigada Paula. Você é sempre muito gentil. Vim bater um papo com sua irmã, ela não está em casa? – perguntou, temendo não encontrar Laura.

- Está sim, vou chamá-la. Pra variar está trancada no quarto, desenhando. Papai foi jogar futebol com os amigos, como acontece todo sábado. Mamãe está meio atrapalhada, ajudando a empregada a terminar o almoço. Vou chamá-la também, está louca para conhecer você. Como disse, minha irmã não fala em outro coisa, desde que a conheceu.

Paula passou pela cozinha e avisou à mãe que tinham visita, depois foi chamar Laura.

Uma senhora gordinha, cabelos um pouco grisalhos e com um sorriso muito simpático, entrou na sala, enxugando as mãos no avental.

- Ah, então você é a Milena... Sou Célia, mãe de Laura e Paula. Como está minha filha?

- Estou bem, obrigada. Mas como a senhora sabe o meu nome? – indagou espantada.

- Muito simples, você é exatamente como minha filha descreveu. Ou melhor, é ainda mais bonita. Como poderia me enganar? – perguntou, com um sorriso amável.

As palavras de D. Célia confirmavam as de Paula.

Nesse momento, a moça entrou na sala, acompanhada da irmã e trazendo uma enorme pasta de cartolina.

- Oi Milena! Não resta dúvida de que é muito persistente... – brincou a moça.

- Não me diga que não sabia disso. – retrucou.

- Também vou cumprir a minha palavra, aqui estão os desenhos. – apontou para a pasta.

- Vão me desculpar, mas tenho que continuar meu serviço. Se precisarem de alguma coisa, é só chamar. – disse D. Célia, voltando para a cozinha.

- Também não posso ficar. – informou Paula. – Combinei estudar com uma colega hoje. Estou até meio atrasada. Prometa-me que voltará outro dia para conversarmos. – pediu a jovem.

- Volto sim Paula. E, quando quiser apareça lá em casa.

Assim que a irmã saiu, Laura sentou-se ao lado de Milena e abriu a pasta de cartolina. A moça ficou maravilhada ao ver os desenhos. Aquela moço era, na verdade, uma grande artista. – pensou. Havia desenhos a crayon, guache e, até, bico de pena. Um deles, em especial, havia chamado a sua atenção: um garoto de ar tristonho, sentado à beira de uma calçada, tendo nas mãos uma bola de futsal. Olhando com atenção, percebeu que os traços fisionômicos do garoto eram muito parecidos com os de Laura. Não restava dúvida de que aquele era um auto-retrato. Sem que a moça notasse, separou-o dos outros.

- Tem certeza de que não quer mesmo concorrer? – insistiu mais uma vez.

- Não quero que ninguém veja esses trabalhos. Só concordei em mostrá-los a você. Nem mesmo o pessoal daqui de casa tem acesso a eles.

Não adiantava teimar. Ela jamais cederia. Precisava dar um jeito dela se afastar um pouco da sala.

- Estou com um pouco de sede. – mentiu. – Poderia me arranjar um pouco d’água?

- Oh, desculpe-me... Não lhe ofereci nada. Não prefere um refrigerante?

- Como quiser... – disse a jovem, ansiosa por afastá-la dali.

- Espere um pouco, eu mesmo vou apanhá-lo. Mamãe está muito ocupada, a empregada é nova e ainda não se acostumou com o serviço da casa.

Era a oportunidade que ela queria. Enquanto Laura foi buscar o refrigerante, tirou o desenho que mais lhe agradara e escondeu-o sob o casaco.

De volta à sala, a moça não desconfiou de manobra, mas ficou meio frustrada quando Milena lhe disse que precisava ir embora.

- Ainda é cedo. Não quer ficar para almoçar conosco? – convidou.

- Não obrigada. Fica para a próxima vez. Prometi à mamãe que não me demoraria muito. Por favor, despeça-se de sua mãe por mim.

- Está certo. Cuide-se bem, ainda não está curada do resfriado. À noitinha ligo para você.

Um pouco nervosa, mas satisfeita consigo mesma, Milena voltou para casa trazendo um dos melhores desenhos da moça. Sabia muito bem que destino daria a ele.

Minutos depois de Milena ter se retirado, Laura recebeu a visita de outra jovem. Ficou surpresa ao abrir a porta e deparar com Adriana Ribas.

- Oi Laura, preciso muito conversar com você. Não me convida a entrar?

- Claro, desculpe... É que não esperava... – gaguejou, surpresa.

- Não esperava que eu a procurasse, não é mesmo? – olhou-a insinuante.

- Isso mesmo, pensei que nunca mais quisesse me ver na sua frente.

- Pois bem, Laura, estou arrependida. Não devia tê-la abandonado num momento em que mais precisava do meu apoio. Errei e, agora, vim lhe pedir desculpas.

- Isso não tem mais importância... – respondeu, desconfiando da intenção da moça.

- Para mim ainda tem importância, Laura. Percebi que ainda gosto muito de você. Tentei, mas não consegui esquecê-la. Precisa acreditar em mim.

- Desculpe Adriana, mas descobriu seus sentimentos tarde demais. – assegurou a moça.

- Sempre é tempo de se reconhecer a verdade e, pelo que sei, não está namorando ninguém... Poderíamos reatar. – concluiu Adriana, aproximando-se e enlaçando-a pelos ombros.

- Não, não daria certo. Para falar a verdade, não poderia dar certo porque amo outra garota. – afirmou Laura, desvencilhando-se do abraço.

Adriana recuou furiosa. O que ela estava falando não podia ser verdade. Sandra lhe garantira que não havia nada entre Milena e Laura. Haveria, então, outra moça? Precisava saber quem era.

- Não acredito que tenha me esquecido. – insistiu.

- Mas esqueci. Milena é a jovem mais meiga que conheço e estou apaixonada por ela.

Humilhada, como nunca em sua vida, Adriana saiu, batendo a porta com força. Dali, dirigiu-se à casa de Sandra. Aquela fofoqueira precisava de uma boa lição – pensou Adriana, revoltada. Nunca havia passado por uma situação tão constrangedora. Mais tarde cuidaria de Milena, ela também não ficaria impune.
Capítulo 7: DERROTA


(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 9 de Maio de 2008)




CAPÍTULO 10

Chegou, finalmente, o dia do Campeonato Regional. Milena estava um pouco nervosa, mas confiante. Levantou-se às cinco horas da manhã e, meia hora depois, já estava a caminho de Campinas, onde seria realizado o Campeonato. A estrada estava livre e Lúcia mantinha uma boa velocidade, logo estariam chegando. No banco traseiro do carro, estava Laura. A jovem estava contente por ela ter aceitado o convite para acompanhá-las.

Às nove horas chegaram ao parque aquático da Universidade de Campina. Era magnífico. Uma hora antes do início das provas, estava completamente lotado. Milena trocou de roupa, rapidamente, e foi ao encontro de Otávio. O treinador dava as últimas instruções para a sua equipe: dois rapazes e três moças, incluindo Milena, sua grande esperança naquele campeonato.

- Não vou lembrar das responsabilidades que lhes cabem. – falou Otávio, iniciando a preleção. – Quero, apenas, que dêem tudo de si. Foram preparados para vencer e têm muita chance de consegui-lo. Concentrem-se no que estão fazendo e não se preocupem com o adversário. Lembrem-se de fazer o aquecimento muscular, antes de cada provar. – concluiu.

Milena suspirou. Sabia que o técnico esperava muito dela e tudo faria para não decepcioná-lo. Além disso, havia Laura. Era a primeira vez que a moça a assistia numa competição e esperava impressioná-la bem.

A jovem nadadora estava inscrita em quatro tipos diferentes de competição: três provas e uma quarta individual.

- Puxa! Milena é, realmente, uma excelente nadadora! – exclamou Laura, agradavelmente surpresa, ao ver a jovem vencer mais uma prova e ganhar sua terceira medalha de ouro.

- Felizmente se saiu bem nessas três provas. Mas estou preocupada, sinto que ela está um pouco cansada para a individual. – observou Lúcia, com a experiência de uma ex-campeã.

- Vai se sair bem. Nas provas anteriores, tocou a raia com considerável diferença de tempo dos demais competidores. – Laura mostrava-se confiante.

- Esperou que tenha razão...

Mas Lúcia estava certa. Milena não se sentia em sua melhor forma. O recente resfriado deixou-a um pouco debilitada. Na quarta prova, a de nado livre, reconheceu entre as rivais uma jovem com a qual havia competido no ano anterior, no Rio de Janeiro. Chamava-se Bárbara e estava colocada entre as melhores nadadoras do país. Da última vez que competiram, Milena a venceu por décimos de segundos. Dessa vez, certamente, pretendia ir à forra. Era uma adversária de fibra.

Assim que ouviu o disparo, Milena jogou-se na água, procurando dar tudo de si. No entanto, por mais que se esforçasse, não conseguiu obter a vantagem desejada em relação à Bárbara. O corpo, já cansado das outras provas, não obedecia ao seu comando. Tocou a raia em segundo após a chegada da rival. Ao receber a medalha de prata, que lhe cabia como segunda colocada, engoliu em seco e uma lágrima de tristeza desceu pela face. Estava abatida com a inesperada derrota.

Na verdade, ela não estava preocupada pelo fato de ter sido vencida por Bárbara. Já a havia vencido uma vez e sabia que podia fazê-lo, novamente, desde que estivessem em igualdade de condições. Mas temia a reação de Otávio e, em especial, a de sua mãe. Estava também desconsolada porque pensava ter decepcionado Laura.

Terminada a competição, dirigiu-se ao vestiário. Deixou que a água fria do chuveiro caísse sobre seu corpo, durante alguns minutos, tentando controlar suas emoções. Precisava estar preparada para enfrentar as críticas. Mas ninguém disse uma só palavra, quando saiu do vestiário. Isso só fez piorar a situação. Milena sentia-se ainda mais arrasada. A futura campeã brasileira de natação deixara-se vencer numa simples competição regional.

Na volta, Laura foi a única que a consolou.

- Não entendo por que está tão triste. Afinal, venceu as três provas e ficou em segundo lugar na quarta. O resultado, na minha opinião, foi excelente.

- Não, não foi. A última prova era a mais importante. Já venci Bárbara numa outra ocasião. Não sei dizer o que me aconteceu.

- Pode ter se deixado atemorizar, sabia que Bárbara é uma concorrente forte. O medo é o nosso pior inimigo, principalmente numa competição esportiva.

- Não estava com medo dela, nossas chances de vencer eram iguais. – explicou a moça, contrariada.

- Então, aconteceu e não há maiores explicações. Quando se compete, só há uma alternativa: ganhar ou perder. Desse vez, teve a infelicidade de perder. Afinal, o mundo não vai se acabar por causa disso. Garanto que na próxima terá mais sorte. – Laura tentava animá-la.

- Não se trata de sorte. – insistiu a jovem. – Bárbara estava, fisicamente, melhor do que eu. Depois daquele maldito resfriado, ainda não consegui entrar em forma. Nos treinos, senti que estava me cansando com muita facilidade.

- Quem sabe não está aí a chave do problema. Talvez precise de um reforço vitamínico, por que não conversa com o médico do clube?

- Não há necessidade, minha alimentação é rica em vitaminas. Mas, nos últimos dias, tenho estado sem apetite, também por causa do resfriado.

Apesar dos esforços da moça, Milena permanecia inconsolável. A cada instante, olhava para o rosto da mãe e via seus músculos tensos. Desde o início da viagem, ela não pronunciava uma só palavra. O mutismo de Lúcia a deixava ainda mais deprimida.

Horas mais tarde, deixaram Laura em Vila Madalena e rumaram para casa. No caminho, nenhuma das duas ousou quebrar o silêncio. Em casa, a tempestade desabou.

- Não suba agora, Milena. Precisamos conversar. – Lúcia ordenou à filha, que se encaminhava para a escada.

- Estou tão cansada, mamãe, não poderíamos conversar mais tarde? – queria tempo para que os ânimos esfriassem e pudesse enfrentar a difícil situação com mais calma.

- Não, tem que ser agora. – afirmou a mãe, irredutível.

- Está bem. – concordou a jovem, aproximando-se e sentando-se no sofá, frente a frente com a mãe.

Nesse instante, entrou Daniel. Ao perceber as fisionomias da mulher e da filha, pressentiu que algo havia saído errado.

- Foi bom ter chegado. Precisamos ter uma conversa muito séria com nossa filha. Acho que ela não mais se interessa pela natação. Acaba de perder uma simples competição regional. – enfatizou Lúcia.

- Bem, isso às vezes acontece... – ponderou o pai, conciliador.

- Por favor, Daniel, não tente defendê-la. Milena saiu-se mal porque está relaxando nos treinos. – acusou a mãe, sem contemplação.

- Não é verdade, mamãe. Tenho treinado todos os dias, cheguei até a melhorar meu tempo. Hoje, depois das três primeiras provas, senti-me tão cansada que pensei nem chegar ao final da última. Ainda assim, consegui tocar a raia em segundo lugar. Esforcei-me para vencer, mas não deu...

- E qual o motivo de tanto cansaço?

- Não sei, talvez o resfriado tenha contribuído para isso. Ouviu, quando comentei com Laura que não tenho me alimentado muito bem?

- Aí está o problema: Laura. – afirmou Lúcia.

- Laura? Por quê? Não entendi, o que quer dizer com isso? – indagou surpresa.

- Você não pára de correr atrás dessa moça. Alimenta-se mal, treina pouco e acabou pegando um resfriado por causa dela. – garantiu a mãe, demonstrando a grande contrariedade que, o interessa da filha pela jovem, lhe causava.

- Como pode pensar assim mamãe? Não estou correndo atrás de ninguém. Laura é uma excelente amiga e não me atrapalha em nada. – assegurou a jovem, revoltada com a acusação injusta da mãe.

- Não quer enxergar a verdade Milena. A amizade com esta moça só vai atrapalhar sua vida. Além disso, é uma aleijada. Não acha que merece coisa melhor?

- Laura não é uma aleijada. – retrucou a jovem, estranhando a forma com que a mãe havia dito aquelas palavras. – Seu problema é muito mais emocional do que físico, tenho certeza de que, dentro em breve, estará caminhando normalmente. – concluiu Milena.

- E desde quando você é psicóloga? Não acha que deve se preocupar mais com os seus problemas e deixar os dos outros, para que eles mesmos os resolvam? Está perdendo seu precioso tempo com esta moça, vai acabar se prejudicando.

- Não estou conseguindo entender o que Laura tem a ver com o meu insucesso n o Campeonato Regional. Isso já aconteceu outras vezes e consegui me recuperar.

- Duvido que o consiga agora. Faltam poucos meses para o Campeonato Brasileiro. Se não se dedicar integralmente aos treinos, não creio que possa vencê-lo.

- Já disse que vou dar tudo de mim para ganhar o campeonato. Mas compreenda, mamãe, que preciso ter uma vida normal, como qualquer garota da minha idade. Não tenho muitos amigos, aqui em São Paulo. Laura e sua irmã são as únicas. Não quero me afastar deles.

- Se pensa assim, Milena, pode desistir da natação. Em qualquer esporte, para ser uma verdadeira campeã é preciso dedicação total. – insistiu a mãe.

Daniel, que até aquele momento, permanecia calado resolveu intervir em defesa da filha.

- Não sei o porquê de tanta discussão, não é a primeira vez que Milena perde uma prova. A derrota também faz parte da vida de um atleta. Vai se recuperar logo. – garantiu, tentando acalmar a esposa.

- Isso só vai acontecer se deixar de lado as amizades, que nada lhe trazem de proveitoso. – garantiu Lúcia, obstinada em seu ponto de vista.

- Discordo de você, Lúcia. Ninguém pode viver isolado. Nossa filha precisa e deve ter amigos. O equilíbrio emocional também é muito importante para um atleta.

- Ora Daniel, já vi que não posso mesmo contar com você. Está sempre do lado de Milena. Este campeonato nunca foi muito importante para você.

- Não está sendo justa. Quero que ela se torne campeã, mas quero, também, que tenha uma vida normal como as demais jovens de sua idade.

Não suportando mais a tensão, Milena explodiu em lágrimas. Daniel aproximou-se dela e tentou consolá-la. Lúcia deu um muxoxo de desaprovação e saiu da sala.

No restante do dia, não se falou mais no assunto. Porém, na hora do jantar, percebia-se, nitidamente, o quanto estava tenso o ambiente daquela casa. Ninguém pronunciou uma só palavra à mesa.

Capítulo 8: TOMANDO DECISÕES


(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 9 de Maio de 2008)




CAPÍTULO 11

Naquela noite,, Milena acabou indo deitar-se mais cedo, mas não conseguiu dormir. Por voltar das nove horas, ouviu o telefone tocar. Devia ser Laura, mas não esperava que viessem chamá-la. Abraçou-se ao travesseiro e deixou escapar um soluço abafado. Pouco depois, Daniel bateu na porta do quarto da filha.

- Milena, está acordada?

- Estou sim papai. Pode entrar a porta não está fechada. – disse a jovem, tentando-se recompor. Não queria que o pai percebesse que havia chorado.

- Telefone para você, é a Laura. Vai atendê-la? – perguntou Daniel, entrando no quarto.

- Posso? – indagou, entre apreensiva e incrédula.

- E por que não? Vá logo menina, a moça está esperando. – falou, com um sorriso de cumplicidade.

- Posso atender na extensão do seu escritório? Prometo que não me demoro.

- Hum... Está certo, pode ir. Não tenho cabeça para trabalhar mais hoje. Fique lá o tempo que quiser. Vou descer para colocar o fone no gancho.

Milena levantou-se da cama e correu para o escritório do pai para atender à ligação de Laura.

- Alô tudo bem, Laura?

- Comigo, tudo certo. Mas, pela sua voz desanimada, parece que não está acontecendo o mesmo com você. Ainda pensando no campeonato desta manhã?

- E o que quer eu faça? Infelizmente, não vão me deixar esquecer tão cedo. – suspirou, resignada.

- O que aconteceu Milena? – perguntou a moça, preocupada com tanto desânimo.

- Mamãe culpou-me por perder a prova e acusou-me de estar relaxando nos treinos. – confessou Milena, fazendo um esforço enorme para conter as lágrimas. Mas não mencionou que Lúcia também a acusara de a estar prejudicando.

- E você, como reagiu?

- Tentei me defender, mas ela não parece acreditar que me esforcei ao máximo para vencer.

- Se tem a consciência tranqüila, não vejo por que se preocupar. Você é uma garota muito responsável, e não tenho dúvidas de que conseguirá se sair muito bem nas próximas provas. – encorajou a moça.

- Não tenho tanta certeza assim... Mamãe acha que preciso me dedicar, ainda mais, aos treinos. Preciso reunir todas as minhas forças para conseguir vencer o campeonato. É muito importante para todos nós, especialmente para mamãe.

- desculpe, mas acho que sua mãe está exagerando um pouco. Não tem o direito de exigir algo que pode estar além das suas possibilidades. É uma jovem de apenas dezessete anos, mas sabe muito bem o que quer. Não precisa se sacrificar tanto. – ponderou Laura.

- Sei que tem razão. Mas não é só por mamãe, também quero ganhar o campeonato.

- Se é assim, vá em frente. Porém, não deixe de viver... Mais tarde, pode-se arrepender por ter perdido uma fase tão bonita de sua existência.

Logo depois em seu quarto, Milena pensou no que a moça lhe dissera. Era preciso conciliar suas atividades. Não pretendia abandonar a natação, nem tão pouco deixar de aproveitar os bons momentos da vida. De uma coisa estava certa: não se afastaria de Laura. Precisava muito do seu apoio.

No dia seguinte, Lúcia decidiu acompanhá-la até o clube. Enquanto caminhava na direção do vestiário, viu Otávio se dirigir à mãe. Provavelmente, estavam falando sobre o fracasso do dia anterior. Não esperava que Otávio fosse mais benevolente que a mãe. Trocou de roupa e foi ao encontro do treinador.

- Bem Milena. Não vou comentar o que aconteceu ontem. No entanto, quero lhe fazer um pedido. – falou com uma calma estudada.

- Pedido? – perguntou a jovem, demonstrando grande surpresa com a atitude pacífica de Otávio.

- Isso mesmo. Eu e sua mãe estivemos conversando sobre você...

- E daí? – sabia que por trás da maneira gentil de falar, havia uma intenção velada.

- Precisa se sacrificar um pouco para conseguir o que deseja, Milena. Deve ter em mente que esta é a melhor oportunidade de sua vida de atleta. Além de treinar com afinco, deve se afastar de qualquer tipo de problema. – argumentou o técnico, ainda sem coragem de dizer o que pretendia.

- A que tipo de problema está se referindo? – indagou, impaciente.

- Está desviando a sua atenção para outras coisas...

- Vamos, Otávio, seja mais claro! Não consigo perceber onde quer chegar... Está fazendo tantos rodeios! – ela estava começando a ficar nervosa.

- Tem razão. – concordou. – Vou direto ao assunto. Deve afastar a Laura de sua vida. Tanto eu, quanto Lúcia, chegamos à conclusão de que a sua amizade por esta moça está atrapalhando a sua carreira. Precisa esquecer que ela existe, enquanto é tempo. – afirmou categórico.

- Essa não! Será que vocês não percebem que sou uma jovem normal, que precisa de amigos? – estava revoltada com o pedido do técnico.

- Será por pouco tempo. – ponderou Otávio. – Faltam poucos meses para o Campeonato Brasileiro. Depois, tudo voltará ao normal. Poderá freqüentar bailes, festinhas e ter quantos amigos quiser.

- Não Otávio, nada voltará ao normal. Depois desta competição virão outras mais outras... E vocês vão exigir que, novamente, eu renuncie a tudo. Assim, não dá para continuar. Já não sou nenhuma criança e se insistirem em me afastar de Laura, vou abandonar a natação. – ameaçou a jovem, irritada com a exigência que lhe estava sendo imposta por Lúcia e Otávio.

Percebendo que ela estava decidida a desistir do treinamento, o técnico mudou de tática e tentou acalmá-la.

- Está nervosa Milena. Não acredito, sinceramente, que queira abandonar a natação. – falou Otávio, preocupado com a sua reação.

- E não quero mesmo, mas é o que vai acontecer se vocês não mudarem de atitude e persistirem na idéia de me afastar de meus amigos. – assegurou a moça, convencida de que precisava deixar clara a sua posição.

- Muito bem, não se fala mais neste assunto. Não quero perdê-la Milena. Seria uma lástima que desistisse, agora, quando se prepara para atingir o apogeu de sua carreira de nadadora. Esqueça tudo o que falei. Se acha que pode conciliar seus compromissos de atleta e a amizade desta moça, tanto melhor para você. Agora, chega de papo-furado e já pra água. – ordenou o técnico, dando-lhe um tapinha carinhos no ombro e sorrindo, amistosamente.

- Não vai se arrepender por ter me concedido um voto de confiança. Prometo-lhe que ainda vai se orgulhar muito de mim. – Milena garantiu.

Naquela tarde, nadou como nunca. Precisa provar à mãe, ao técnico e até a si mesma que tinha condições de se tornar uma campeã, sem precisar desistir da companhia dos amigos e, em especial, da amizade de Laura. Ao final do treino, Otávio não conseguiu esconder seu entusiasmo.

- Muito bem, essa é a Milena que conheço. Esteve excelente. – elogiou.

- De agora em diante, vai ser sempre assim. – garantiu, confiante.

Até Lúcia, tratou-a com mais atenção. Otávio havia-lhe contado da ameaça que fizera de abandonar a natação. Temerosa, a mãe resolveu mudar seu modo de agir.

Naquela noite, o jantar na casa dos Albuquerque foi um dos mais animados dos últimos tempos. Até Daniel estava exultante, conseguira, depois de muito trabalho, fechar um contrato para fazer a publicidade de Natal de uma das maiores cadeias de lojas de Departamentos da cidade de São Paulo. Depois de tantos problemas, a família parecia se reencontrar.



CAPÍTULO 12

Laura nunca ficou sabendo do problema que, involuntariamente, causara. A amizade entre as duas jovens continuava, a cada dia, mais sólida. Quase sempre ela a acompanhava nos treinos e tudo fazia para incentivá-la. Milena, por sua vez, tentou convencer a moça a ter aulas de natação com Otávio. Mas não obteve êxito. Todas as vezes que perguntava, ela alegava que ia pensar no assunto.

Novembro chegou e, com ele, o dia de ação de Graças. Pela primeira vez, a família Albuquerque não se reuniu na casa da avó de Milena, como acontecia todos os anos. Mas não deixaram de comemorar a data e, à noitinha, ligaram para o Rio. A avó de Milena, D. Marília, chorou ao telefone. Sentia muito a ausência de todos e, em especial, a da neta. A jovem também emocionou-e ao falar com a avó. Aquele telefonema reavivara a saudade do Rio. Lembrou-se das reuniões familiares na velha casa do Grajaú e chegou mesmo a sentir o cheiro apetitoso do bolo de milho que ela tanto gostava e que só D. Marília fazia tão bem. Recordou-se, ainda, das brincadeiras animadas que inventava com os primos nos amplos jardins da mansão. Suspirou, melancólica, ao pensar que passariam as festas de fim-de-ano longe do restante da família. Não tinha outro jeito senão aceitar a realidade.

Dias depois, aconteceu algo que mudaria a vida de Laura e estremeceria o bom relacionamento existente entre ela e Milena.

Não foi surpresa para a jovem, quando o alto falante anunciou o nome do vencedor do concurso de desenho. Dentre mais de cem concorrentes, Laura ficou classificada em primeiro lugar. Milena sempre acreditou que ela poderia ganhar, por isso enviara o desenho que havia tirado, tempos atrás, da pasta de Laura. Sua intenção tinha sido a melhor possível. No entanto, estava bastante apreensiva, não sabia como ela reagiria à notícia de ter ganho um concurso,no qual não se inscrevera.

Estava na lanchonete quando Laura entrou. Nem sequer ousou fitá-la, quando ela se aproximou da mesa.

- Como pôde fazer isso, Milena? Abusou da confiança que depositei em você, quando lhe mostrei meus desenhos. Sabia que não tinha o propósito de mostrá-los a ninguém. Então, tirou um deles e o inscreveu no concurso, sem a minha permissão. Sua atitude foi imperdoável. – afirmou Laura, tornando evidente o seu descontentamento.

- Calma Laura... O que fiz não foi tão grave assim. Sabia que tinha chances de vencer, por isso enviei o desenho. Não pode ficar tão aborrecida comigo, afinal, venceu o concurso. – ponderou a jovem, tentando acalmá-la.

- Não me venha com essa Milena. Que importa se venci ou não? Estou decepcionada com você. – a voz da moça ecoou, bastante alta, pela lanchonete.

- Desculpe-me, não pensei que ficasse tão aborrecida. Meu objetivo era faze com que você reconhecesse que tem talento para o desenho e pudesse aproveitá-lo melhor. – retrucou a jovem, magoada porque Laura não havia compreendido o verdadeiro motivo de sua atitude.

Milena sempre imaginou que Laura a perdoaria se vencesse o concurso. Mas a reação intempestiva da moça provou o contrário. Não pensou que a sua idéia de inscrevê-la, viesse trazes a discórdia entre as duas.

De repente, ouviu-se uma tremenda algazarra e Laura se viu cercada pelos colegas.

- Parabéns! Não sabia que desenhava tão bem, nunca deixou que a gente visse seus trabalhos... Escondendo o jogo, hein! – brincou um dos rapazes.

- É isso mesmo, amigona. Fiquei impressionado quando vi o seu desenho exposto no hall da escola. – comentou a outra colega, abraçando-a fraternalmente.

Os cumprimentos se sucediam. A princípio Laura ficou inibida e até meio irritada. Depois, sua fisionomia se descontraiu e acabou por agradecer aquela demonstração de amizade.

- Obrigada pessoal, estou tão surpresa quanto vocês. Não esperava ganhar nenhum concurso... – Laura fez o comentário, com o olhar fixo em Milena.

Magoada, com a censura contida na observação da moça, Milena levantou-se, discretamente, da mesa e retirou-se da lanchonete. De volta à sala de aula, lamentou ter se envolvido naquela história. Pensou que aquele prêmio poderia afastar a moça de sua vida, definitivamente.

Laura também estava em conflito. No fundo, ficou contente em vencer o concurso, mas não conseguia perdoar a intromissão de Milena. Na sua opinião a jovem traiu-lhe a confiança, quando pegou o desenho sem a sua autorização. No final da última aula, uma nova surpresa lhe estava reservada: foi chamada ao gabinete do diretor.

Na hora da saída, Milena percorreu todo o colégio a procura da moça. Queria encontrá-la para, novamente, pedir desculpas e tentar fazer as pazes com ela. Desolada, caminhou sozinha até o ponto do ônibus e foi para casa.

Estava tão preocupada, que mal conseguia engolir a comida. A mãe logo percebeu que alguma coisa havia acontecido. Precisava saber o que era.

- Não está gostando da comida? – perguntou Lúcia.

- Claro... Está ótima.

- Então, por que está comendo tão pouco? Mal tocou no prato... Quer mais um pedacinho de empadão de palmito?

- Não obrigada. Estou sem fome.

- Outra vez Milena. Parece que a sua falta de apetite está virando moda. Não me diga que se resfriou novamente?

- Não se preocupe, não estou resfriada. Apenas sem fome. – repetiu à jovem.

- Tudo bem na escola? – insistiu a mãe.

- Tudo bem. – respondeu laconicamente.

- Tem visto a Laura?

- Sim estivemos juntas na hora do lanche.

- E daí? – voltou a insistir, pressentindo que estava ali a chave do problema.

- Ah, mamãe, Laura não tem jeito. Fica aborrecida por qualquer tolice. – desabafou.

- Então vocês brigaram?

- Não, mas ela ficou zangada comigo.

- E por quê?

Milena contou à mãe tudo o que havia feito para que Laura participasse do concurso de desenho.

- Bem, de certo forma, a moça tem razão. Não devia ter se intrometido. Se ela não queria concorrer, não devia ter forçado a situação. Porém, não acredito que esteja assim tão zangada. Logo que esfriar a cabeça vai se orgulhar do prêmio e, então, a perdoará. – garantiu a mãe, embora, no íntimo, quisesse que Laura se afastasse da filha.

- Espero que sim... – Milena suspirou, desanimada.

Pouco depois do almoço, o telefone tocou. Ficou surpresa ao ouvir a voz de Laura.

- Olá garota, acho que estou lhe devendo um pedido de desculpas. Fui muito ríspida com você nesta manhã. – admitiu a moça.

- Não tem importância. Agi errado, não devia ter-me intrometido em sua vida.

- Só agora reconheço que foi bom tê-lo feito. Jamais teria coragem de concorrer.

- Fico satisfeita que tenha entendido a minha atitude. Sei que errei, mas queria tanto que você participasse... Pressenti que seria a vencedora.

- Obrigada por ter confiando em mim. Aliás, não é só você que confia...

- Como assim? – perguntou curiosa.

- Nem imagina o que aconteceu... Fui chamada ao gabinete do diretor. Depois de elogiar meu trabalho, convidou-me para pintar o mural da entrada do colégio para as festas de fim-de-ano. – Laura parecia orgulhosa com o pedido do diretor.

- Oh, Laura, que ótimo! Parabéns! – cumprimentou-a com entusiasmo.

- Devo-lhe isso também. – confessou a moça.

- Que nada! Você tem muito talento. Só precisava de um empurrãozinho.

- Mais uma vez obrigada. Não sei o que seria de mim sem você. – confessou.

Emocionada com a confissão espontânea da moça, Milena ficou sem saber o que responder.

- Alô, está me ouvindo Milena?

- Sim... – respondeu num fio de voz.

- Vai treinar hoje, não é mesmo?

- Claro!

- Vou acompanhá-la ao clube. Espero-a, dentro de uma hora, no ponto de ônibus.

- Está bem.

- Então até daqui a pouco. E, mais uma vez, obrigada por ter me ajudado.

- Até logo Laura. Mas não me agradeça. O mérito é todo seu.

Ao colocar o fone no gancho, Milena estava exultante. Cantarolando, alegremente, subiu as escadas correndo e, na pressa, esbarrou na mãe.

- Que é isso, menina? Parece que viu passarinho verde... Poderia me explicar o motivo da repentina mudança de humor? – indagou Lúcia.

- Nem vai acreditar, mamãe! Adivinhe quem acabou de me telefonar...

- Muito fácil, depois do que me contou no almoço, somente uma pessoa poderia provocar toda essa euforia: sua amiga Laura Veiga.

- Acertou! Ela acabou de me ligar par pedir desculpas e dizer que foi convidada, pelo diretor do colégio, para pintar o mural da entrada, para as festas natalinas. Precisava ver como estava feliz. Tinha razão ao dizer que, quando ela pensasse melhor, acabaria me desculpando. Puxa, mamãe, agora estou mais aliviada!

- Sabia que isso ia acontecer... – Lúcia suspirou, resignada, ao perceber que a amizade entre os dois jovens permanecia forte.

- Preciso me apressar. Laura está esperando para me levar ao clube. – subiu os últimos degraus, ainda cantarolando. Estava feliz porque a zanga da moça havia passado.

Laura acompanhou-a ao clube e, na volta, pararam na Romana para comemorar. Outra vez Laura mencionou a importância que a jovem tinha em sua vida, mas, em nenhum momento, deixou transparecer seus verdadeiros sentimentos com relação a ela.



CAPÍTULO 13

Na semana seguinte, Laura se dedicou de corpo e alma à pintura do mural da escola. Contava com a supervisão do professor de arte e era auxiliado por vários alunos. Escolheu como tema o Presépio de Natal.

Certa manhã, Milena passava pelo mural quando viu uma cena que a deixou muito infeliz. Laura conversava, animadamente, com uma das alunas encarregadas de ajudá-la. As duas estavam tão distraídas que nem sequer a notaram. Percebeu que algo mais forte que amizade a unia a moça. Enciumada não teve outro remédio senão fugir dali.

Sozinha na lanchonete, Milena remoia a sua mágoa. Laura não a procurava mais com tanta freqüência. Deixara de acompanhá-la aos treinos e raramente se encontravam para o lanche. Chegou mesmo a se arrepender de ter enviado aquele desenho para o concurso.

Quando o mural ficou pronto, não faltaram os elogios. Até a imprensa foi mobilizada e vários repórteres apareceram ao colégio para entrevistar Laura. Laura Veiga voltara a viver antigas glórias, embora em campo diferente. Era o alvo das atenções de todos. Vivia numa roda viva e não tinha tempo para nada, nem mesmo para Milena.

Pensativa, a jovem deteve-se, por um momento, diante do mural. Também se sentia um pouco orgulhosa, de certa forma, contribuíra para que o trabalho fosse realizado. Apesar de se sentir abandonada, não podia negar que Laura era uma grande artista e merecia todas as homenagens que estava recebendo. Já ia se afastando, quando uma voz lhe chamou a atenção.

- Olá Milena, apreciando a obra-prima da magnífica pintora?

Voltou-se e avistou Adriana Ribas, acompanhada de um grupo de colegas. Havia jurado vingar-se de Milena, por julgar que havia lhe tomado à namorada. E chegara, finalmente, o momento da desforra.

- Não vai participar da festa? Afinal também merece os cumprimentos. – continuou Adriana. – Todos já sabem que, se não fosse por você, nada disso estaria acontecendo. Parabéns por ter dado à Laura uma nova alegria de viver.

- Obrigada Adriana, mas o meu único mérito foi ter confiado na capacidade dela, nada mais. – assegurou Milena.

- Não seja tão modesta! É pena que Laura seja tão ingrata e não tenha reconhecido o que fez por ela. – retrucou Adriana, de forma evasiva.

- O que está querendo dizer com isto? – Milena não entendeu a insinuação maldosa.

- Não me diga que não sabe do boato que anda correndo pelo colégio? – perguntou de modo sarcástico, observando atenta a atenção de Milena.

- Não, não dou muito atenção a fofocas...

- Em alguns casos, devia. Como se sentiria se soubesse que toda a escola comenta o namoro de sua protegida com a charmosa Sabrina Lemos.

O chão pareceu fugir sob os seus pés. Pensava que Laura havia se afastado por causa do trabalho. A notícia de que ela estava namorando outra garota magoou-a profundamente. Precisava esconder seu orgulho ferido.

- Não é da minha conta se ela está ou não namorando a tal Sabrina Lemos. Eu e Laura sempre fomos boas amigas. Jamais tive nenhum interesse pessoal por esta moça. – alegou, enciumada. – Na realidade, é piedade tudo o que sinto por esta moça. – concluiu.

Sem esperar a réplica da outra jovem, Milena voltou-se na direção da porta. Para seu espanto, lá estava Laura. Seu olhar magoado indicava que ouvira toda a conversa. Só então percebeu o quanto a amava.

Sem se importar com a chuva forte que caía, a moça procurou se afastar o mais rápido que conseguia. Milena correu atrás dela e a alcançou.

- Espere, Laura, preciso lhe explicar... – falou um pouco ofegante.

- Não precisa me explicar nada. Ouvi tudo muito bem e não suporto causar piedade, devia saber disso. Pensei que me conhecesse um pouco melhor. – comentou, magoada com a atitude da jovem.

- Só disse aquilo porque Adriana tentou me humilhar.

- Está arranjando desculpas. Escutei muito bem quando disse que era pena tudo o que sentia por mim. No caso, eu é que devia me sentir humilhada. Já deu uma de boa samaritana, provavelmente ganhará o reino dos céus, agora, afaste-se de mim. – afirmou com sarcasmo.

- Nada do que ouviu é verdade. – garantiu a jovem, desesperada.

- E qual é a verdade?

- Fiquei muito magoada quando Adriana me contou que corria um boato que você estava namorando uma tal Sabrina Lemos e, em conseqüência, disse aquele monte de tolices. Para ser sincera, senti ciúmes de você. Não adivinha o porquê?

- Não me diga que... Não, isso não é possível, seria bom demais!

- Não sei o que está pensando Laura. Tudo o que sei é que amo você... – e, num impulso incontido, enlaçou o pescoço da moça.

Emocionada, Laura esqueceu a zanga e correspondeu ao seu abraço.

- Oh, Milena, também a amo... Há muito tempo queria lhe dizer isto, mas não tinha coragem.

- Por quê? – indagou a jovem, acariciando-lhe o rosto com ternura.

- Pensei que me considerasse apenas uma amiga, nunca demonstrou nenhum sentimento mais forte.

- Você também não... – queixou-se Milena.

- Mas eu tinha um bom motivo para não fazê-lo. – garantiu Laura.

- E que motivo era esse? – perguntou, já sabendo o que ela ia dizer.

- Temia que recusasse o meu amor. – confessou a moça.

- E por que o faria?

- Por causa do meu defeito físico. Nenhuma garota bonita e saudável, como você gosta de ficar desfilando por ai com alguém que usa muletas. – Laura não conseguia esconder sua grande amargura.

- Ora Laura, que tolice! Devia saber que para mim isso não tem a menor importância.

- Você é mesmo uma garota muito especial... – declarou, olhando-a com ternura.

Laura acariciou-lhe os cabelos molhados e reteve seu rosto entre as mãos. Estavam tão próximos, que ela podia sentir as batidas aceleradas de seu coração. Seus lábios se tocaram e as duas jovens flutuaram nas nuvens mágicas da mais sublime emoção. Trocaram um beijo delicioso e, no começo tímido, mas aos poucos o beijo se tornou mais ousado, mais exigente. Elas se separam, ofegantes e se encararam, Milena aninhou a cabeça junto ao ombro da namorada e permaneceram abraçadas por algum tempo.

- Queria lhe confessar uma coisa... – disse Milena, meio acanhada.

- Pois fale, meu bem.

- É que... Este... Foi o meu primeiro beijo. – revelou a jovem, enrubescendo...

- Mas isto é maravilhoso! – exclamou Laura entre surpresa e envaidecida. – No entanto, para quem está começando, faz isto muito bem. – gracejou.

- Ora, Laura, vai me deixar encabulada... – Milena fingiu-se zangada.

- Desculpe, querida, estava só brincando. Fiquei tão feliz por ter sido a primeira a beijá-la! Mas não entendo, linda como é, como conseguiu manter os rapazes e as mulheres afastadas?

- Não sei, acho que nunca tive muito tempo para namoros e, também, nunca me interessei por nenhum homem. Quanto a mulheres, houve uma, lá no Rio, de quem eu gostei muito, mas nunca rolou nada entre a gente. E o que eu sentia por ela não chega nem aos pés do que sinto por você. – explicou.

- Sou mesmo uma mulher de sorte... – Laura abraçou-a, mais uma vez, comovida e feliz. Voltou a beijá-la com muito carinho e amor.

A buzina de um Palio tocava insistentemente. Era o pai de Milena que viera buscá-las. Só então perceberam que estavam molhadas até os ossos.

- Nossa! O que aconteceu com vocês, estão ensopadas. Não podiam ter me esperado dentro do colégio? Que faziam aqui fora, debaixo desse tremendo aguaceiro? – quis saber Daniel, espantado com o aspecto deplorável das duas.

- Bem papai... Estávamos conversando, eu e a Laura... Bem, você compreende... – gaguejou a moça.

- Francamente, filha, não dá para entender... Não está falando coisa com coisa. Poderia ser um pouco mais clara?

- Espere Milena, cabe a mim explicar. É melhor contarmos a verdade a seu pai.

- Verdade? Aconteceu alguma coisa? Vocês estão tão solenes... – afirmou Daniel, preocupado.

- Sim, Sr. Daniel, aconteceu uma coisa maravilhosa. Eu e sua filha descobrimos que estamos apaixonadas. – revelou a moça, sem maiores rodeios.

Milena não esperava que Laura tivesse aquela atitude franca diante do seu pai, mas admirou-a pela coragem.

Daniel não se mostrou surpreso, no fundo já esperava que isso acontecesse a qualquer momento. Simpatizava com a moça e não via impedimento para o romance, mesmo sabendo a barra que enfrentariam com o preconceito dos outros.

- Isso explica o brilho no olhar de vocês, mas não as roupas molhadas. – brincou Daniel. – Sua mãe não a perdoará se arranjar outro resfriado.

Milena sorriu e, aproximando-se do pai, beijou-lhe a face. Sentiu que tinha a aprovação de Daniel para o seu namoro com Laura. Ficaria mais fácil convencer a mãe.

Capítulo 10: SURPRESAS


(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 23 de Maio de 2008)




CAPÍTULO 14

Até então, Milena encarava o fato de ter que passar o Natal em São Paulo como algo deprimente e sem graça. Nem mesmo uma árvore de natal natural sua mãe havia conseguido para enfeitar a sala. Acompanhou Lúcia às compras sem nenhum interesse pela escolha dos presentes. Lembrou-se, com saudade do Natal do ano anterior, passado na casa da avó. A enorme árvore, iluminada com pisca-pisca colorido e rodeada de presentes, o burburinho dos primos, a mesa comprida, coberta com a toalha branca de crochê e repleta de iguarias, e alegria sincera de toda a família estavam nítidas na memória de Milena.

Mas tudo mudou desde que Laura lhe revelou seus sentimentos. Ela passou a ver o mundo com outros olhos. Não resta dúvida de que o amor faz milagres. Ao sair com Laura para terminar as compras de Natal, sentia-se feliz e radiante. Até mesmo as ruas, as vitrinas e a decoração natalina lhe pareciam, agora, mais alegres.

Certo dia, Laura apareceu na casa da jovem, trazendo um presente muito especial. Sabia que ela não gostava da árvore de plástico que a mãe armara. Depois de uma busca incansável, conseguiu encontrar uma natural.

- Oh, Laura, é linda! Como a conseguiu? – estava encantada com a gentileza da moça.

- Nem imagina... Rodei a cidade inteira. Nas floriculturas do centro eram muito pequenas e murchas. Já estava quase desistindo, quando encontrei a que queria.

- Teve todo esse trabalho só para me agradar?

- Valeu a pena ver o seu sorriso quando entrei aqui. Além disso, estou esperando uma recompensa... – gracejou Laura, olhando-a com ternura.

- Recompensa? Que tipo de recompensa? – perguntou, surpresa.

- Não adivinha? – indagou, em tom zombeteiro.

- Acho que sim... – afirmou Milena, aproximando-se e beijando-a de leve nos lábios.

- Só isso?! – perguntou Laura, fazendo uma cara de tristeza.

Milena olhou-a e se aproximou novamente, envolveu o pescoço de Laura com os braços, foi se aproximando devagar do rosto de Laura e beijou-lhe com extremo amor e carinho.

- Agora sim, estou plenamente recompensada.

- Tolinha... Espere um pouco, vou chamar a mamãe. Vai ficar contente em saber que teremos uma árvore natural.

- Ótimo! Preciso fazer média com D. Lúcia.

- Que nada, mamãe aceitou muito bem o nosso namoro. Confesso que, a princípio, fiquei meio preocupada. No entanto, você acabou por conquistá-la também.

E era verdade. No início, Lúcia não se conformou com o romance. Mas logo percebeu que sua oposição de nada adiantaria e, com o tempo, reconheceu que a moça tinha muitas qualidades.

Lúcia também ficou surpresa ao ver a enorme árvore de Natal.

- Ei Laura, acho que escolheu a maior de todas. Vai ficar linda na sala de estar. Por falar nisso, por que não completa o trabalho?

- Como assim D. Lúcia?

- Ajudando à Milena a enfeitá-la. Havíamos armado uma árvore de plásticos. Vocês dois poderiam passar os enfeites de uma árvore para a outra. – Lúcia sugeriu.

- Boa idéia mamãe, você não está com pressa não é mesmo Laura? – Milena estava ansiosa para começar o agradável trabalho.

- Nem um pouco. – garantiu a moça. – Vamos começar nesse instante.

- Muito bem. Então, vou até a cozinha pedir à empregada que prepare um lanche bem gostoso para vocês. Que tal pãozinho de queijo e chocolate quente? Ou prefere outra coisa Laura? – Lúcia procura ser gentil.

- Hum... Para mim, está ótimo! Só de pensar, minha boca se enche d’água...

Lúcia sorriu da observação de Laura.

- Venha Laura. Coloque a árvore aqui nesse canto. À medida que retiramos os enfeites de uma, colocamos imediatamente na outra. – sugeriu Milena, enquanto se dirigia com Laura para a sala de estar.

- Farei tudo, conforme a mestra mandar... Estou inteiramente escravizada aos seus encantos. – comentou a moça, bem-humorada.

Depois de tomar as providências quanto ao lanche, Lúcia voltou à sala. Sem que as jovens percebessem, ficou observando, enternecida, o carinho existente entre elas.

No dia seguinte, Milena saiu par comprar o presente da namorada. Percorreu, durante horas, o Shopping Center e não conseguia se decidir. Finalmente encontrou algo que lhe agradou: uma bonita pulseira de prata. Entrou na loja e uma simpática vendedora veio atendê-la.

- Por favor, poderia me mostrar a pulseira de prata que está no canto direito da vitrine?

- Pois não, aqui está... Bonita, não? Acabei de vender outra, igual a esta, há menos de meia hora. – disse a vendedora solícita.

- Vou ficar com essa. Poderia mandar gravar estes nomes? – pediu a jovem, entregando-lhe um papel no qual estava escrito o seu nome e o de Laura.

- Que coincidência engraçada! A pulseira que vendi há pouco também levou uma gravação. Se não me engano, os nomes eram os mesmos.

- Há muitas Lauras e Milenas espalhadas pela cidade. – comentou, sorrindo.

Ficou combinado que Laura almoçaria em sua casa, na véspera do Natal. Por volta do meio-dia, ouviu o barulho insistente de uma buzina. Curiosa, Milena chegou a janela e avistou o fusca do pai de Laura. Mas não conseguia acreditar no que estava vendo: a moça estava sozinha ao volante. Emocionada, Milena correu ao seu encontro.

- Oh, Laura, você conseguiu! – exclamou, com lágrimas nos olhos.

- Que é isso, meu bem, não precisa chorar... Pensei que fosse ficar contente.

- Mas é claro que estou contente. Por que não me contou?

- Queria lhe fazer uma surpresa...

- Foi o melhor presente de Natal que poderia receber. Se já consegue dirigir, logo estará caminhando sem muletas. – garantiu Milena, animada.

- Espere um pouco. – disse a moça, saindo do carro e caminhando com algum esforço, mas sem a ajuda das muletas.

Milena ficou boquiaberta. Depois do espanto, deixou-se vencer pela emoção e chorou, copiosamente, abraçada a moça. Laura conduziu-a à varanda e tentou acalmá-la.

- Se soubesse que ia ficar tão nervosa, teria lhe prevenido. Há alguns meses comecei a fazer um tratamento intensivo e, segundo o terapeuta, tinha grandes chances de recuperação. Fiz isto por você, mas não queria dizer nada até que pudesse caminhar normalmente...

- Oh, Laura... Nem imagina como estou feliz. Sabia que ficaria boa...

- Conseguiu mais este milagre. Depois que venci o concurso, que me obrigou a participar. – comentou, sem o intuito de censurá-la. – Percebi que estava perdendo tempo ao remoer o passado, quando havia tanto para viver. Ter meu desenho premiado foi o início de tudo, e saber que você me amava aumentou a motivação. – revelou Laura.

Milena aconchegou-se a Laura e, por longo tempo, permaneceram abraçados. Naquele momento, as palavras eram inteiramente desnecessárias.

A notícia de que a moça adquirira o movimento da perna acidentada deixou os pais de Milena, sinceramente, aliviados. Apesar das qualidades morais que reconheciam nela, no íntimo, lamentavam que a filha, tão saudável e bonita, tivesse se interessado por uma deficiente física. Felizmente, agora, o problema estava superado.

Durante o almoço de Natal, Lúcia e Daniel se desdobraram em atenções com as duas jovens, e comemoraram com entusiasmo o restabelecimento de Laura. Daniel aproveitou para consultar a família sobre o Réveillon.

- Já pensou no que vamos fazer na passagem de ano? – Perguntou Daniel, dirigindo-se a Lúcia.

- Não, não consegui pensar em nada. Sem parentes aqui e com poucos amigos, não tenho animação. Mas por que perguntou? – Lúcia estava curiosa.

- Bem, o pessoal da agência está pensando em se reunir...

- Poderíamos participar. Já escolheram o clube? Numa boate talvez fosse melhor...

- Aí é que está o problema. Eles estão pretendendo fazer algo mais original. Pensaram em organizar um baile de máscaras. – explicou.

- Puxa, é uma boa! – Milena mostrou-se logo entusiasmada com a idéia.

- Concordo. – afirmou Lúcia. – Mas para fazer uma festa desse tipo é preciso fazer a reserva do local com grande antecedência. Estamos a uma semana do ano novo, não acredito que se consiga mais nada. – concluiu.

- É verdade, por isso pensei em consultá-la sobre a possibilidade de realizarmos o baile aqui. A agência tem poucos funcionários e nossa casa é bem grande. Seria uma boa oportunidade para melhorar o entrosamento do pessoal.

- O tempo é pouco... Não sei se poderia organizar tudo sozinha. – argumentou Lúcia, em dúvida.

- Quanto a isso não se preocupe, eles têm tudo esquematizado. D. Sandra, nossa arte-finalista, poderia ajudar.

- Você já se comprometeu com eles em ceder nossa casa?

- Claro que não! Sem consultá-la não faria tal coisa. Então, posso dar a boa notícia ao pessoal?

- Está certo, você me convenceu. Mas trate de colocar-me logo em contato com D. Sandra. Lembre-se que temos poucos dias para organizar este baile. – advertiu Lúcia.

- Oba! Quer dizer que vamos ter uma festa de verdade aqui em casa... Como as que fazíamos no Rio? Nem acredito... Você vem, não é mesmo Laura? – ela nunca havia participado de um baile de máscaras e estava exultante.

- Não sei... Preciso consultar meus pais, não sei o que eles estão planejando para a passagem de ano.

- Ah, Laura, sem você o baile não vai ter graça... Por favor, gostaria tanto que viesse... – pediu a jovem com um jeitinho encantador.

Daniel resolveu ajudar à filha.

- Solucione o problema, Laura, convidando-os para o baile. Teremos grande prazer em contar com a presença deles.

- Isso mesmo. – confirmou a jovem. – garanto que Paula vai adorar.

- está bem, prometo que vou tentar trazê-los. – garantiu a moça.

Terminado o almoço, as duas jovens foram dar um passeio pelo jardim. Era chegado o momento da troca de presentes. Laura retirou do bolso do casaco uma caixa exatamente igual a que Milena estava lhe entregando.

- Que coincidência, compramos os presentes na mesma loja. – observou a jovem.

Ficou ainda mais surpresa quando abriu a caixa e viu uma pulseira idêntica a que comprara para a namorada. Até a gravação era a mesma. Lembrou-se do que lhe havia dito a vendedora. Contou a Laura o que aconteceu na loja e ambas riram bastante da curiosa coincidência. Até para isso, seus gostos combinavam.



CAPÍTULO 15

As férias escolares já haviam começado e Milena aproveitou para intensificar os treinos. Na manhã do dia vinte e seis de dezembro, Otávio chamou-a ao seu escritório.

- Precisamos ter uma conversa muito séria. – Otávio estava solene.

- Não gosto quando você fala assim, já sei que alguma bronca vem a caminho.

- Não se trata de nenhuma bronca, quero apenas lhe dar um conselho. – o treinador assegurou.

- Se é assim, sou toda ouvidos. – brincou Milena, sem perceber ainda a importância daquela conversa.

- Tem certeza de que é importante, para você, participar do Campeonato Brasileiro?

- Mas é claro, Otávio! Ainda tem dúvidas a esse respeito?

- Não, não tenho e é por isso que preciso lhe alertar para algo muito importante.

- Pois bem, Otávio, seja mais claro.

- Está certo. Se quer mesmo ganhar o campeonato, precisa voltar para o Rio, logo depois das festas de fim-de-ano. – afirmou o treinador, com convicção.

- Essa não! O que há de errado em continuar treinando em São Paulo, até o dia da competição?

- Em tese, nada. Mas a certeza adquirida pela prática de todos esses anos, em que treinei futuros campeões, me faz acreditar que o desempenho do atleta é bem melhor se estiver adaptado ao clima do local. – explicou.

- Não quero sair de São Paulo agora. Aliás, nem sei se gostaria de voltar a residir no Rio.

- Mas foi isto que ficou combinado. – insistiu Otávio. – Passaria um ano aqui, para se aperfeiçoar, e depois retornaria.

- Logo agora que me acostumei à cidade. – lamentou a moça.

- Não haveria outro motivo para querer ficar?

- É verdade. – admitiu Milena. – Não suportaria viver longe de Laura.

- E vai deixar que isso prejudique a sua carreira? – indagou, surpreso.

- Isso não vai acontecer. – garantiu. – Não vou deixar São Paulo, e não se fala mais no assunto.

- E se seus pais quiserem voltar?

- Não acredito que isso venha a acontecer. Papai parece mais satisfeito. Conseguiu se adaptar ao clima da cidade e já não reclama mais do trabalho na agência. Lá em casa, ninguém fala mais em voltar para o Rio de Janeiro.

- Está bem, Milena. Mas depois não venha dizer que não a preveni. Preferia que estivesse no local da competição algumas semanas antes do início das provas.

- Não vai ser possível. – teimou a jovem.

- Pelo menos converse com seus pais sobre o que acabei de lhe explicar. – tornou a insistir. – Espero vê-la novamente à tarde.

Terminada a conversa, Milena voltou para casa arrasada. Retornar ao Rio significava o término de seu namoro com Laura. Por nada desse mundo, queria perdê-la. Se tivesse que escolher entre ela e a natação, não tinha dúvidas, optaria por ela.

Não conversou com os pais, como Otávio havia pedido, porém, trocou idéias com a namorada, quando esta apareceu para acompanhá-la ao clube, naquela tarde.

- Otávio é um técnico experiente. Deve ter razão quando diz que precisa voltar. – admitiu Laura.

- Então quer se ver livre de mim? – perguntou a jovem espantada. Esperava contar com o apoio da namorada.

- Sua boba... Não se trata disso. Quero o melhor para você. Não seria justo que tivesse lutado o ano inteiro por este título e o perdesse só porque não quer se afastar daqui por algumas semanas.

- Quero ser campeã, mas não posso me separar de você... – declarou à jovem, ameaçando chorar.

- Seria por pouco tempo. Nada mudaria entre nós. – assegurou a moça.

- E se meus pais resolvessem retornar, definitivamente? – retrucou ansiosa.

- Está fazendo suposições, Milena. Precisa tornar uma decisão baseada na situação real. O que precisa, no momento, é seguir o conselho de Otávio.

- Você não respondeu a minha pergunta. Que aconteceria se eu voltasse a morar no Rio?

- Ainda assim, garanto que meus sentimentos por você não sofreriam qualquer abalo. – garantiu Laura, tentando acalmá-la.

- Quer dizer que continuaríamos namorando? Como?

- Poderíamos falar por telefone... – gracejou.

- Ora Laura, deixe de brincadeiras. Depois de algumas semanas sem me ver, esqueceria logo de mim...

- É isso o que vai acontecer com você, se ficarmos separadas?

- Claro que não! Jamais vou conseguir afastá-la do meu pensamento.

- Então, por que o medo? Talvez possa até dar um jeito de visitá-la uma ou duas vezes por mês.

- Oh Laura, viria ao Rio apenas para me ver...

- É claro, meu bem! E quem sabe, até lá, não arranje uma solução melhor... – comentou Laura, reticente.

- Como assim?

- Prefiro não falar sobre isso, querida. – afirmou a moça, sem maiores explicações.

- De qualquer forma, Laura, já me decidi. Ficarei em São Paulo até a véspera do campeonato.

Ao chegarem ao clube, Milena sugeriu a Laura que viesse nadar com ela.

- Acho que não devo. Ainda não estou em condições de nadar. – a moça estava relutante.

- Se pode caminhar e dirigir um carro, por que não poderia nadar?

- É diferente...

- Não, não é. Venha cá sua medrosa. – desafiou a jovem, usando o melhor de seus sorrisos.

Receosa, a moça sentou-se à borda da piscina e deixou que o corpo caísse. No início as braçadas eram desajeitadas, mas logo ganhou confiança e conseguiu alcançá-la, no outro lado da piscina.

- Viu como foi fácil?

- Mais uma vez obteve o que queria. – disse Laura, beijando-a na testa.

Otávio, que havia observado toda a cena, teve uma idéia.

- Muito bem, moça! Que tal aceitar agora o oferecimento que lhe fiz, tempo atrás, e começar a treinar com meu grupo? – convidou o técnico, pensando em usá-la com outro propósito.

- Acha mesmo que eu poderia?

- É claro! Além disso, a sua presença seria um grande incentivo para Milena.

- Aceite Laura. – pediu a moça. – Vai lhe fazer muito bem, é a complementação ideal para o seu tratamento.

- É verdade. Prometo que logo, logo, poderá participar de uma boa pelada. – Otávio assegurou, sorrindo.

- Não penso mais em futsal, mas se isso pode servir de motivação para Milena, concordo em treinar...

- Ótimo! Então não vamos mais perder tempo... – falou o técnico, satisfeito com a decisão da moça.

Depois do treino, Otávio foi procurar Laura no vestiário feminino. Precisava pôr seus planos em prática e, para isso teria que contar com a moça.

- Sabe que, daqui a um mês, Milena viverá um dos momentos mais importantes de sua vida, não é mesmo, moça? – perguntou o técnico, demonstrando certa preocupação.

- Sei e você me parece inquieto por causa disso. Acha que ela não está preparada para enfrentar o campeonato?

- Não se trata disso. Milena é a melhor nadadora que já surgiu nos últimos tempos. Tem tudo para ganhar. Se não fosse tão obstinada, apostaria tudo o que possuo como seria a futura campeã brasileira de natação. No entanto, a teimosia pode prejudicá-la.

- Está se referindo ao fato dela não querer voltar ao Rio, semanas antes da competição?

- Isso mesmo... Mas como ficou sabendo?

- Ela me contou a conversa que vocês tiveram hoje pela manhã. – esclareceu Laura.

- E qual a sua opinião? Pretendia pedir que me ajudasse a convencê-la... Posso contar com você? – Otávio deixou clara a sua intenção.

- Não sei se posso ajudá-lo. Milena já tomou uma decisão e parece irredutível. Afirmou que só viaja para o Rio, na véspera do campeonato.

- Isso pode trazer-lhe um grande prejuízo. – comentou Otávio, sem saber como contornar a situação.

- Concordo com você. – admitiu Laura.

- E disse isso à Milena?

- Claro! Mas não creio que tenha dado mais atenção as minhas palavras que as suas.

- De qualquer forma, pediria que continuasse tentando convencê-la. Se não conseguir, ninguém mais o fará. – comentou o técnico, desanimado.

- Se quer saber a minha opinião, Otávio, duvido que eu ou você consigamos demovê-la. Milena tem personalidade forte e não se deixa convencer, se não estiver predisposta a isso. Nesse caso, acho que o melhor que temos a fazer é aceitar a sua decisão. Se tentarmos forçar a situação, ela é bem capaz de desistir de participar do campeonato.

- Nem me fale nisso, seria uma catástrofe! Não há, na minha equipe, nenhuma outra moça nas mesmas condições físicas e técnicas. Foi um ano de trabalho duro e não quero que vá tudo por água abaixo. Você me convenceu, é preferível que ela concorra, sem nenhuma adaptação ao local, do que correr o risco de vê-la abandonar a competição, ao se sentir pressionada por nós.

- Milena se sairá bem. Lembre-se de que nasceu e foi criada no Rio de Janeiro. É pouco provável que precise de tempo para se adaptar numa cidade onde viveu durante dezesseis anos. – Laura tranqüilizou o técnico.

Os argumentos da moça acabaram por persuadi-lo. A melhor política seria a de prosseguir nos treinos num clima de tranqüilidade. A mesma obstinação, que a impulsionava a não aceitar a sugestão do técnico, poderia ser usada pra que ela se tornasse uma campeã.



CAPÍTULO 16

Naquela quinta feira, trinta de dezembro, a casa dos Albuquerque estava tomando um aspecto festivo. Os funcionários da agência de publicidade onde trabalhava o pai de Milena, haviam se reunido e trabalhado com afinco na ornamentação da casa. Tanto interna quanto externamente, a decoração lembrava um antigo castelo medieval. Entusiasmado com a qualidade do trabalho, Daniel deixou escapar um comentário.

- Está perfeito! Gostaria que usassem toda essa criatividade também nas promoções da agência.

- Ei Daniel, não vai dar uma de chefe agora... – censurou Lúcia.

- Tem razão, desculpem-me. Não é a hora apropriada para falarmos sobre isso.

- Não tem importância, chefinho, à meia-noite de amanhã, faremos um juramento solene: prometeremos que o nosso primeiro trabalho do ano ganhará o prêmio de “melhor campanha publicitária”. – garantiu um dos funcionários da agência.

- Tudo o que quero é que não se perca mais nenhum cliente, naquela agência. Dou-me por satisfeito se conseguirmos isso, caso contrário, estaremos todos no olho da rua, até eu mesmo.

Todos riram da observação de Daniel. Com o tempo, haviam aprendido a gostar dele. Sabiam que era muito exigente com a qualidade de trabalho, mas muito humano e batalhador.

Milena só foi ao clube, para treinar, na parte da manhã. À tardinha, reuniu-se com Laura e Paula para confeccionar as máscaras que usariam no Réveillon. Ela mesma as desenhou. Restava agora fazer o acabamento. Milena e Paula estavam encarregadas de recobri-las com cetim, lantejoulas, plumas e paetês coloridos. A de Laura seria a mais simples: de cetim negro, discretamente trabalhada.

- Vai ficar com a máscara azul ou a amarela? – perguntou Laura à irmã.

- Vou ficar com a azul e Milena com a amarela. Combina melhor com a nossa roupa. – afirmou Paula.

Laura tentou gravar aquele detalhe importante já que, antes da meia-noite, ninguém poderia retirar as máscaras e, tanto o rosto quanto os cabelos estariam camuflados. Queria aproveitar todos os momentos, daquela noite ao lado da namorada. Não tinha dúvidas de que a reconheceria, mas não queria se arriscar.

Até a noite seguinte, tudo naquela casa girou em torno do tão esperado Baile de Máscaras. Às dez horas, aproximadamente, o pessoal começou a chegar. Da janela do quarto, Milena viu quando Laura estacionou o carro e entrou, na companhia da irmã. Seus pais haviam assumido outro compromisso e não puderam aceitar o convite dos Albuquerque, mas deixaram que as filhas comparecessem, sozinhas.

Laura veio arrumada, até a máscara já havia colocado. Mas Paula ficara com vergonha e decidira trocar de roupa na casa de Milena. Ao vê-las entrar, Lúcia encaminhou a jovem para cima.

- Troque de roupa no quarto de Milena, ela ainda está terminando de se aprontar.

Foi quando Paula entrou no quarto que ela teve a idéia.

- Topa fazer uma brincadeira com a Laura? – perguntou a jovem, com um sorriso matreiro.

- Que tipo de brincadeira? No que está pensando? – indagou Paula interessada.

- Muito simples, Laura não sabe que roupa vamos usar no baile. Não viu, nem a mim, nem a você, vestidas. Mas sabe que usarei a máscara amarela e você a azul. Que acha de trocarmos nossas máscaras?

- Bem, não sei. Será que Laura não vai se zangar. – Paula temia que a irmã brigasse com ela.

- Não se preocupe. Prometo que ela não se aborrecerá com você. Assumo inteira responsabilidade pela troca. Então, o que me diz?

- Está bem, eu topo. Vai ser divertido quando ela perceber a verdade.

Minutos depois, as duas jovens desceram e, conforme o combinado, separaram-se imediatamente. Laura não teve dúvidas, seguiu a de máscara amarela.

- Olá amor! Está muito bonita, mas poderia ver o seu rostinho. Vamos dançar?

A jovem aceitou dançar com a irmã. Mas a brincadeira ia durar muito pouco. Laura estava achando o comportamento da moça muito esquisito.

- O que está acontecendo, Milena? Estou há mais de meia hora falando sozinha. Tudo o que ouvi de você, até agora, foi esse insuportável hum...hum. pode me explicar por que resolveu emudecer de repente?

Paula, sentindo que a irmã estava prestes a descobrir que fora enganada, tentou escapar.

- Espere... Deixe-me ver seus olhos. – ordenou Laura, segurando-a pelo braço.

Receosa, Paula não teve outro jeito senão ficar frente a frente com a irmã.

- São verdes! – exclamou, espantada. – Paula... Você é a Paula!

- Calma, irmãzinha! Juro que a idéia não foi minha... Mas até que foi bem divertido!

- Divertido não é? Mais tarde, precisamos ter uma conversinha. Onde está a Milena?

- Bem ali, na nossa frente, observando tudo... – falou a moça, com ar zombeteiro.

Aborrecida, Laura foi ao encontro de Milena.

- Que brincadeira tola foi essa?

- Calma meu bem! Como você mesma disse, foi apenas uma brincadeira.

- Banquei a boba para vocês duas, não é mesmo? – Laura ainda estava zangada.

- Não fique tão exaltada. – pediu, segurando entre as suas as mãos da moça.

- De quem foi a brilhante idéia, sua ou de Paula? – quis saber Laura.

- Minha. Pedi a sua irmã para trocarmos de máscaras. Ela ficou com receio, mas depois concordou. O que há, será que vou ter que me desculpar por uma brincadeira tão comum nesse tipo de festa?

- Tudo bem, eu é que preciso me desculpar por levar a sério essa bobagem. – disse a moça, percebendo que estava exagerando.

- Estava tão engraçada! Você dançou com sua irmã pensando que fosse eu...

- Imagino...

- Sobre o que conversaram?

- Nem sei direito, só me lembro das respostas que ela me dava.

- Como assim? – perguntou, curiosa.

- Passou o tempo todo fazendo hum...hum...

As duas explodiram em risos, a zanga havia terminado. À sua volta, os pares dançavam, animadamente. À meia-noite todos retiraram as máscaras. Gritos de surpresa e espanto foram ouvidos por toda parte. Depois de brindar o novo ano, todos caíram na folia. Só às cinco horas da manhã terminou o improvisado, mas muito animado, carnaval.

Cansados, mas felizes, os convidados se dirigiram à piscina, onde seria servido um reforçado café matinal. Duas horas mais tarde, todos já haviam se retirado, inclusive Laura e sua irmã.

Foi uma noite muito divertida e Milena estava feliz. Entrou e sentou-se na copa, para se livrar dos sapatos. Só então percebeu que seus pais estavam conversando na cozinha. Ficou preocupada quando, sem querer, ouviu o que diziam.

- É melhor que Milena não fique sabendo de nada, por enquanto. – disse Daniel.

- É claro, só conversaremos com ela, sobre a nossa decisão, depois do Campeonato Brasileiro. Não quero que nada venha a prejudicar o seu desempenho na competição do final do mês. – assegurou a mãe.

Precisava saber o que estava acontecendo – pensou Milena. Lúcia e Daniel tinham planos que ela só poderia tomar conhecimento depois do campeonato. Decidiu que não ia esperar, queria toda a verdade, naquele momento.

- Desculpem-me, mas não pude deixar de ouvir a conversa de vocês. Estava ali, na copa, quando disseram que estavam planejando algo e que eu só deveria saber, depois da competição. Preciso saber agora.

- Nada demais, minha filha, planejávamos nossas próximas férias. – enganou Lúcia.

- Não acredito nisso. Que motivos teriam para esconder de mim, que pretendem tirar férias? Em que, tal coisa poderia prejudicar meu desempenho no campeonato? Vamos, preciso saber toda a verdade... Será que não compreendem que, agora, vou ficar preocupada? Aí sim, posso me sair mal.

- Acho que ela tem razão, é melhor que saiba logo da nossa decisão. – ponderou o pai.

- Se pensa assim... Pode falar. - Lúcia concordou com a resolução do marido.

- O Moura, meu ex-chefe no Rio, ligou-me na semana passada. Pediu para que pensasse na possibilidade de voltar a trabalhar com ele.

- No Rio? – perguntou Milena, ansiosa.

- Isso mesmo. Disse que o meu antigo cargo estava à disposição.

- E você aceitou?

- Aceitei sim, minha filha. Havíamos combinado que ficaríamos aqui, apenas um ano. Como o ambiente da agência melhorou bastante, cheguei a pensar em ficar por mais uns tempos. Depois da oferta do Moura, resolvi voltar e assumir meu lugar na antiga agência. – explicou Daniel.

- Logo agora, papai... – disse Milena, num lamento.

Abatida, disse aos pais que ia dormir e retirou-se para o quarto. Mas não conseguiu conciliar o sono. Chorou, durante horas, ao pensar que a separariam de Laura. Imaginava que, longe dela, a moça logo a esqueceria.



CAPÍTULO 17

Os dias pareciam voar, naquele início de ano. Faltavam apenas duas semanas para o Campeonato Brasileiro e Milena estava muito nervosa. A aproximação da data da competição era um dos motivos, mas era Laura o motivo principal.

Alegando ter que visitar uma tia, que morava no interior, a moça ficou quatro dias sem aparecer. Quando voltou, parecia um tanto ansiosa e, sempre que Milena falava sobre sua volta ao Rio e de um possível afastamento entre as duas, procurava fugir do assunto.

- Não gosto de pensar no futuro. – argumentava. – Prefiro viver, com intensidade, o presente.

Mas não era apenas o futuro que a preocupava, até mesmo o presente parecia desanimador.

Certo dia viu Adriana Ribas conversando, animadamente, com Laura. Aproximou-se delas e a outra moça se afastou, sem cumprimentá-la. Foi a gota d’água.

- O papo estava muito animado hein, Laura. – comentou, mal-humorada.

- Não é nada do que está pensando, meu anjo. Adriana não me interessa mais. Aliás, acho que ela nunca me interessou. – afirmou a moça.

- Pois sim... Vou fazer de conta de acredito. – comentou com visível ceticismo.

- Deve acreditar, Milena. Depois que a conheci, cheguei à conclusão de que nunca havia amado de verdade. O sentimento que me une a você é algo muito especial, nunca me senti assim em relação a outra garota. Não procure destruir tudo, por causa de um ciúme exagerado.

- Ciúme? Quem lhe disse que estou com ciúme? Está ficando um bocado convencida... – Milena tentou disfarçar o melhor que pôde.

- Não se trata de convencimento. Estou apenas constatando um fato. Ficou de péssimo humor só porque viu a Adriana conversando comigo. Não vejo nada demais que ela tenha vindo me fazer um pedido.

- Pedido? Que tipo de pedido? O que aquela lambisgóia está querendo com você? – Milena estava ficando cada vez mais descontrolada.

- Calma meu bem! Viu como tenho razão? Ciúme em excesso prejudica qualquer relacionamento.

- Vamos, Laura, não procure me confundir. Por que a Adriana veio procurá-la?

- Como já sabe vamos enfrentar as provas do vestibular no início de fevereiro. Adriana está se sentindo insegura em Química.

- E o que tem você a ver com isso?

- Ela veio me pedir para lhe dar umas explicações. – revelou a moça.

- E você concordou? – perguntou, apreensiva.

- Claro, Milena! Não poderia me negar a ajudá-la. – ponderou Laura.

- Oh, claro que não... E ainda vem me dizer que não se interessa por ela.

- Pare com isso Milena, não seja criança! Precisa confiar mais em si mesma, não vê que está cometendo uma grande tolice? Interesso-me por Adriana, como por qualquer outro ser humano. Se ela tem problemas e eu posso ajudá-la, não tenha dúvidas de que vou fazê-lo. – assegurou a moça, aborrecida com a atitude da namorada.

Milena não teve outro jeito, senão dominar seu ciúme. Procurou mudar de assunto, e ao se despedirem, tudo parecia ter voltado ao normal. Laura estava mais carinhosa que nunca, mas, no íntimo, a moça ainda estava preocupada com a possibilidade de Adriana ter arranjado a desculpa das aulas para se reaproximar da antiga namorada.

Como que adivinhando que havia algo no ar, Sandra, a vizinha bisbilhoteira, estava na varanda de sua casa, aguardando que ela chegasse.

- Olá Sandra, tudo bem? Veio me visitar? Faz tempo que não a vejo...

- A culpa não é minha. – retrucou Sandra, com um sorriso irreverente. – Depois que começou a namorar a Laura, esqueceu dos amigos.

- Não é bem assim, tenho treinado muito e quase não me sobra tempo para mais nada. – justificou-se.

- Mas para a Laura sempre sobre um tempinho, não é mesmo?

- Bem, ela é a minha namorada... – lembrou a jovem, sorrindo da observação de Sandra.

- Não a deixe muito solta... Sabe como é, a ocasião faz o ladrão. – aconselhou Sandra, com certa ironia.

Logo percebeu que, por trás daquelas palavras, havia a intenção de lhe alertar para alguma coisa.

- Por que disse isso? – perguntou, intrigada.

- Ora, Laura é uma tremenda gata! E depois que voltou a andar sem as muletas, tem muitas garotas fariam qualquer coisa para namorá-la.

- Laura me ama. – garantiu Milena, tentando aparentar uma segurança que estava longe de possuir.

- Não duvido... Mas há garotas que são muito persistentes e acabam por conseguir o que querem. E isso pode ferir muita gente...

- Está falando de Adriana Ribas? Prefiro que vá direto ao assunto.

- Muito bem, vejo que está bem informada...

- Não tanto, quanto você, mas continue...

- Está sabendo que ela pretende tomar-lhe a namorada? Adriana está uma fera, desde que Laura a repudiou.

- Tudo o que sei, Sandra, é que ela estava precisando de umas explicações de Química. Pediu a Laura para lhe dar aulas e ela concordou. – esclareceu a jovem.

- Acreditou mesmo nessa história? – indagou Sandra, zombando da credulidade de Milena.

- Repito que Laura me ama e confio, plenamente, nela. – tentava ser o mais convincente possível, não queria que a outra percebesse o quanto estava enciumada.

- Se fosse você, não confiaria tanto. Não digo pela Laura, mas quanto à Adriana... Não tenha dúvidas de que vai fazer o possível para reaver a ex-namorada. Ela é uma garota que sabe o que quer. Abra o olho, Milena, senão vai ter aborrecimentos. – Sandra comentou, maldosa.

- Obrigada pelo aviso, mas não acredito que precise me preocupar. Além disso, detesto fofoca. Vai me desculpar, mas tenho que entrar. – declarou a jovem pondo um término naquela desagradável conversa.

- Está bem, não vim aqui para colocar grilos na sua cabeça. Queria apenas que me devolvesse a apostila sobre Literatura, que lhe emprestei no início do ano. Preciso estudá-la para o vestibular. Como vê, não vim à sua casa com o intuito de fazer fofocas.

- Oh, desculpe, pensei que a tivesse devolvido. Espere um instante vou apanhá-la. – disse a jovem dirigindo-se à porta, sem convidá-la a entrar. Lamentou ter esquecido de devolver a apostila que usara como pretexto, para saber quem era Laura.

Sandra sentiu-se humilhada com o pouco-caso de Milena e prometeu a si mesma que nunca mais a procuraria. Aquela atrevida havia lhe chamado de fofoqueira... Quanta ousadia! – pensou, revoltada.

Mas o que ela não sabia é que havia conseguido o que queria. Depois da conversa com Sandra, a jovem ficou ainda mais insegura. Os problemas pareciam se acumular a cada momento. A notícia de que a família voltaria a residir no Rio, a proximidade da competição e, agora, a certeza de que teria de lutar pelo amor de Laura. Adriana Ribas não era uma rival que se pudesse desprezar. Em vão tentou se convencer de que Sandra era uma grande fofoqueira e que a namorada jamais a trairia.

Dias depois, aconteceu algo que acabou por confirmar as suas suspeitas. Foi quando ligou para casa da namorada e sua irmã atendeu.

- Olá Paula, posso falar com a Laura?

- Um momento, vou chamá-la, Adriana. – disse Paula, confundindo as vozes.

- Espere Paula, não é a Adriana... Sou eu, Milena. – corrigiu a jovem.

- Oh desculpe... Não sei como fui me enganar... Eu... Vou chamar a Laura. – disse Paula, atrapalhada com a confusão involuntária.

Milena respirou fundo, precisava se controlar. O assunto não era para ser discutido numa conversa telefônica.

- Oi amor, como vai? – indagou Laura, alegremente, sem saber o que havia acontecido.

- Tenho um assunto muito urgente para discutir com você. – disse a moça, com acentuada seriedade.

- O que aconteceu? – indagou, preocupada com o jeito de falar da namorada.

- Não quero falar por telefone. Poderia dar um pulo aqui em casa?

- Estou estudando, Milena. Não poderíamos conversar amanhã?

- Não, tem que ser hoje. – a moça estava resolvida a solucionar, de uma vez por todas, aquele problema. Não poderia ficar, nem mais um dia, sob tanta tensão.

- Está bem. – concordou a moça. – Estarei aí dentro de meia hora.

Quando Laura chegou, encontrou a namorada esperando-a na porta de casa. A atitude de Milena não parecia nem um pouco amistosa.

- Oi meu bem! – a moça aproximou-se para beijá-la e ela se esquivou.

- Venha, vamos até a piscina. Lá poderemos conversar mais à vontade.

- Parece tão solene, Milena. Algo errado? – quis saber a moça, cada vez mais intrigada.

- Não sei, é você quem vai me dizer...

- Juro que não estou entendendo nada...

- Já vai entender. – disse Milena, sentando-se na espreguiçadeira e olhando-a de frente.

- Vamos meu bem, por que está fazendo todo esse suspense?

- Está certo, vou ser o mais objetiva possível. – declarou. – Quero saber o que existe, de verdade entre você e Adriana Ribas.

- Ora, Milena, de novo... – comentou a moça, visivelmente contrariada.

- Não gosto que me façam de boba. Preciso saber se ainda sou a sua namorada.

- É claro que sim, mas por que a dúvida? – perguntou, desconfiada.

- Quando liguei para a sua casa, ainda há pouco, Paula confundiu a minha voz. Chamou-me de Adriana... – explicou, deixando clara a sua mágoa.

- Não sei como a Paula foi fazer isto... – retrucou meio sem jeito.

- Ela não fez de propósito. No caso, o que interessa é que, se isto aconteceu, é sinal de que Adriana vem ligando para você, com uma freqüência.

- Contei-lhe que pretendia ajudá-la a tirar umas dúvidas em Química.

- Não acredito que Adriana tenha lhe procurado com esse objetivo. – afirmou com convicção.

Laura estava tensa. Admitiu que o melhor era contar, de uma vez, toda a verdade.

- Está certo, vou lhe dizer o que aconteceu. Tinha razão quando se aborreceu por eu ter concordado em dar as tais explicações àquela moça. Apesar de estar fraca na matéria, na verdade, o que ela queria mesmo era arranjar um jeito de se reaproximar de mim.

- Eu sabia... – comentou, indignada. – E você, aceitou-a de volta?

- Espere Milena, deixe-me terminar. Ao perceber sua verdadeira intenção, disse que não poderia mais perder tempo lhe dando aulas, argumentei que também precisava estudar para o vestibular. No entanto, ela não se conformou. Passou a ligar, diariamente, para minha casa. Foi por isso que Paula se atrapalhou e confundiu as vozes. Mas não precisa se preocupar, ela não vai ligar nunca mais.

- Como pode ter tanta certeza de que não o fará? – perguntou, intrigada.

- Procurei-a, ontem, para esclarecer a situação e pedir que não ligasse mais para mim. Cheguei a dizer que o pessoal, lá em casa, já estava reclamando da sua insistência. Depois da desagradável discussão que tivemos, não acredito que volte a me procurar.

- E é isso o que você quer?

- Adriana não me interessa. Além do mais, desprezou-me num momento muito difícil da minha vida. Acha que posso ter alguma consideração especial por ela? – indagou a moça, esclarecendo, definitivamente, a sua posição.

- Oh Laura! Posso confiar, de verdade, no que está me dizendo?

- Precisa acreditar em mim, meu bem. Eu a amo... – disse a moça, abraçando-a com carinho.

- Vou morrer de ciúmes, se tiver que voltar para o Rio e deixá-la aqui. – confessou a jovem, escondendo o rosto em seu ombro.

- Por falar nisso, tenho uma surpresa para você. Lembra-se de que precisei me ausentar de São Paulo, no início do mês?

- Claro, disse que ia visitar uma tia...

- Não fui visitar ninguém. – confessou Laura. – Estiver no Rio de Janeiro.

- No Rio? – indagou, perplexa. – O que foi fazer lá?

- Submeter-me às provas do vestibular. O resultado saiu hoje e eu fui aprovada.

- Oh Laura, quer dizer que pretende morar no Rio? – a jovem não conseguia esconder a emoção.

- Isso mesmo. Não foi muito fácil fazer com que os velhos concordassem, mas agora já estão mais conformados. Ficaram orgulhosos porque me saí bem nas provas.

- Também me orgulho muito de você...

Abraçada a namorada, Milena chorou de emoção. Laura lhe deu uma grande prova de amor. Como pôde duvidar de seus sentimentos? De repente, as nuvens negras desapareceram. Tudo se resolvera da melhor forma possível. Agora, só precisava vencer o campeonato.

Capítulo 11: Final


(por Léia Cristina de Lucas , adicionado em 29 de Maio de 2008)




CAPÍTULO 18

Naquela sexta-feira, trinta de janeiro, Milena levantou-se bem-disposta e confiante. Era a véspera do Campeonato Brasileiro e precisava preparar a bagagem que levaria, ainda naquele dia, para o Rio de Janeiro. Logo depois do almoço pegaria o avião, acompanhada apenas pelo treinador.

Lúcia ajudou-a a preparar a mala.

- Não está se esquecendo de nada... Levou os protetores de ouvidos, óculos... Ah, sim, que roupas está levando? A mala me parece tão vazia! Lembre-se de que vai ficar hospedada num dos melhores hotéis do Rio e que, provavelmente, haverá alguma recepção esta noite.

- Bem, não sei se estou levando uma roupa adequada, preocupei-me apenas com os trainings de ginástica... Nem me lembrei da festa.

- Vamos ver. – disse Lúcia, abrindo o armário. – Leve esse vestido verde-água e, também, o macacão branco de lingerie. Nessa época, faz sempre muito calor no Rio. Ah, não se esqueça de levar as sandálias de jeans enfeitadas com pelica dourada.

- Puxa, mamãe, parece até que estou de mudança! Não pensei em levar tanta coisa.

- Por falar em mudança, Milena, tenho uma ótima notícia para você.

- Verdade? Do que se trata?

- Não precisamos mais regressar ao Rio. – informou Lúcia, acreditando que a notícia ia deixá-la feliz. Ficou espantada com a reação da filha.

- Quê? Vamos ficar morando aqui, para sempre? – Milena estava aturdida com a novidade.

- Não sei se será para sempre, mas a agência, em que seu pai trabalhava no Rio, pretende abrir uma filiar em São Paulo. Convidaram-no para dirigi-la e ele aceitou. Já estão até procurando um prédio para as futuras instalações. Daniel queria lhe fazer uma surpresa.

- É muita falta de sorte, justamente agora, foi me acontecer uma destas... – lamentou a jovem.

- Não estou entendendo nada. Dias atrás, chorou quando lhe dissemos que havíamos decidido voltar. Agora está contrariada porque planejamos ficar. O que está havendo minha filha?

- A Laura passou no vestibular do Rio e pretende morar lá, no início do ano letivo. Ela fez tudo para não se afastar de mim... Tanto sacrifício em vão.

- Então é isso... Como podíamos saber? Não nos disse nada, agora seu pai já aceitou o oferecimento do ex-patrão. – argumentou Lúcia, arrependida de ter tocado no assunto, num momento tão delicado.

- Nós também queríamos fazer uma surpresa para vocês. Pretendíamos dar a notícia, depois que eu voltasse do Rio. – afirmou a jovem, com lágrimas nos olhos.

Que maçada! – pensou Lúcia. Mas o mal já estava feito e não havia como remediá-lo. Esperava que isso não prejudicasse seu desempenho na competição.

Milena ficou agradavelmente surpresa ao avistar Laura no aeroporto. Haviam se despedido na noite anterior e não esperava vê-la.

- Oh Laura, foi muito bom ter vindo... Estou me sentindo arrasada. – a jovem abraçou-se a namorada, deixando escapar um soluço abafado.

- Que é isso meu bem? Não me diga que todo esse nervosismo é por causa do campeonato?

- Não, não é por causa de nenhum campeonato. – garantiu a jovem, descontrolada.

- Então o que é?

- Apesar de todo o seu empenho, não vamos conseguir ficar juntas...

- Que bobagem! Por que está tão pessimista? Será? Não me diga que seus pais decidiram permanecer em São Paulo... – arriscou Laura, tentando descobrir o motivo de tanta preocupação.

- Isso mesmo... Logo agora que você vai para lá, vou ter que continuar morando aqui. Não vou agüentar ficar longe de você. – queixou-se a moça.

- Se é por isso que está tão contrariada, esqueça tudo. Na próxima semana haverá vestibular em Campinas. Fiz inscrição para lá também. Se fui aprovado no Rio, por que não o serei aqui? Meus pais é que vão vibrar com a notícia. Coitados, estavam tão preocupados com a minha decisão de morar e estudar no Rio de Janeiro!

- Quer dizer que vamos ficar juntas, de qualquer maneira? – perguntou Milena, entusiasmada com a boa nova.

- Anime-se garota, Campinas não fica tão longe assim da capital. Se for estudar lá, estarei na cidade de São Paulo todo fim-de-semana.

Milena ficou exultante. Se Laura pretendia estudar em Campinas, tudo seria mais fácil para ambos. Quem sabe, um dia, ela mesma acabaria indo para lá?

Despediu-se de todos e incorporou-se ao grupo de Otávio. Minutos depois, estava a caminho do Rio. Assim que avistou a cidade em que nascera, as recordações a assaltaram. Logo localizou o bondinho do Pão de Açúcar, a baía da Guanabara, as praias famosas do Arpoador, Ipanema e Leblon... Como poderia esquecer tudo aquilo. Queria ficar em São Paulo porque amava Laura e queria estar perto dela, mas, no íntimo, tinha que admitir que preferia morar no Rio.

Assim que se acomodou no hotel, Milena ligou para a casa da avó. D. Marília prometeu que estaria no Estádio Aquático do Clube de Regatas Vasco da Gama, na manhã seguinte, para torcer pela neta.

Resolveu dormir um pouco para descansar e, assim que acordou, ligou para São Paulo.

- Alô, D. Célia? Sou eu, Milena.

- Olá minha filha, fez boa viagem? Está tudo bem com você? – quis saber a mãe de Laura.

- A viagem foi ótima, D. Célia. Será que eu poderia falar com a Laura?

- Lamento, Milena, mas a Laura não está em casa. – garantiu a mãe da moça.

- A senhora sabe se ela vai demorar?

- Não, não sei, ela saiu e não avisou para onde ia. – explicou, um tanto sem graça.

- Está bem, obrigada. – agradeceu a moça, tentando esconder a decepção.

- Boa sorte amanhã. – desejou a senhora, desligando o telefone.

Com quem Laura teria saído na primeira noite que se viu longe dela. Estava novamente começando a se sentir traída, enganada. Tentou afastar esse pensamento da mente e controlar seus ciúmes.

Ainda naquela noite, houve um jantar em homenagem aos concorrentes. Milena foi à atleta mais solicitada. Fotógrafos, cinegrafistas e repórteres não a deixavam sossegada. Otávio não cabia em si de orgulho e fazia questão de apresentá-la como a nadadora com maiores chances de vencer o campeonato. Até mesmo os outros candidatos pareciam reconhecer nela a grande estrela da natação. Mais uma vez, sentia sobre seus ombros o peso de uma grande responsabilidade e, apesar de todo o seu esforço para se controlar, não podia negar que sempre ficava um pouco tensa nas vésperas das grandes decisões.

Depois da festa, recolheu-se ao quarto e decidiu que não ligaria mais para a namorada, naquele dia. Já era tarde e precisava repousar para enfrentar o dia seguinte. Procurou relaxar e não pensar em nada. Logo adormeceu.

O dia amanhecera lindo. Às seis horas da manhã, os primeiros raios de sol entravam pela janela e banhavam a cama em que estava adormecida. Milena foi abrindo os olhos devagar e, só então tomou consciência de onde estava e do que a esperava, naquele dia. Espreguiçou-se lentamente, depois saiu da cama e improvisou alguns movimentos de ginástica. Tomou um chuveiro frio, como fazia todas as manhãs, e meia hora depois já estava, junto com os outros atletas, tomando o café matinal.

O ônibus que os levaria para o estádio aquático sairia às sete e meia. Ficou em dúvida se ligava ou não para a casa de Laura. Pensou se não seria cedo demais. Decidiu que, ainda assim, ia tentar. Dirigiu-se à recepção do hotel e pediu para fazer a ligação.

O telefone tocou, por algum tempo, sem que ninguém viesse atendê-lo. Já ia desligar quando ouviu um alô sonolento, reconheceu a voz do Sr. Veiga.

- Alô Sr. Veiga? É a Milena. – identificou-se meio envergonhada. – Desculpe-me por ligar tão cedo.

- Não tem importância, minha filha. Ligou na hora certa, precisava mesmo despertar. Mas o que houve? Está precisando de alguma coisa?

- Não, está tudo bem, só queria falar um pouquinho com a Laura.

- É uma pena, mas não vai ser possível. Laura não está em casa. – disse o pai da moça, sem dar maiores explicações.

Tinha sido um erro, tentar entrar em contato com a namorada poucas horas antes da competição. Voltou a se sentir mais arrasada do que nunca. Certamente, ela não passara a noite em casa.

A caminho do estádio, Milena ruminava os mais nefastos pensamentos. Que teria feito a namorada na noite anterior? Teria dormindo na casa de alguma amiga? Ou teria ido a alguma festinha com Adriana Ribas? Sandra... Por que se lembrara dela? Não, Laura não sairia com ela. Garantiu-lhe que nada havia entre as duas... Provou que a amava quando pensou em estudar no Rio, só pra ficar ao seu lado. Precisava confiar mais na namorada e afastar os grilos de sua mente.

Minutos antes da prova, sentia-se ainda muito deprimida. Não conseguia se concentrar nas últimas instruções dadas pelo treinador.

- Vai fazer tudo exatamente como lhe ordenei. Entendeu Milena?

- Quê? – perguntou, distraída.

- Perguntei-lhe se entendeu as instruções.

- Ah, sim... Claro.

O treinador não ficou muito satisfeito com aquela resposta evasiva e insistiu.

- Não se esqueça de que o mais importante é se concentrar, inteiramente, nos seus movimentos. Não olhe para os lados, nem se preocupe com os outros competidores. Faça de conta que está sozinha, na piscina, como nos treinos. Vamos, menina, assuma o seu lugar. Tem tudo para vencer. – assegurou Otávio, procurando infundir-lhe confiança.

Milena respirou fundo, procurando se controlar. Como uma autômata dirigiu-se a raia de número quatro.

O locutor do estádio anunciava os nomes das candidatas, à medida que iam tomando posição.

- Na raia de número quatro está a jovem Milena Albuquerque, uma carioca de dezessete anos, concorrendo pelo Clube Pinheiros, de São Paulo.

Ouviu muitos aplausos e, logo depois, uma voz conhecida, que a chamava pelo nome, repetidas vezes. Sua avó prometera assistir o campeonato, mas, certamente, aquela não era a sua voz. Pensou que estivesse sonhando, a voz parecia-se com a de ... Voltou-se a avistou Laura, sentada entre os assistentes. A moça acenou-lhe com entusiasmo.

Então, era por isso que não conseguia encontrá-la em casa. Como fora tola em duvidar de seu amor! Laura estava ali e precisava ser recompensada. Viajara tantos quilômetros só para vê-la. Mas ela não a decepcionaria. Sentindo o coração bater mais forte, Milena colocou-se em posição.

Poucos minutos depois, o placar eletrônico do Estádio Aquático anunciava, em letras luminosas, o nome da nova Campeã de Natação: Milena Albuquerque.

Abraçada a Otávio e a Laura, que chegara até a piscina não se sabe como, Milena chorava de emoção e alegria.





Naquela noite, Laura estava mais ansiosa que o normal. Olhou mais uma vez para o quarto e saiu para pegar Milena.

Levou-a a um restaurante, onde tiveram um jantar bem romântico.

No final, Laura convidou Milena para subir até seu quarto dizendo que tinha um presente para ela.

Ao entrar, Milena se deparou com quarto cheio de rosas e pétalas de rosas pelo chão. Laura pegou em sua mão, levou-a até o sofá.

Foi até a mesa, pegou uma caixinha aveludada, voltou para perto de Milena se ajoelho aos pés dela e falou:

- Milena,

Se tudo na vida é relativo,

Relativa também é a idéia

Que cada um faz da felicidade.

Para uns,

felicidade é

Dinheiro no bolso,

Cerveja na geladeira,

Roupa nova no armário.

Para outros a felicidade

Representa o sucesso,

A carreira brilhante,

O simples fato de se achar importante

ainda que na verdade as coisas não sejam bem assim.

Para outros tantos,

Ser feliz é conhecer o mundo,

Ter um conhecimento profundo

Das coisas da Terra e do ar.

Mas para mim,

ser feliz é diferente

Ser feliz é ser gente,

É ter vida.

Que como dizia o poeta:

" É bonita, é bonita, é bonita...

" Felicidade é a família reunida,

É viver sem chegada,

sem partida

É sonhar,

chorar... sorrir.

Felicidade é viver cercado de amor

É plantar amizade, é o calor

Do abraço daquele amigo

Que mesmo distante,

Lembrou de dizer: "Alô"

Ser feliz,

É acordar às cinco da matina,

Depois de ter ido dormir às três da madrugada,

Com sono pra lá de cansado,

Só pra dar uma pontinha

Da cama, para o filho dormir.

Ser feliz é ver todo dia

Um sorriso de criança;

É música,

dança,

Paz

e o prazer de descobrir que a cada dia

A vida inicia,

Novamente,

A cada amanhecer.

Ser feliz é ter violetas na janela,

É chá de maçã com canela,

É pipoca na panela,

E um CD bem méla-méla,

Para esquentar o coração.

Ser feliz é curtir sol radiante,

Frio aconchegante,

Chuvinha ou temporal.

Ser feliz é enxergar

O outro

E sabe lá quantos outros cruzam nossa estrada.

Ser feliz é fazer da vida,

Uma grande aventura,

A maior loucura,

Um enorme prazer.

Felicidade,

é sentir seu gosto em minha boca,

seu toque em minha pele,

seu cheiro em meu corpo,

sua nudez em meu mundo,

sua sensualidade em minha vida,

seu amor na minha alma.

Vida,

é a sua presença,

sua beleza,

seu beijo,

sua entrega,

seu sorriso,

sua alegria.

Sonhar,

é acordar e ver que você existe,

que você é real,

que você é minha...

minha felicidade,

minha vida,

minha mulher. Como isso gostaria de pedir, case comigo, e prometo fazê-la a mulher mais feliz, pois meu mundo sem você não existe mais.

As lágrimas já rolavam pelo rosto de Milena, que emocionada não consegue dize nada, apenas balança a cabeça dizendo sim.

As duas se beijam apaixonadamente. Um beijo terno, cheio de ternura e amor.

Aos poucos, o beijo foi tornando-se mais intenso, mais profundo. Laura sentia sua boca ficando seca e ao mesmo tempo sedenta. Começou a passear as mãos pelas costas de Milena, que a cada toque de Laura, perdia completamente a noção de tempo, queria senti-la totalmente.

Laura começou a invadir o corpo de Milena, não agüentava mais tocar suas costas por cima da roupa, precisava sentir a pele de Milena.

Milena respirava com dificuldade, gemia de prazer ao sentir as mãos de Laura em seu corpo, não agüentava mais aquela agonia, aquela espera. Então, surpreendendo Laura, puxou de uma vez só o vestido dela, deixando a mostra os seios coberto por um pequeno meia taça branco, aquela visão deixou Milena completamente molhada de tão excitada que ficou.

As duas tiraram o restantes de suas roupas com urgência. Laura começou a beijar o pescoço de Milena, descendo seus lábios mais e mais. Quando chegou os seios de Milena ficou um tempo admirando-os, eram perfeitos e muito lindos. Laura os beijou e sentiu toda a pele de Milena estremecer de tesão e ela começou a respirar mais forte.

Acariciou o ventre de Milena e deslizou sua mão pela sua virilha. Milena estremeceu inteira e se abriu para Laura, que tocou em seu sexo, sentindo tudo calor vindo dele e o pulsar do mesmo perante seus toques. Parou de beijar Milena e olhou em seus olhos, que estavam fechados de prazer, eles se abriram e Laura não teve dúvidas no que eles diziam. Se pôs em cima de Milena, beijou, e sentiu ela ir ao êxtase a cada vez que se roçava mais nela. Milena era deliciosa, abraçava Laura. Prendia o rosto de Laura em seu pescoço.

Laura foi descendo a mão, deixando um rastro de fogo pelo corpo de Milena, abriu as pernas dela com a sua e tocou o clitóris de sua amada, que sugava sua língua com uma grande voracidade.

Laura começou a tocar milena por fora, brincando por entre as curvinhas de seu sexo. Milena não agüentou muito e pediu:

- Laura, não me torture mais. Me faça sua.

Laura então meteu dois dedos dentro de Milena, mas com cuidado para não machucá-la, e começou a mexer, no começo devagar, mais intensamente.

Quando Laura pos os dedos dentro dela Milena sentiu uma leve dor, que depois deu lugar a um grande tesão, que ela não estava mais agüentando.

Laura vendo que Milena não estava agüentando mais de tesão, tirou os dedos de dentro dela e começou a tocar seu grelinho inchado e viu Milena explodir num gozo maravilhoso, puxando seus cabelos e fincando as unhas nas costas de Laura. Ela estava sem fôlego, quase desfalecida. Laura voltou a beijá-la, descendo seus lábios até seu ventre. Percorreu com a língua a barriga, a virilha, até encontrar o mais doce e saboroso néctar que já tinha provado até então.

Laura nunca tinha imaginado que Milena teria um gosto tão delicioso assim, e quanto mais chupava mais sedenta ficava daquele néctar.

Laura começou a chupar e comer Milena ao mesmo tempo, e quando viu que ela estava próximo do gozo, aumentou seus movimentos.

Milena não suportou mais e gozou na boca de Laura. Um gozo delicioso. Tudo ali era mágico.

Depois do gozo, Milena abraçou Laura sem forças, quase desfalecida, olhou profundamente nos olhos de Laura e sorriu, totalmente entregue ao seu amor e falou>:

- Eu te amo Laura. Nunca pensei que amarei uma pessoa tão intensamente como lhe amo. Você me fez ir ao céu. Eu me entreguei inteira para você. Eu sou tua, meu amor. Eu te amo!

Laura sentiu um nó na garganta, com os olhos marejados, sorriu e respondeu:

- Eu também te amo meu amor e nada nesse mundo vai nos separar, agora somos uma pessoa apenas e prometo lhe fazer feliz todos os dias de minha vida.

E se beijaram novamente. Um beijo apaixonado, onde podiam sentir suas almas se tocarem e se unirem em apenas uma.

E adormeceram, com um sorriso no rosto, sabendo que eram uma da outra e que nada mais importava.



FIM.





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