NICOLE ROSSI - CONTO

Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
1
NICOLE ROSSI
Nicole sentiu o carro derrapando na pista molhada. Diminuiu a
velocidade, jogando o carro mais para o canto da pista. Uma música suave
começou a tocar no rádio. Nicole acendeu um cigarro, sem deixar de olhar a
pista escorregadia. Estava voltando para o Rio e estava bastante atrasada para
a cirurgia que teria que fazer. O almoço na casa dos pais durou mais do que
previu, ao aceitar o convite. Olhou para o relógio do carro, pisando um pouco
mais no acelerador. As curvas fechadas começavam a aumentar e Nicole se
irritava ao ter que diminuir a todo instante. Tinha que evitar tantos
compromissos, quando não tinha tempo nem para si mesma. Andava cansada,
nervosa mesmo, e a culpa era do excesso de trabalho. Pensou em Cristina,
sua filha de dez anos. Estava em casa com a babá e sentia-se culpada por não
ter levado a filha para ver os avós. Mas se o tivesse feito, com certeza Tereza
iria pedir para ficar com Cristina por alguns dias. Não que Nicole desejasse
afastar a filha dos avós, mas preferia que a filha não perdesse aulas demais.
Claro que nas férias permitia que a filha fosse para a casa dos avós. Por que
não o faria? Ela própria não tirava férias há quatro anos. Não podia se dar ao
luxo de ficar sem trabalhar. Não queria ficar aceitando dinheiro de Tereza a sua
vida toda. E trabalhando, ganhava dinheiro suficiente para viver folgada ao lado
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
2
da filha. Sua maior vitória foi ter adquirido a casa, onde moravam agora. Depois
comprou o carro e já andava de olho numa moto. Gostava de motos. Era sua
maior paixão desde criança. Mais uma curva, e Nicole suspiraram ao ver um
carro quase atravessado na pista. Diminuiu, parando ao lado dele. O carro
impedia a passagem do seu. Nicole levantou o capuz do casaco, cobrindo a
cabeça e saiu na chuva que aumentava agora. Olhou dentro do carro pelo lado
de fora e não viu ninguém, mas a porta do outro lado estava aberta. Decidiu
dar a volta, achando estranho o carro estar vazio. Mas logo compreendeu a
situação. Caída do outro lado do carro estava uma mulher. Nicole viu o sangue
espalhado no chão e abaixou-se depressa virando o corpo para si. Ficou quieta
por alguns instantes, olhando a mulher. Era tão linda, que Nicole permitiu-se
apreciá-la num momento tão difícil. Mas logo caiu em si, verificando se estava
viva. O coração batia fraco. Nicole não pensou duas vezes. Arrastou a mulher
até seu carro e a acomodou no banco da frente. Depois foi até o carro dela e o
tirou do meio da pista. Fechou a porta que estava aberta, e ia sair, quando viu
a mala preta caída no banco de trás. Nicole pegou a mala e abriu, imaginando
ser a bolsa da mulher. Poderia encontrar ali algum documento para identificála,
porém, ao se inclinar para trás, viu a bolsa caída ao chão. Pegou, e mesmo
assim abriu a mala. Por um instante Nicole recuou confusa. Uma infinidade de
joias fabulosas brilhava diante de seus olhos. Havia ainda quatro pacotes
cheios de dólares e um revólver. Nicole pegou a bolsa e a mala, correndo para
o seu carro. Saiu em disparada pela pista. Não sabia o que devia fazer quanto
à mala, sabia que se a mulher fosse encontrada com aquilo, teria sérios
problemas. Não era nenhum juiz, e sim uma médica que salvava vidas. E no
momento não fazia sentido para Nicole salvar aquela mulher e ao mesmo
tempo deixá-la a mercê da polícia. Por isto, Nicole decidiu que esconderia a
mala. Estavam entrando no Rio de Janeiro. Nicole disparou a buzina do carro
para que os carros a sua frente, lhe dessem passagem livre. Estendeu a mão,
tocando o pescoço da mulher. Mais um suspiro ao perceber que ela ainda
estava viva. Acelerou mais o carro, pois sabia que um minuto a mais, poderia
custar sua vida. Nicole voou pela rampa do hospital municipal. Saiu correndo
até a portaria, lá pediu uma maca dizendo que era médica e tinha uma mulher
morrendo em seu carro. Nicole podia apostar que aquele foi o atendimento
mais rápido que já presenciou num hospital. A mulher da recepção aproximouse
dela, assim que levaram a paciente para a emergência.
- Desculpe doutora, mas preciso de documentos e...
A mulher se deteve, percebendo o olhar duro de Nicole sobre ela.
- Bem, são as normas, e se é médica sabe bem disto. O depósito
precisa ser feito agora também.
Nicole deu as costas, saindo para o pátio. Pegou a bolsa da
desconhecida e verificou se havia algum dinheiro. Nada! Então verificou a
carteira de identidade. Maria Felicetti, solteira, vinte e oito anos, brasileira,
nascida em Santa Catarina. Voltou à recepção com a bolsa e seu talão de
cheques.
- Qual o valor do depósito? – perguntou sem olhar para a mulher.
- Quatro mil cruzeiros.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
3
Nicole preencheu o cheque e se inclinou para a mulher.
- Prefiro não ser envolvida neste caso. Espero que mantenha sigilo.
Encontrei esta paciente sem sentidos, no meio da estada Sul. O carro ficou lá.
Aqui está a bolsa dela, cuide para que receba, se melhorar.
- Não se preocupe doutora, manterei tudo em sigilo absoluto, mas foi
um acidente?
- Parece que sim. Com certeza a polícia vai encontrar o carro logo, se
você puder comunicar avisando onde está. O doutor Mancel está aqui?
A menção do nome do doutor Mancel, causou um choque na mulher.
Ele era o diretor do hospital, e todos os funcionários o temiam. Ele era um
homem duro e decidido. Não perdoava erros e constantemente estava
demitindo funcionários.
- Bem, não... Ele ainda não chegou...
- Peça a ele para ligar para Nicole então, ele tem meu telefone. – E
saiu sem se despedir da mulher, que ficou olhando-a com temor.
Nicole trancou a mala preta no porta-malas e entrou no hospital
depressa. No corredor, encontrou a enfermeira apavorada.
- Doutora? Graças a Deus que chegou a paciente não vai aguentar
muito tempo, se não for...
- Sei disto enfermeira Rute, agora me ajude a me preparar. – Pediu,
entrando na sala dos médicos com ela. – Tive uma emergência, por isto atrasei
tanto. Como está o paciente do quarto sete?
- Bem melhor, mas chamou pela senhora hoje.
- Iremos para lá depois da operação.
Sentada diante da televisão, às oito horas da noite, Nicole relembrava
os acontecimento do dia. A estranha que salvou, e nem sabia se tinha
sobrevivido, depois que a deixou no hospital. Talvez o maior problema agora,
fosse à mala que estava guardada a sete chaves em seu armário do quarto.
- Vai começar a novela mamãe, você nem está olhando para a
televisão. – Reclamou Cristina, pulando no colo dela.
- Ei, sua danada! Cuidado aí – Gritou, cobrindo-a de beijos. – Posso
ser sincera com você?
- Claro!
- Não estou com muita vontade de ver novela hoje. Preciso dar um
telefonema e...
O toque do telefone a interrompeu. Nicole estendeu a mão, pegando o
aparelho.
- Alô!
- Nicole? É Renato. Recebi seu recado, o que houve?
Renato Mancel nem poderia imaginar o que Nicole tinha para lhe dizer.
- Preciso vê-lo. Poderia vir aqui agora?
- Você está bem?
- Creio que temos um problema...
- Isto tem relação com a mulher que você trouxe para o hospital hoje?
- Exatamente!
- Muito bem, estarei aí em dez minutos.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
4
Colocando o aparelho no lugar, Nicole encarou a filha, que a olhava
curiosa.
- Preciso conversar com Renato, mas depois ficarei aqui com você
Cristina.
- Tio Renato vai dormir aqui?
- Não, ele só vem conservar comigo.
- Aposto como ele vai ficar te olhando daquele jeito derretido. – falou
mal humorada.
- Isto é uma novidade pra mim! – Riu divertida.
- Ele é doidinho por você e sabe disto mamãe!
- Cristina, isto é problema dele. As pessoas têm o direito de gostar de
quem quiser. Se Renato é doidinho por mim, eu respeito os sentimentos dele,
mas isto não quer dizer que eu vá ficar inimiga dele.
- Você jura que não vai namorar ele?
- Namorar? Mas de onde você tirou esta ideia ridícula?
- Você pediu para ele vim te ver.
- Não Cristina, é bem diferente do que pensou. Vou conversar com
Renato algo sério, nada sobre eu e ele, entendeu?
- Entendo!
- Ótimo! Agora fique aqui que vou pegar algo lá dentro.
Nicole levou Renato para o escritório assim que ele chegou. Serviu
dois drinques, passando um para ele. Foi quando se voltou que percebeu o
olhar ao qual Cristina lhe falou. Renato a olhava com doçura.
- Como está Maria Felicetti? – Perguntou, sentando diante dele com a
pasta no colo.
- Ainda inconsciente! Sabia que ela levou dois tiros? – Perguntou,
olhando-a com uma expressão séria agora. – O que você viu?
- Diz logo se ela vai aguentar ou não Renato.
- Está reagindo bem, talvez aguente. Está bem, acredito que vai se
recuperar.
- Fico feliz, afinal, quase deixei um paciente morrer para socorrê-la. –
Suspirou tranquila.
- A polícia esteve lá. Não ficaram satisfeitos com o que informamos.
Fiquei curioso quando soube que você estava envolvida nisto. Ainda bem que
teve o bom senso de pedir sigilo.
- Mas a polícia deve voltar, e com certeza vai querer a ficha dela. Será
melhor, se você abrir outra. Não pretendo que a polícia bata a minha porta. Fiz
um depósito em cheque, já que não tinha aquela quantia na hora.
- O que sabe sobre tudo isso afinal? Você está muito nervosa.
- Estava voltando para o Rio quando vi o carro no meio da pista. Maria
estava caída na estrada. Eu a socorri, mas também encontrei esta pasta no
carro dela.
- E por que pegou a pasta? – Perguntou nervoso – A mulher foi
baleada e você comete uma loucura destas Nicole?
- Veja você mesmo!
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
5
Renato se ergueu olhando para o conteúdo da pasta, ficando
horrorizado. Ele pegou um dos colares e examinou atentamente.
- São diamantes... Valem uma fortuna! – Falou avaliando os outros. –
Todas as joias são basicamente com diamantes... Nicole, isto deve ter sido
roubado! – Concluiu, olhando-a com espanto. – O que vamos fazer com isto?
Devia ter deixado dentro do carro.
- Não quis deixar lá. – Falou se erguendo.
- Mas por que não?
- A mulher estava quase morta, senti pena, e você sabe que estaria
perdida se encontrassem isto com ela!
- Não é problema seu!
- Não, não é problema meu, mas tenho um bom coração!
- Um coração tão bom que é até capaz de ir presa no lugar de uma
criminosa, não é? Onde você está com a cabeça? É apenas uma médica,
ninguém iria sequer ousar duvidar de você, mas agora não, já complicou tudo.
A recepcionista pode falar e...
- Dê férias a ela. – Falou voltando-se para ele. – Mande-a para fora da
cidade. Por acaso lhe passou pela cabeça o que iria acontecer no hospital,
caso a polícia tivesse encontrado isto naquele carro? Você já imaginou a
quantidade de policiais entrando e saindo de lá? Repórteres tentando farejar
alguma coisa que tenha passado despercebido à polícia?
Ele ficou olhando pra ela em silêncio.
- Acho que tem razão. Seria um grande problema para mim. –
Confessou caindo sentado na cadeira.
- Então salvei seu hospital de um escândalo. Você devia ficar
agradecido.
- E estou agradecido, mas o que vamos fazer com isto? – Perguntou,
apontando para a mala. – Pode ser uma assassina perigosa, para andar com
uma arma destas. É importada, sabia? – Perguntou, pegando a arma. – Alemã!
E estes dólares? Tem uma pequena fortuna só em dólares Nicole. O que vai
fazer com isto?
- Ainda não sei, mas no momento certo, me livrarei disto. O que
interessa agora é saber quem é Maria Felicetti.
- Farei o que pediu. Mandarei Telma para algum lugar distante, e vou
mudar a ficha também, mas quero que me prometa não se envolver demais
nesta história.
- Dou a minha palavra de honra.
- Você vai ao hospital amanhã?
- Darei uma passada lá à tarde. Aí conversamos melhor.
- Tá bom!
Renato se foi e Nicole riu do suspiro de Cristina, quando ela entrou na
sala. Logo Cristina ofereceu a bacia cheia de pipocas para a mãe.
- Nancy fez pipocas pra mim e guardei um pouco para você.
- E se eu preferir trocar as pipocas por um sorvete gigante?
- Você faria isto? – Perguntou deixando a bacia de lado.
- Vou fazer agora mesmo...
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
6
- O que acha de me deixar pagar os sorvetes com a minha mesada? –
Perguntou eufórica. – Você me deu uma fortuna esta semana.
- Desta vez, eu ainda posso bancar nossos sorvetes. Aliás, quem
convida é quem paga, certo?
- Legal. Vou colocar meu tênis e já venho. Podemos levar Nancy?
- Pode querida. Vou esperar vocês no carro.
Nicole viu um carro de polícia parado em frente ao hospital, quando
chegou à tarde seguinte. Ajeitou seus óculos escuros, entrou sem olhar para os
lados. Não pode evitar um sorriso ao perceber que a moça da recepção era
outra. Seguiu para o elevador tranquila.
- Nicole, que bom que veio! – Exclamou Renato, beijando-a com
carinho. – Sabe que quando a vejo ganho meu dia?
- Renato, não faça isto! – Pediu se afastando gentil.
- Não entendo o que mudou de uns anos para cá. Você era uma
simples estudante de medicina e vivia correndo atrás de mim. Depois se
formou, e nunca mais quis sair com seu professor preferido.
- Renato, nós já falamos sobre isto muitas vezes... Foi uma fase, eu
mudei. Depois que minha filha nasceu, vi a vida com outros olhos...
- E nem bem me desprezou, e começou a sair com outro, que lhe deu
sua filha. – Comentou magoado.
- Foi por isso que virou um ditador? Senti até pena da recepcionista,
quanto perguntei por você. A mulher gelou, ficou branca...
- Ninguém conhece nosso passado, e muito menos conhecem qualquer
fato sobre minha vida. Sou um médico responsável e não um jovem médico,
recém-formado. E você não tem direito de fazer críticas quanto à minha
conduta com meus funcionários!
- Muito pelo contrário Renato. Sei que sou a única pessoa que você
escuta...
- Só porque sou um idiota. – Rosnou aproximando-se da mesa e
pegando um laudo médico. – Vamos ao que interessa. Maria despertou esta
madrugada. Ainda precisa de uma transfusão de sangue, pois está muito fraca,
mas a operação foi um sucesso. Não posso lhe mostrar o tamanho das balas,
porque a polícia confiscou. Uma passou de raspão no pulmão e a segunda se
alojou acima da virilha...
Nicole arregalou os olhos. Estava imaginando uma bala acima da
virilha daquela beldade. Não podia e nem queria negar que seu interesse não
era só pela recuperação de Maria. Havia algo mais forte que uma preocupação
normal de médica.
- Não faça esta cara, a operação foi perfeita e Maria poderá levar uma
vida normal quando conseguir deixar este hospital.
- Ainda bem! Já vi pessoas perdendo partes primordiais do corpo. –
Comentou sentando e acendendo um cigarro. As pernas cruzadas com charme
e a graça com que segurava o cigarro atraíram a atenção de Renato.
- Tenho que admitir que você seja a mulher mais extraordinária que
conheci em minha vida.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
7
- Isto porque perde muito tempo olhando para mim. Se olhasse para as
outras que vivem diante do seu nariz, pensaria diferente.
- Bom, resumindo, é basicamente isto. Ela não pode sentar por
enquanto e tem que ficar na cama por mais duas semanas. Você conhece os
riscos de movimentos bruscos. Não queremos uma infecção agora, ela poderia
não suportar.
- Leve-a para a sua clínica, porque ficando aqui, pode pegar uma
infecção hospitalar num piscar de olhos. – Recomentou, dando de ombros.
- Não se esqueça que este hospital está sob minha direção, e sou
muito rígido quanto a este aspecto Nicole!
- Você é um dos melhores, mas não consegue estar em todos os
lugares a todo instante. Seria bem melhor!
- Você tem razão! Mas a novidade no caso é que a família está toda
aqui no hospital. Acaso você calcula quem seria Maria Felicetti?
- Claro que não, mas o sobrenome me parece familiar.
- Sim, a família Felicetti é dona do maior mercado de exportação de
navios do país. Lembra dos estaleiros Felicetti em São Paulo, Rio e Bahia? Os
poderosos da construção naval Nicole.
- Ah!
- E para reafirmar o poder que eles têm, a polícia se limitou a pedir as
balas, e concordou em esperar mais uma semana pela recuperação da Maria.
- Mas ela já esta consciente?
- Não, ela acorda e dorme novamente. Está fraca demais para
despertar com tanta facilidade. O efeito da anestesia também ajuda você sabe.
- Então ela não pode ser uma assassina, como você falou. Com
certeza as joias, os dólares e o revólver pertencem a ela, e isto não é estranho,
se tratando de uma milionária.
- Mas é estranho que tenha sido baleada em posse de coisas tão
suspeitas. A coisa é mais seria do que pensamos.
- Talvez sim. De qualquer forma, ela vai procurar pelos objetos quando
despertar e não vai perguntar para a polícia, é claro. – comentou rindo.
- Mas vai perguntar para mim.
- Exato Renato, e era justamente o que queríamos. Você dirá que ela
foi salva por uma desconhecida, que nem deixou o nome.
- E quando você entra na história?
- Antes que ela chegue até mim. Não acredito que vamos conseguir
enganar uma mulher poderosa como Maria Felicetti.
- Por mim ela não vai saber de nada!
- Obrigada Renato! Agora preciso ir. Ah! Vou passar o fim de semana
na casa de meus pais com Cristina. Se quiser falar comigo é só ligar.
- Claro que vou ligar. – Falou beijando-a no rosto. – Descanse
bastante, você precisa muito.
Nicole sentou para fumar um cigarro na sala dos médicos naquele
mesmo dia. Viu um jornal sobre a mesa e pegou passando a folheá-lo. Para
sua surpresa, viu na segunda página uma matéria curiosa. “A polícia não tem
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
8
nenhuma pista sobre o assalto na mansão dos Silveiras, na última quarta-feira.
Foi informado que os ladrões levaram joias valiosíssimas, todas, especialmente
com diamantes. Não é o primeiro assalto parecido. Já foram constatados mais
de quarenta neste ano. Só agora a polícia admite que a quadrilha seja
especialista em diamantes. Desta vez, levaram também dois mil dólares, o que
foge à regra da quadrilha. Ontem o inspetor de polícia do departamento de
furtos e roubos, declarou que não existe nenhuma ligação entre o assalto e o
estranho tiroteio na estrada Sul, que atingiu com duas balas a milionária Maria
Felicetti. Porém o inspetor não descarta a possibilidade de que o atentado
tenha sido ato da quadrilha. O assalto foi próximo à estrada Sul, onde reside a
distinta família Silveira. Sabe-se de concreto que a milionária Maria Felicetti foi
salva por uma mulher não identificada. Testemunhas confirmaram que deve ter
uns vinte e seis anos, é alta, morena e bonita. Outros afirmam que é uma
médica, pois foi assim que se identificou na portaria do hospital municipal.
Enquanto isto, a polícia tenta encontrar a testemunha, pois garante que é a
única forma de saber mais sobre o caso. Na semana que vem, Maria Felicetti
vai falar com a polícia, quando seu quadro clínico estiver melhor. A família tem
evitado dar entrevistas e o pai de Maria afirmou ontem na porta do hospital que
não pretende falar sobre o caso, por enquanto. Pairam muitas dúvidas no caso.
Resta aguardar o depoimento de Maria Felicetti e descobrir quem foi a mulher
que salvou a milionária na estrada Sul, na última quarta-feira”.
Nicole colocou o jornal de lado, passando a se vestir. Então Maria
estava próxima à casa assaltada. Mas se estava com os objetos do roubo em
seu carro, é porque devia estar envolvida no mesmo. Não havia uma
explicação para isso. Uma mulher rica, roubando joias era impossível. Só sabia
que não pretendia ser identificada pela polícia. Maria estava desacordada e
não a viu, quanto às testemunhas, nada poderiam saber, além de tê-la visto
rapidamente. Pensativa, Nicole subiu até a sala de Janette Damares, a diretora
do hospital.
Janette Damares abriu um largo sorriso, quando Nicole entrou em sua
sala.
- Como vai indo a minha mais promissora médica?
- Muito bem, Janette. – Sorriu, acendendo um cigarro. – Preciso me
afastar por duas semanas.
- Algum problema Nicole?
- Minha filha, ela anda tensa, muito nervosa mesmo, e decidi viajar com
ela por duas semanas. Fico pouco em casa, você sabe, o hospital me consome
todo o tempo, e ainda tenho que trabalhar na clínica.
- Por que trabalha tanto? Sei que seus pais são ricos, não entendo...
- Não posso depender dos meus pais a vida toda Janette. Tenho uma
filha e tenho que sustentá-la com o meu trabalho.
- Muito bem, posso lhe dar estas duas semanas. Faz quatro anos que
você não tira férias. Tem todo o direito.
- Obrigada Janette! Vou passar meus pacientes para Paulo. Deixarei
meu relatório na sua mesa amanhã.
- Não se preocupe com nada, apenas descanse bastante.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
9
Nicole sentia que tinha tomado à decisão mais acertada. De repente,
se dava conta que talvez Renato tivesse razão. Não devia ter pegado à mala,
mas já que o fez, precisava sair de circulação por alguns dias. Além do mais,
seus pais iriam adorar a ideia. Cristina daria pulos de alegria, e Nicole poderia
de fato, descansar depois de tanto tempo.
Jamais em sua vida, Nicole esteve tão ligada em jornais. Uma semana
tinha se passado, desde que esteve na casa dos pais. Maria Felicetti estava
bem melhor e deu a tão esperada declaração à polícia. Com poucas palavras
ela expôs que seu carro foi fechado numa curva e alguns homens atiraram
contra ela, inesperadamente. Contou também que estava voltando de uma
visita à casa de uma prima, que morava a dez metros da casa dos Silveira. Ela
não sabia de nada e não viu os homens que atiraram de perto. E nada foi
mencionado sobre a mala preta encontrada por Nicole.
Já no jornal da tarde, saiu na primeira página que tinham encontrado o
corpo de João Felicetti, irmão mais velho de Maria Felicetti. A autópsia
comprovou que o rapaz estava morto há sete dias com tiros na cabeça. Foi o
estopim que faltava ao caso. A polícia voltou a procurar Maria Felicetti, certos
de que havia algo mais. O corpo de João foi encontrado a poucos metros do
local onde o carro de Maria foi emboscado. Maria declarou o mesmo que os
pais. João Felicetti estava morando na Alemanha há dois anos, e nenhum
membro da família sabia que ele estava no Brasil, mas o mistério continuava,
afinal, João foi encontrado morto no mesmo local, onde Maria foi baleada. Era
estranha a declaração de Maria, pois contrariava os fatos. João Felicetti foi
morto no mesmo dia do atentado contra a irmã e no mesmo local, mas a
testemunha que a polícia procurava, simplesmente desapareceu. E as
descrições de Nicole, eram cada vez mais diferentes dela. Satisfeita, ela fechou
o jornal. Sabia que não conseguiriam chegar até ela.
Nicole percebia que talvez seu testemunho fosse importante, agora que
havia um assassinato no meio, mas o que poderia contar? Diria que achou a
mala e salvou Maria? Não viu nada. Como a própria polícia demorou uma
semana para encontrar o corpo de João no mato da estrada Sul. Não iria se
apresentar, de jeito nenhum. Só escondeu a mala para ajudar Maria. Não sabia
quem ela era e só se preocupou com um ser humano. Nada de pessoal e
agora precisava manter sua posição inicial. Quando fosse possível, poderia
devolver à Maria, sua mala.
As manchetes que Nicole leu no decorrer da segunda semana, eram
quase que unicamente sobre o assassinato de João Felicetti. A família
mostrava-se inconsolada. Maria não deu mais declarações se negando a
receber a própria polícia. Sendo assim, tiveram que convocá-la para depor na
delegacia, mas primeiro ela teria que sair do hospital. Na sexta, uma matéria
expunha claramente que a polícia não tinha nada de concreto, e dava o caso
quase que por perdido. A tal quadrilha tinha evaporado, juntamente com a
única testemunha de peso.
Renato telefonou no sábado à noite. Contou que Maria deixaria o
hospital na segunda.
- Ela não falou sobre a mala com ninguém?
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
10
- Nem uma palavra até agora. Aliás, ela não tem ajudado a polícia em
anda. Insiste que não viu nada. Só sabe que um carro cercou o seu e começou
a atirar sem parar.
- Ela te parece nervosa?
- Não! Parece estranho, mas está mais tranquila a cada dia.
- Talvez ela não saiba da mala...
- Ela parece não saber mesmo. É um doce de pessoa! Uma delicadeza
com os médicos e as enfermeiras. A paciente modelo que todos os médicos
gostariam de ter. Por sinal, não existe um paciente no hospital que ainda não
tenha caído de amores por ela.
- Por que não a levou para a clínica?
- Porque decidi cuidar dela pessoalmente.
- Bom, volto na segunda. Acho que as coisas estarão mais calmas.
- Evite vir ao hospital, pode ser reconhecida.
- Claro que não irei.
- Fui convidado para jantar na casa do Felicetti no próximo sábado.
Posso levar minha namorada. – Falou insinuante.
- O que acha se levasse uma grande amiga?
- Combinado.
- Vejo você logo!
Maria Felicetti suspirou quando o pai ajudou-a a deitar em sua cama.
Estava em seu quarto, em seu lar. Pensou, olhando em volta. O pai saiu,
deixando-a sós. Maria acendeu um cigarro, relaxando. Ainda estava bastante
chocada com a morte de João. Tudo aquilo era uma loucura. Mentiu para
polícia, ao afirmar que não sabia que o irmão estava no Brasil. Ficou sabendo,
justamente naquela quarta-feira. Recebeu o telefonema dele cedo.
- Maria sou eu. Podíamos nos encontrar com urgência?
- João?! Quando voltou da Alemanha?
- Cheguei faz uma semana. Não podia ligar antes, tive alguns
problemas para resolver.
- Gustavo veio com você?
- Gustavo voltou há quatro meses. Vim para buscá-lo.
- Mas o que está acontecendo? Pensei que estavam juntos...
- Estávamos... Mas ele me deixou para ficar com outro. Eu preciso de
você, mas não conte para ninguém que vem me ver.
- Onde você está?
- Em Cabo Frio. Estou em nosso apartamento. Ninguém me viu aqui.
- Mas porque tanto mistério?
- Venha logo, eu lhe conto quando chegar.
Maria encontrou o irmão uma hora mais tarde. Ele estava nervoso, ia à
janela a todo instante, enquanto falava com ela.
- Já encontrou Gustavo?
- Sim, estou esperando por ele. Prometeu que viria as dez e já são
onze horas.
- Por que ele te deixou?
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
11
- Não sei. Deixou uma carta dizendo que não gostava de viver na
Alemanha. Achei que ele iria voltar, mas não aconteceu assim. Liguei pra ele
várias vezes, mas era sempre um homem que atendia. Então decidi vir vê-lo.
- E então?
- O que você acha? O peguei na cama com outro.
- E o que fez?
- Bati nos dois, claro! Gustavo me pediu perdão. Sou um fraco por ter
aceitado tudo, sem protestar. Estamos juntos novamente e vamos embarcar
hoje à noite.
- Qual o problema afinal?
Maria ouviu o irmão em silêncio. Uma hora mais tarde, Gustavo chegou
muito agitado. “A mala? O que terá acontecido?” Talvez eles a tenham pegado
depois de atirarem contra ela. Perdeu os sentidos e não viu mais nada. João
vinha logo atrás com Gustavo. Seu carro derrapou assim que levou o primeiro
tiro. Maria se lembrava dos gritos do irmão, ao saltar do carro, correndo em sua
direção.
Uma batida suave na porta tirou Maria de seus devaneios. O pai surgiu
com o inspetor de polícia.
- Minha filha, se importa de atender o inspetor por alguns instantes?
- Sente-se inspetor. – Pediu apontando a cadeira. – O que deseja?
- O que foi fazer em Búzios na quarta-feira?
- Ver uma prima. – Falou muito séria.
- Temos que falar com ela para confirmar. Sinto, mas temos que provar
cada dado que temos.
- Perfeitamente. – Sorriu olhando para o pai. – Papai lhe dará o
endereço.
- Quando cercaram seu carro, não percebeu antes que estava sendo
seguida?
- Primeiro tomei um tiro, e só depois vi o carro.
- Então eles podem ter vindo pela frente?
- Não sei de onde vieram só sei que surgiram atirando para todos os
lados.
- E seu irmão? Não estava com a senhorita?
- Já disse que estava sozinha. O que mais deseja que eu diga? Não
posso resolver o caso para a polícia, não posso contar coisas que não vi.
- Por favor, senhorita, acalme-se. Creio que não é o momento para
este interrogatório. Vou aguardá-la na delegacia.
Mal o pai saiu com o inspetor, o telefone tocou. Maria viu a luz azul
acendendo, sinal de que era para ela. Estendeu a mão, pegando o aparelho.
- Alô!
- Como está se sentindo em sua cama? – Perguntou uma voz sedutora
do outro lado da linha.
- Beatriz? Que saudade de sua voz!
- Só de minha voz? Mas que horror minha querida o que fizeram com
você além de furar todo o seu corpo de balas?
- Ah Beatriz, porque não voltou ao hospital?
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
12
- A polícia proibiu a entrada em seu quarto meu anjo. Ainda bem que
saiu de lá. Irei vê-la hoje à noite. Continua estourada?
- Você sabe que preciso de mais uma semana de cama. Eles me
acertaram de jeito. – Riu brincando com o fio do telefone.
- Ainda bem que atiraram mais em cima, seria um grande problema, já
pensou?
- Não fale assim, já me sinto horrível demais para ouvir isto de você.
- Mas se sou sua amante. Tenho que lhe dizer o quanto estou feliz por
não ter sido mais grave do que já foi.
- Está tudo bem! Nada foi... Afetado Beatriz...
- Não permitirei que minta para mim Maria!
- Olhe Mancel só me recomendou repouso. Ele disse que terei que
fazer outra operação na semana que vem. O que mais deseja que lhe diga?
- Era o que desejava ouvir, verei você à noite. – Falou desligando.
Renato sorriu admirado com a beleza de Nicole. Aceitou o drinque que
ela lhe entregou e sorriu novamente.
- Está preparada para ver Maria Felicetti?
- Inteiramente preparada!
- Muito bem, então podemos ir se quiser. Disse virando seu drinque.
Nicole estava preparada para encontrar uma Maria completamente
recuperada, mas o que viu foi o contrário. Nicole ficou muda ao lado de Mancel
que beijava a mão de Sara depois a de Maria. Encontravam-se na sala. O pai
de Maria, Antônio, estendeu a mão para Mancel com um grande sorriso.
- Então trouxe a sua namorada, como sugeri.
Mancel sorriu voltando-se para Nicole. Maria voltou-se também,
encarando-a pela primeira vez. E pasmou diante da mulher de infinitos olhos
negros, que a olhava atônita.
Quero apresentar Nicole Rossi, minha amiga de muitos anos.
Nicole olhava para a cadeira de rodas confusa. Voltou-se para Renato
lançando um olhar fulminante sobre ele.
- Discuti o caso de Maria com Nicole e acredito que posso confiar em
sua perícia. – Informou sem deixar de encarar Nicole.
- Muito prazer senhorita. – Disse Antônio feliz.
Sara se adiantou beijando-a no rosto com afeto.
- Qualquer um que puder ajudar minha filha será bem-vindo em nossa
casa.
Nicole não conseguia reagir. Seus olhos encontraram os de Maria. Não
pensou que ela tivesse um olhar tão triste. Como também não fez jus à beleza
real que ela possuía. Era muito, mas muito mais radiante agora.
- É um grande prazer conhecê-la, Nicole. – Disse Maria, estendendo a
mão num impulso. – Preciso confessar que me sinto mais segura nas mãos de
uma mulher. A operação é muito delicada.
- Sim, delicado ao extremo. – Conseguiu dizer ao apertar a mão dela.
Não.
Não havia mais nenhum mistério ali. Renato escondeu a verdade,
porque sabia que se lhe contasse, ela não teria ido. E a escolheu para operar
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
13
Maria, por que conhecia seu trabalho e tinha certeza que se não fosse ela,
poderia cometer um grande erro.
- Bem, sentem-se. Vou mandar servir os drinques. – Informou Sara,
animada.
Nicole estava muito impressionada, mas estava bastante irritada com
Renato, por ter sido enganada. Sentou ao lado dele, mas se voltou para Maria
perguntando muito sério:
- Tem sentido muito dor?
- Mancel foi gentil, cedendo à morfina. Se não fosse isto, não sei se
daria conta. – Contou, dando um sorriso lindo.
- Morfina? – Repetiu voltando-se para ele, admirada.
- É a dor, Nicole... – Parou, olhando há por um instante. – Existe uma
terceira bala!
- Ah... Mas...
- Vejo que não foi inteiramente franco com a senhorita Nicole, Mancel.
– Interrompeu Maria, pegando um cigarro. – Pois me deixe falar. Na verdade,
só souberam da terceira bala quando comecei a me queixar que a dor estava
aumentando cada vez mais. Uma radiografia mostrou a terceira bala, mas
como sabe a polícia não tem dado paz. Se isto fosse divulgado, eu teria que
explicar melhor os fatos. – Parou, sorrindo. – A bala está alojada em meu útero.
Nicole abriu a boca, levando o drinque aos lábios. Pensou por um
instante, que seria muito ariscado operar nesta altura e se voltou para Mancel.
- Pensou na possibilidade de deixar a bala lá?
- Sim, mas ela não vai aguentar – Disse sério.
- Já infeccionou não foi Mancel? – Agora a pergunta foi num tom duro.
– Você sabe o que pode acontecer? Ela pode morrer caso mexa na bala.
- Por isso escolhi você! É a melhor nesta área.
- Mancel, você não devia ter deixado passar tantos dias...
- Desculpe senhoria, mas concordamos com Mancel, quanto a deixar
passar as duas primeiras semanas. Maria tem aguentado bem com ajuda da
morfina. Amanhã iremos à polícia, e depois ela poderá ser operada, sem que o
fato seja descoberto.
- Talvez não saiba senhor Antônio, mas uma bala dentro de um corpo
pode causar vários estragos...
- Pode também ficar lá para sempre, sem prejudicar em nada. –
Acrescentou Mancel, tenso. – Você tem consciência disto, melhor do que eu.
- Concordo com você Mancel, mas não conheço nenhum caso de que
uma bala ficou no útero de uma mulher sem matá-la rapidamente. O que estou
tentando dizer é que temos que tirar esta bala o mais rápido possível...
Maria, recostada na cadeira de rodas, fumava ouvindo Nicole
atentamente. Ninguém ali podia calcular como se sentia. Não teve nem
coragem de contar para Beatriz. Como poderia dizer que não poderia estar
com ela, enquanto não estivesse inteiramente curada? E como dizer, que
talvez não resistisse à operação, já que a infecção estava aumentando? Mas
uma esperança estranha renasceu em seu íntimo, ouvindo Nicole falar.
Analisava muito bem aquela mulher sentada a sua frente. Tinha pulso, e via-se
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
14
logo que ela estava furiosa com Mancel. Não saberia dizer se eram amantes.
Mancel por seu lado, lançava olhares apaixonados, mas não era retribuído
como devia acontecer. Nicole era diante dos olhos de Maria, uma destas
mulheres fortes, que comandam com graça e força, em qualquer área que se
envolva. Maria era uma mulher fiel, até mesmo incapaz de trair qualquer que
fosse seu parceiro, mas ali diante de Nicole, sentia uma emoção explodir
dentro de si. E soube que seria capaz de se envolver com ela, esquecendo
todos os seus escrúpulos. Teria um imenso prazer em poder segurar aquele
rosto e beijar aqueles lábios apetitosos.
- Posso operá-la na segunda-feira, ás nove da noite, em sua clínica
Mancel. Pode preparar tudo para mim?
- Sim, amanhã providenciarei todos os exames e prometo que os terá
nas mãos na segunda à tarde. Discutiremos depois que avaliar a situação
melhor.
- Faz quantos dias que está tomando morfina?
- Dez dias exatamente!
- Pois pare de tomar na segunda. A última dose deve ser ingerida no
domingo, compreendeu Maria?
- Perfeitamente. Mas o que farei com a dor até a hora da operação?
- Aguente a dor. – Respondeu, olhando-a fixamente. – Acha que é
capaz?
- Sim, sou capaz.
- Agora podemos passar à mesa. – Informou Sara, fazendo um sinal
para os criados, que estavam em pé do outro lado. – Podem servir.
Mancel conduziu a cadeira de rodas até a mesa. Todos sentaram no
exato momento em que a companhia tocou. Maria ergueu os olhos, olhando na
direção da porta. Beatriz entrou ao lado do mordomo.
- Boa noite!
Passaram às apresentações formais. Depois Beatriz sentou ao lado de
Maria, segurando-lhe a mão, sem inibições.
- Está pronta para outra Maria?
Maria suspirou, forçando um sorriso, mas antes que falasse, Nicole
interrompeu, percebendo a situação.
- Maria não está senhorita, ela está na metade do caminho!
Beatriz se voltou encarando a médica com mais atenção. Notou a
beleza rara da mulher e sorriu comentando:
- Eu tinha certeza que o local era muito delicado.
- Sim, infelizmente. – Respondeu, olhando-a com interesse. Era a
mulher de Maria, um fato novo para Nicole. Viu claramente o desapontamento
da mulher, diante de suas palavras. – Espero poder salvá-la com a operação!
Porque enganar a mulher? Estava acostumada a ser direta com seus
pacientes. Eles confiavam mais nela, quando não os enganavam.
- Bem, vamos aguardar os resultados. – Comentou, beijando o rosto de
Maria. – Estarei ao seu lado para o que der e vier.
- Obrigada Beatriz, vou precisar de apoio.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
15
Nicole percebeu o quanto estava frágil. Aceitou tudo que serviram em
seu prato, distraída. Observava as duas conversando baixinho. Beatriz era
extremamente carinhosa. Engraçado era que os pais de Maria pareciam adorála.
Sara conversava com Beatriz muito animada. Antônio mantinha a taça de
vinho dela, constantemente cheia. E Maria tinha um sorriso brilhante no rosto
para todos, mas Nicole sabia que por dentro, não devia estar tão tranquila.
Ninguém estaria numa situação como a dela.
Ao final do jantar, Nicole percebeu o quanto Maria estava pálida.
Aproximando-se, empurrou a cadeira de rodas até a sala. Ninguém disse nada,
quando Nicole a retirou da mesa em silêncio. Na sala, Nicole se inclinou
olhando-a mais atentamente.
- Quando tomou a última dose de morfina?
- Hoje, ás duas da tarde. – Disse, apertando a mão que tremia muito.
- Então, já podia ter tomado outra, são onze horas da noite. Está no
seu quarto?
- Sim, se me levar até lá, poderei pegar.
- Claro. – Sorriu, seguindo o caminho que Maria indicava. No quarto,
Nicole ficou esperando, enquanto ela abriu uma gaveta e retirou a droga com
uma seringa.
- Poderia me ajudar a deitar? – Pediu, sentindo o corpo bambo. –
Quando me lembro que há duas semanas não tinha a menor dificuldade em me
locomover, fico louca.
- Sei como é. – Sorriu, ajeitando-a na cama. – Existe o problema maior
com a sua amiga não é? – Perguntou indo preparar a dose.
- Não tive coragem de conta a ela.
- Não deve se preocupar, eu a deixarei nova Maria, ou...
- Gosto da sua franqueza. – Sorriu timidamente. – Sei que posso
morrer.
- Também não costumo perder paciente meu não, sou dura neste
ponto. – Falou voltando com a seringa na mão. – Me dê o braço.
- Deve viver cheia de cuidar de doente a todo instante, Nicole.
- Gosto da minha profissão. Creio que nasci para salvar pessoas.
- E isto te completa totalmente? – Perguntou, buscando os olhos dela
com interesse. – Os médicos também têm sua vida particular. São casados,
têm filhos.
- Não sou casada, mas tenho uma filha de dez anos, chamada Cristina.
– contou, aplicando a droga com as mãos firmes.
Maria desviou os olhos percebendo que eram diferentes. Mas algo lhe
dizia que tinha algo a ver. Sentia como que uma afinidade com Nicole.
- O casamento é uma prisão da qual desejo escapar, não admito certas
regras impostas por homens comuns, como todos os outros.
- Percebi que seus pais aceitam sua amizade sem problemas. Deve ser
tranquilizador para vocês.
- É bem mais cômodo sim. – Sorriu, fechando o braço dolorido.
- Vai se sentir melhor logo. Agora vou deixá-la descansar...
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
16
- Não vá ainda doutora. – Pediu com o sorriso encantador nos lábios. –
Não que conversar mais cinco minutos?
- Sem problemas. – Concordou, sentando na cadeira e pegando um
cigarro. – Desde que não esteja incomodando você. Deve ter sido uma
experiência assustadora, o que aconteceu Maria.
- Foi horrível. Pensei que não escaparia com vida.
- Talvez tenha inimigos...
- Não tenho inimigos. – Riu junto com Nicole. – É uma história muito
estranha, mas me recordo e fico um pouco perdida. Parece que foi apenas um
sonho.
- Como naqueles romances que lemos às vezes? Personagens
fantásticos correndo atrás de joias e lutando contra o tráfico de drogas. –
Comentou o mais natural que pode. Algumas vezes, a fantasia se mistura à
realidade.
- Só que foi tudo bem real. Perdi um irmão, e nem assim a polícia
respeita minha dor. – Desabafou baixinho.
- Você o viu morrer? – Fez a pergunta no tom mais tranquilo do mundo.
Maria olhou-a mais detidamente. “Será que ela não leu os jornais?” Disse à
polícia que não sabia que João estava no Brasil.
- Disse à polícia que não sabia que João estava no Brasil.
- Oh sinto muito, deve ter saído em todos os jornais do país, mas
nunca leio jornais. Há dias que seria capaz de pagar para ter algum tempo
livre, mas não consigo nunca.
- Trabalha muito?
- Muito mesmo. Minha filha que o diga! Ela se queixa demais. Quando
ela crescer mais, vai entender que em minha profissão, o tempo vale ouro. Um
segundo perdido, significa uma vida que se vai.
Desta vez, falou olhando Maria no fundo dos olhos. Tinham se
conhecido num destes momentos cruciais da vida. Talvez, se não fosse Nicole
passar pela estrada Sul, Maria já estivesse morta. Nicole sabia da importância
do tempo, afinal, lidava quase sempre com o elemento crucial, chamado
simplesmente TEMPO! Conhecia o apagar dos minutos num corpo humano,
sentia uma ligação profunda com o tempo, dependia dele diariamente para
salvar vidas.
- Talvez se não tivesse sido socorrida a tempo, não estaria aqui agora.
– Falou feliz. – Sou grata à mulher que me salvou, muito mesmo.
- Acredito que cada ato de caridade é muito bem recompensando para
quem o pratica. Com certeza, esta mulher terá algum desejo realizado.
- Tomara que sim.
- Bem, eu preciso ir. Você tem que descansar. – Falou se erguendo. –
Vejo você na segunda. Aguente firme a dor, tudo vai ficar bem.
- Obrigada por ter me feito companhia.
- Vou dizer á sua amiga que você deseja vê-la.
- Obrigada!
Beatriz entrou com um largo sorriso. Foi logo dizendo, animada:
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
17
- Você conseguiu a médica mais linda que já vi em toda a minha vida.
Seria até capaz de adoecer para que ela cuidasse de mim.
- É uma pessoa muito boa.
- Boa em todos os sentidos, Maria. – completou, beijando-a nos lábios,
com carinho. – Será que ela vai permitir que eu fique do seu lado quando a
operar?
- Você sabe onde será a operação? – Perguntou, pegando um cigarro.
– Estou mais estourada do que te contei.
Beatriz se afastou, olhando-a com tristeza. Gostava muito de Maria e
não queria vê-la sofrendo.
- Onde?
- No útero... Por isso não consigo ficar muito sentada. – Contou,
virando o rosto para o outro lado. – Além da bala, tem a infecção que está
aumentando dia a dia.
- Mas deixaram uma bala logo aí? – Gritou, atirando jarro cheio de
rosas longe. – Malditos, carniceiros...
- Beatriz, por favor, não faça isto. – Gemeu, caindo num pranto sofrido.
- Me perdoe querida... Perdoe-me. – Implorou, abraçando-a com
carinho.
Nicole olhou para os pais de Maria, confusa. Os gritos de Beatriz
chegaram até eles quando se despediam na porta da casa. Antônio forçou um
sorriso, explicitando:
- Espero que perdoem Beatriz, ela gosta demais de Maria. São amigas
há seis anos.
- Compreendo perfeitamente, o tipo de união que sua filha tem com
Beatriz, senhor Antônio, mas sugiro que tenha uma conversa com ela. Não é
bom agir assim diante de Maria, ao que sei, um paciente nas condições dela
fica muito sensível. É preciso ter tato!
Nicole não pode deixar de expor sua opinião, a se ver incluída
naqueles carniceiros. Não era aquilo, era uma médica consciente e
extremamente séria.
- Nós nos veremos amanhã. – Falou Mancel estendendo a mão para os
donos da casa.
- Boa noite! – Disse Nicole seguindo para o carro.
Não trocaram uma única palavra, até Renato deter o carro diante da
casa de Nicole. Ela acendeu um cigarro, sem olhar para ele. Renato suspirou,
começando:
- Olhe...
- Você foi sujo Renato, sabe... Foi a pior coisa que já fez comigo!
Esteve me enganando este tempo todo, dizendo que ela estava melhor... E
sobre a infecção? Deixou que chegasse a este ponto. Você colocou uma
bomba em minhas mãos. Imagine, se Maria Felicetti morre em minhas mães? –
Gritou, batendo na porta.
- Nicole, você nunca perdeu o controle assim! Mas sabe que nas
circunstâncias do caso, tinha que ser exatamente assim. Só errei em não te
contar, mas se o tivesse feito você nem iria lá comigo.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
18
- Claro, a mala está aqui! Claro que tem sujeira nesta história. E pensar
que só queria salvar a mulher à beira da morte.
- E quando a salvou, tornou-se responsável por ela!
- Oh claro: “Você se torna responsável por aquela que cativa”. Oh
Mancel, o que pensa que está fazendo? A pobre moça pode morrer quando
tocar naquela bala. Será que não percebe que se ela morrer em minhas mãos
não vou superar isto? Eu me sinto realmente responsável por ela, eu a salvei
da morte, e você está me obrigando a salvá-la novamente. O que pensa que
sou: tenho sentimentos, seu...
- Me perdoe, era você ou nada! Você é a melhor, pode salvá-la, eu sei.
– Falou, abraçando-a com carinho. – Estarei do seu lado, prometo que lhe
darei toda a força possível.
Mais calma do que nunca, Nicole passou à tarde de segunda,
discutindo os exames de Maria com Renato. Maria teria que ser mesmo
operada com a maior urgência. Nicole tinha pensado sobre o local atingido no
domingo. Estava brincando com a filha e tentando imaginar a cena. Para
Nicole, o responsável pelos tiros devia ter saído do carro caminhando até o de
Maria. Deve ter aberto a porta e começou a atirar. Ele disparou os dois
primeiros na região da virilha e o terceiro tentando atingir o corpo de fato, para
agüentar três cargas, e ainda conseguir escapar. Por isto, ela não queria que a
polícia soubesse, pois não havia tiros na lataria do carro. De qualquer forma, a
história toda estava muito nublada. Por outro lado, a polícia não tinha
testemunhas, e nada podia fazer contra a maior vítima. Teriam sim, que tentar
encontrar o responsável por aquela crueldade contra uma mulher tão divina.
Voltando à realidade, ela perguntou a Renato distraído:
- Será que o homem que atirou em Maria, teve tempo de perceber a
beleza dela?
- Nicole, isto é ridículo! Queriam acabar com ela e não levá-la para
cama – Falou admirado. – O que está pensando, afinal?
- Nisto, que ele não deve ter notado a beleza dela, Renato.
- Ah! Você é louca! – Rosnou nervoso. – Era só o que me faltava, que
você despertasse para o lado atrativo de Maria agora.
- Ciúmes de mim? Não tenha, eu nem te ligo. – Comentou tranquila. –
Somos e seremos eternos amigos.
- Infelizmente Nicole. Gostaria de ser bem mais do que isto. Aliás,
gostaria de voltar o passado.
Nicole ficou em silêncio. O passado ao lado dele tinha sido
maravilhoso. Mancel era um homem incrível. Tinham se amado muito, mas
acabou pra ela. Conheceu outros homens e o esqueceu sem perceber. Quando
se deu conta, estava vivendo uma mentira. Voltando-se para ele, Nicole falou,
pegando-o de surpresa:
- Gostaria que você conquistasse minha filha. Acho que seria um pai
perfeito para qualquer criança. Mas não pense que estou lhe dando uma
esperança. É que Cristina sente falta de um pai! – Falou, olhando-o com
atenção. – Se importa de fazer isto por mim?
- Eu adoraria fazer isto. – Concordou feliz. – Pode deixar comigo.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
19
- Obrigada Mancel, tenho certeza que vão se dar muito bem, depois do
choque inicial.
- Por que será que ela me rejeita?
- Ciúmes, crianças sentem ciúmes em excesso dos pais, mas você se
sairá bem.
Nicole recebeu Maria às seis da tarde na clínica. Os pais e Beatriz
vieram juntos. Estavam nervosos e Nicole percebeu que estavam passando
isso para Maria.
- Mancel vai providenciar acomodações para vocês. – Informou,
olhando para Maria, preocupada. – Muita dor?
- Nem tenho como explicar... Parece que vou desmaiar...
- Deixe-me ficar com ela. – Pediu Beatriz, agarrando o braço de Nicole.
– Prometo que não vou atrapalhar.
- É Impossível Beatriz! Não posso permitir mesmo. Não está sendo fácil
para ninguém. Agora preciso levá-la.
Com ajuda de duas enfermeiras, Nicole deitou e despiu Maria no
quarto. Depois dispensou as mulheres, aproximando e afastando o lenço do
corpo escultural. Nicole estacou, admirando cada pedaço daquele corpo. As
cicatrizes das duas outras operações estavam cicatrizando bem. Desceu os
olhos para os seios, depois para os cabelos crespos, acima do sexo e depois
para as pernas. Maria a observava, muda de timidez.
Nicole pegou um pincel atômico e se aproximou, olhando-a nos olhos
por alguns instantes. Percebendo sua tensão, riu falando:
- Nunca me esqueço da primeira vez que fui ao ginecologista. Aquilo foi
a pior tortura, as quais me submeteram aos quinze anos de idade.
Sinceramente, me senti violentada por aquele médico, que media dois metros
de altura.
- Você disse a ele o que sentia? – Perguntou baixinho.
- Não, mas se fosse hoje, eu diria sem sombra de dúvidas. – Nicole se
inclinou, traçando o local exato onde iria abrir. Distraiu-se, sem perceber que
Maria travava uma luta íntima, tentando falar algo para ela. Só ouviu-a
chamando-a, minutos depois.
- Nicole?
- O que foi?
- Estou me sentido...
- Sim? Diga como está se sentido... – Pediu, acariciando os cabelos
dela com ternura. – Pequena?
- Estou me sentindo estranha. Sinto medo... Vergonha... Sinto uma
sensação parecida com a que sentiu com o seu ginecologista, nos seus quinze
anos. – Desabafou com lágrimas nos olhos.
- Tenho consciência do que está sentindo Maria, mas precisa saber
que agora é diferente. Olho para o seu corpo, porque preciso ver a gravidade
da situação. Acho que a cicatrização está sendo perfeita. A primeira coisa que
temos que fazer juntas é conquistar a confiança uma da outra. Se eu operar
você neste estado, pode dar tudo errado. Por que não me conta o que vai fazer
primeiro, depois que ficar boa?
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
20
- Acho que vou dar uma volta a pé pela cidade. Mais tarde irei jantar
fora e talvez passe a noite acordada olhando o mar. – Falou feliz.
- Então que tal marcarmos um jantar para este dia? Seria um grande
prazer andar pela cidade com você e depois entrar um restaurante, sabia?
- Aceito.
- E depois?
- Talvez possa namorar um pouco com Beatriz, acho que estarei
preparada para isto, não acha? – Perguntou, um tanto sem jeito.
- Sexualmente, você será normal. Darei a você um diagnóstico
detalhado, depois da operação. Aparentemente, nada foi afetado tão
gravemente. É isto que te preocupa tanto com relação à Beatriz? Foi por isto
que não contou a ela sobre a terceira bala?
- É. Ela ficou preocupada! Chegou a dizer que estava aliviada por
terem me atingido mais em cima...
- Eu teria dito a mesma coisa, se você fosse minha namorada. –
Respondeu, cobrindo-a com o lençol. – Em meia hora virão dar a anestesia. Aí
só voltaremos a nos ver amanhã.
- Então até amanhã, doutora.
- Até amanhã Maria. – Sorriu, deixando o quarto.
Nicole estava fumando na sala dos médicos, pensativa. Aquela
operação era arriscadíssima. Se alcançasse sucesso, sentiria a maior alegria
do mundo. Caso fracassasse, seria uma prova do que dissera aos pais de
Maira. Por outro lado, ia operar alguém com quem tinha certo envolvimento.
Sabia de coisas que ninguém sabia, além dela e Maria. Tinham esta ligação
traçada pelo destino. E havia a outra ligação, que Nicole já começava a admitir
para si mesma. Estava profundamente a traída por Maria, desde o instante em
que a viu caída na estrada. Já admitia também, que foi mais por isso que
decidiu esconder a mala. Não queria que aquela beldade se visse em maus
lençóis, mas havia Beatriz e Maria parecia muito envolvida. Por isto, era melhor
esquecer seus anseios e agir simplesmente como a média que era.
Assim, com este espírito de que era simplesmente uma médica certa
do que fazia, Nicole iniciou a operação mais difícil de sua vida. Mancel estava
ao seu lado. Estava tenso. Sua respiração soava pesada ao lado de Nicole. A
infecção estava bem alastrada, ao lado do útero, mas o que chocou toda a
equipe médica, reunida em volta da paciente, foi à bala de seis centímetros,
que surgiu enterrada na parede do útero. Nicole suspirou, olhando para
Mancel.
- Parece que afundou mais com os movimentos que ela andou
fazendo.
- Se isto ficar aí, ela vai morrer. Tenho que tirar.
Nicole pegou a pinça com as mãos firmes. Foi fácil agarrar a bala, mas
quando puxou, ela nem se moveu. Pediu o bisturi, tendo que cortar um pedaço
da parede do útero, para soltar a bala. Na segunda tentativa a bala saiu fácil.
Os aplausos ecoaram na sala, mas Nicole não sentia o alívio que todos
demonstravam. Primeiro tinha que deter a hemorragia para depois respirar
melhor. Olhou para o relógio. Duas horas tinham se passado, desde que
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
21
começou a operar. O tempo, novamente sentia que tinha que contar com ele.
Profundamente consciente da gravidade da situação, Nicole passou a travar
uma batalha com a hemorragia. Mancel se aproximou, auxiliando rapidamente.
Nicole olhou para ele por alguns instantes e sorriu, suspirando. Limpou o local
e fechou com ajuda das enfermeiras. Quando terminou, olhou para Maria por
alguns instantes.
- Levem-na para o quarto. Amanhã cedo vamos removê-la para casa.
Passarei esta noite ao lado dela. Você dá uma passada lá em cima para mim
Mancel?
- Mas é claro! – Disse eufórico. – Eu sabia que você iria conseguir.
Nicole pegou a bala e colocou no bolso.
- Acho que ninguém vai desejar esta bala, então é meu troféu. – riu,
deixando a sala. – Parabéns, Mancel, você foi ótimo.
- Operar ao seu lado, é sempre uma grande aula. Só estranho que eu
tenha sido seu professor para chegar aqui. Eu te ensinei mais do que sabia.
- Eu sempre quis saber além do necessário, estudei muito Renato. Que
tal um café?
- Eu lhe darei uma dose de uísque, de presente. Você merece! – Riu,
seguindo para sua sala, abraçado a ela. – Meu Deus, eu borrei as calças,
acredita?
- E como não!
Nicole estava em pé, ao lado da janela. Na cama, Maria não dava nem
sinal de que iria acordar, mas respirava normalmente. Nicole estava feliz.
Olhou para a bala que apertava na mão e sorriu. Tinha salvado mais uma vida
e isto tinha o poder de abrandar sua solidão. A medicina era sua vida. Renato
foi seu primeiro amor. Depois dele, alguns casinhos rápidos. Até então, nunca
com mulheres. Há quatro anos que não fazia amor com ninguém. Talvez a
palavra certa fosse sexo mesmo. Há quatro anos que não sentia um corpo
colado ao seu na cama. Foi mais importante à profissão. Tinha que admitir que
não encontrou a pessoa certa depois de Renato. Sua vida ao lado da filha lhe
bastava. Pensava às vezes, que ninguém mais seria capaz de atraí-la, mas
estava errada. Maria estava ali, para provar o quanto esteve se enganando.
A enfermeira entrou, depois de bater levemente na porta.
- A ambulância está pronta doutora. – Informou baixinho.
- Podem levá-la. Muito cuidado com ela, enfermeira.
- Sim, doutora.
Guiando seu carro pela cidade, que começava a despertar, Nicole
sentia o peito explodindo de emoções loucas. Não sabia explicar, mas tudo que
sentia estava fortemente ligado á Maria. Parecia uma adolescente
inconsequente. Parou o carro diante do portão de Maria. Logo o porteiro a
deixou passar. Quando ela entrou, Antônio surgiu branco, diante dela.
- Onde está minha filha, Nicole?
- Está chegando, não se preocupe. Creio que Mancel informou que a
operação foi um sucesso não?
- Sim, mas mesmo assim, não conseguimos pregar os olhos.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
22
Nicole percebeu que sim, quando Sara surgiu ao lado de Beatriz. Neste
mesmo instante, a ambulância parou diante da porta. Rapidamente, Maria foi
removida em uma maca até o seu quarto. Nicole deixou que a família subisse
primeira. Ficou sentada na sala, até que Antônio desceu, sorrindo feliz:
- Nem sei como falar doutora...
- Sei como se sente senhor Antônio, mas Maria ainda não está
recuperada. Será preciso muito cuidado e atenção com ela. Sugiro que
contrate uma enfermeira particular. Vou falar com Mancel e ele indicará
alguém. Vou apenas dar uma olhada nela agora, mas voltarei à noite.
- Sim, claro! – Riu, subindo com ela te o quarto.
Depois de se certificar de que Maria estava bem, Nicole se foi. Estava
arrasada e tinha que dormir um pouco, mas antes teve que dar mil explicações
para Cristina. Só depois conseguiu dormir tranquila.
Nicole deu uma passada à noite na casa de Maria. Beatriz tinha ido
tomar banho, e claro, Nicole preferiu que fosse assim. Tinha falado com Mancel
pelo telefone sobre a enfermeira e gostou de ver que ele já tinha tomado às
providências. Quando entrou no quarto, a enfermeira Rute veio ao seu
encontro.
- Não sabia que Mancel iria mandar você Rute, mas estou feliz que a
tenha escolhido.
- Tenho muita pratica nestes casos doutora. – Informou sorridente. –
Maria despertou às onze horas. Dormiu a tarde toda, e voltou a acordar agora.
- Ótimo. Como está a pressão? – Perguntou, caminhando até a cama.
Maria abiu um meio sorriso triste, mas ficou apenas olhando para ela.
- Oito por doze. Ela está com um pouco de febre, mas já apliquei a
medicação indicada. Se me permite, os pontos estão perfeitos, doutora.
- Obrigada! E então Maira, como vai indo? – Perguntou, sentando na
cadeira ao lado dela. – Feliz por me ver novamente?
- Nem calcula o quanto doutora. – Disse, piscando um olho. –
Obrigada...
- Não fale muito, deixe que eu fale por nós duas. Você é durona, sabe?
Tem uma vontade de viver que anima a gente.
- Mas se foi você que transmitiu isso para mim! – Riu divertida! – Fiquei
bem mais calma depois daquela nossa conversa.
- E o jantar, ainda está de pé?
- Mas é claro, logo que eu puder sair desta cama terrível.
Nicole olhou em volta, observando o quarto. A enfermeira Rute estava
sentada numa poltrona e tinha as pernas cruzadas com charme. Um belo par
de pernas admitiu Nicole sorrindo. Rute tinha apenas vinte e cinco anos, sendo
a enfermeira mais paquerada do hospital. Nicole sempre trabalhava com ela.
Era uma das mais profissionais que conhecia. E Rute era muito séria também.
Não dava bola para nenhum dos médicos que viviam correndo atrás dela.
- Gostou da enfermeira Rute? – Perguntou, encarando Maria
novamente.
Maria olhou para a enfermeira e sorriu.
- É uma bela visão, para alguém preso numa cama doutora.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
23
- Isto lhe dará forçar para se recuperar mais rápido. Os veterinários
costumam usar este tipo de tática quando desejando que um animal se cure
mais rápido, colocam um parceiro perto dele e logo o nadado fica bom.
- Você é muito gentil.
- Pelo menos me esforço para ser. Preciso ir ou Cristina vai me matar.
- Soube que passou a noite cuidando de mim. – Falou com os olhos
brilhando. – Beatriz não para de se queixar. Diz que não permitiu que ninguém
entrasse no quarto, exceto você.
Nicole ficou seria, olhando-a fixamente. Estava pensando em algo
convincente para dizer. E achou que o melhor era ser extremamente franca.
Mesmo que a enfermeira Rute pudesse ouvir.
- Salvei sua vida, mesmo achando que seria quase impossível. Depois,
quando vi que tudo tinha corrido bem, ainda tive minhas dúvidas, por isso quis
ficar ao seu lado. Acreditei que era um direito exclusivo meu e nem me importei
se a sua amante estava com ciúmes de mim!
Rute ergueu os olhos para Nicole, admirada. Estava acostumada com
uma Nicole extremamente profissional. Jamais ouviu algo assim dos lábios
dela.
Maria engoliu a resposta muito mais admirada. Seria possível que
aquela mulher maravilhosa estivesse atraída por ela?
- Sua franqueza me assusta Nicole. – Comentou sem jeito.
- Então precisa conhecer minha filha, ela sim, me deixa boquiaberta
quando fala certas coisas.
- Gostaria de conhecê-la...
- Qualquer dia que quiser tomar sorvete, é só me dizer, e iremos com
ela.
- Sim.
- Bom, nem pense em sair da cama. Virei amanhã, logo que puder.
- Papai já pagou tudo que lhe devemos?
- Falo com ele outro dia. Pode me acompanhar até a escada Rute? –
Perguntou, saindo do quarto.
Lá fora, Nicole olhou-a com atenção, por alguns instantes.
- Acho que disse algo um tanto estranho para você lá dentro.
- Não ouvi nada, doutora.
- Nós sabemos que ouviu enfermeira.
- Sim, claro! – Confirmou séria.
- Poderia esquecer? – Perguntou, passando a mão nos cabelos. –
Você sabe, não é possível ser profissional o tempo todo.
- Ainda mais diante de uma mulher como Maria Felicetti. – Completou,
abrindo um largo sorriso. – Compreendo muito bem.
- Bem, então cuide bem dela. Se acontecer algo de anormal, ligue para
minha casa. Você tem meu número?
- Não... Mas adoraria ter! – Disse, olhando-a profundamente.
- Ah?
- Disse o que ouviu doutora!
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
24
Nicole abriu a bolsa, pensando no sentido duplo da resposta de Rute.
Jamais pensou que ela gostasse de mulheres. Agora estava explicado porque
nunca aceitava as cantadas que recebia dos médicos.
- O meu cartão. – Falou entregando pra ela. – Use, se precisar.
- Boa noite doutora.
- Boa noite enfermeira. – Respondeu, descendo as escadas, com um
sorriso nos lábios.
Nicole estava sentindo-se como uma colegial. Aquela flertada sem
esperar com a enfermeira Rute lhe mostrou que se sentia bem naquela
situação. Não estava sofrendo por sentir atração por Maria. Até que encarou
muito bem a novidade. Quando era mais nova, gostava de homens, e agora
descobria que gostava também de mulheres. Estava tudo bem, e ficaria ainda
melhor se soubesse tocar a vida com tato.
Nas outras visitas feitas para Maria no decorrer da semana, Nicole não
conseguiu ficar nem um minuto a sós com ela. Beatriz tinha praticamente
montado uma barraca ao lado da cama. Maria era por natureza, uma pessoa
tímida, sendo assim, não demonstrava o quanto gostava das visitas da sua
bonita médica. Por outro lado, se demonstrasse Beatriz poderia ficar furiosa.
Então, Maria se limitava a observar Nicole em silêncio. Foi assim que percebeu
os olhares gulosos da enfermeira passeando pelo corpo da doutora. E
interessante foi observar a reação de Nicole. Quando ela percebia o olhar da
enfermeira, se tornava terrivelmente sexy. Não que forçasse nada, mas ela
mudava naturalmente diante da situação. Maria imaginava se com ela
aconteceria à mesma coisa. Tentava ver qual seria a reação de Nicole se
notasse também os seus olhares, mas havia ali mais alguém interessado na
doutora. Por mais impossível que fosse Beatriz não deixava de dar umas
flertadas com Nicole. Porém, diante de Beatriz, Nicole ficava confusa e fugia
dos olhares dela. Maria entendia também o motivo de Nicole não perceber a
forma especial como olhava para ela. Maria tinha uma delicadeza, um jeito todo
especial de ser. Olhava para Nicole com admiração e não com cobiça. Na
verdade, se divertia muito ao ver Nicole sendo desejada por três mulheres ao
mesmo tempo. Parecia haver só uma diferença entre elas. Tanto Rute quanto
Beatriz tinha uma postura bem direta para o campo sexual. Quanto à Maria,
apenas sonhava com a promessa do jantar, ia mais além, tentando se ver ao
lado de Nicole e da filha, tomando sorvete. Era incrível como pensava naquilo.
Recordava que tomava muitos sorvetes quando criança, mas depois nunca
mais saiu para fazer isto. Agora sentia desejos constantes de tomar sorvete,
mas ao lado de Nicole e da filha dela.
No domingo, uma semana depois da operação, Nicole surgiu muito
bonita num vestido de noite. Maria sentiu o impacto diante da presença dela,
sua pulsação aumentou imediatamente, enquanto seu sangue parecia correr
louco em suas veias. Assim, não conseguiu controlar a excitação que nasceu
em seu corpo. Isto deixou Maria tão feliz, que ela sentiu vontade de gritar.
Deitada por três semanas numa cama, Maria não experimentou nenhum tipo
de excitação deste tipo, desde então. Mesmo com Beatriz sempre por perto,
ainda não tinha acontecido de uma forma tão forte como naquela noite. Nicole
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
25
pediu para ver a cicatrização, afastando o lençol, seus dedos roçaram
levemente na barriga de Maria, causando um efeito devastador em seu corpo.
Nicole ficou quieta, olhando os seios durinhos. Não sabia o que dizer e nem
conseguia desviar os olhos deles, mas logo caiu em si, percebendo que estava
ali profissionalmente. Assim. Tirou os esparadrapos e passou a analisar os
pontos. Depois refez o curativo e se voltou para Rute, dizendo:
- Maria está com frio, pegue um cobertor, por favor!
Maria teve vontade de rir. Não sentia frio, ao contrário, seu corpo
suava, chegando a molhar o lençol. Nem a entrada de Beatriz no quarto
conseguiu cortar o processo que se passava em seu corpo, mas Rute a cobriu
com o cobertor e Nicole sentou, acendendo um cigarro. Estava aparentemente
tranquila, quando passou a conversar com Maria e Beatriz. Uma hora depois se
desculpou, dizendo que tinha um compromisso, iria levar a filha numa festa na
casa de uma amiguinha. Era uma festa de criança e Maria imaginou como ela
não se apresentaria se fosse um jantar com algum pretendente. Teria a
oportunidade de saber quando fossem jantar. Precisava ficar logo boa, para
poder realizar este desejo crescente de conhecer melhor aquela mulher divina.
Depois que Nicole saiu, Maria ficou observando Beatriz, estava voltando no
passado, lembrando do início delas. Seis anos atrás, Beatriz entrou num
barzinho, onde Maria estava com uma turma. Bastou um olhar, para que o
clima pintasse entre elas, mas só se falaram uma semana depois. Voltaram a
se encontrar e desta vez sozinhas, numa boate. Nasceu um amor suave entre
elas. Davam-se bem, era amigas e muito abertas em tudo. Maria sabia
inclusive que Beatriz não demoraria a falar sobre a atração que sentia por
Nicole. E sabia também que esta atração era completamente diferente da sua.
Beatriz estava sentindo desejo sexual, quanto à Maria, estava sentindo um
mundo novo de emoções, que jamais conheceu na vida. Era uma coisa que
doía, que apertava seu coração a todo instante. Não era definitivamente um
desejo que poderia matar, depois de uma transa gostosa. Isto estava entrando
cada vez mais em seu ser e Maria temia confundir seus sentimentos, porque
até ali, ela ainda conseguia colocar amor, quando pensava em Beatriz, mas
não sabia o que colocar com relação à mulher que morava em seus
pensamentos agora.
Nicole continuava acompanhando os jornais. Agora a polícia declarava
claramente, não ter a menor pista da tal quadrilha. Estavam sempre se
contradizendo e não definiam nada. Notava-se que o caso estava começando a
ocupar espaços cada vez menores nos jornais. Decididamente, aquele assunto
não vendia mais jornais. A testemunha nem era mais mencionada e o nome de
Maria parou de ser citado, mas as dúvidas não a deixavam. Ela se perguntava
se Maria roubou aquela casa. Se Maria tivesse roubado mesmo a casa dos
Silveiras, então estava só fingindo que era aquela mulher doce e sensível. O
olhar de Maria era tão doce, tão especial. Nicole já não concebia um só dia
sem vê-la, mesmo tento agora a certeza de que ela e Beatriz se gostavam
mesmo, nem assim, decidia a esquecê-la de vez. Nicole já não sabia o que
havia de sério entre elas, afinal, Beatriz não se preocupava em disfarçar seus
olhares de cobiça pelo seu corpo. De qualquer forma, não sentia nada de
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
26
especial por Beatriz, talvez fosse mais fácil ceder para Rute, que era mais o
seu tipo. Gostava do jeito sério da enfermeira, gostava de se sentir desejada
por ela. Não sabia que tipo de atitude poderia tomar em relação à Maria. Sentia
tantos desejos por ela e ao mesmo tempo, não sabia para onde direcionar seus
desejos. Estava sempre lembrando das palavras de Maria antes de ser
operada: “talvez eu possa namorar um pouco com Beatriz”. Isto não era
nenhum consolo. Não podia meter as caras se Maria era comprometida. Tinha
que chegar aos poucos, e aí, talvez pudesse conseguir a atenção dela.
Duas semanas após a operação, Maria encontrava-se bem melhor.
Rute voltou para o hospital e Nicole achou que devia ir menos à casa de Maria.
Assim, dois dias sem vê-la foram péssimos para Nicole. No sábado
estava entediada em casa quando o telefone tocou.
- Alô!
- Como vai doutora? – Perguntou Rute do outro lado.
- Oi Rute.
- Passei na casa de Maria, hoje à tarde, ela está muito bem. Perguntou
por você.
- É mesmo? Tenho tido pouco tempo. – Riu, sentando no sofá.
- Teria tempo para tomar um drinque comigo hoje, doutora?
- Não seria problema. – Disse olhando para a filha. – A que horas?
- Sabe onde eu moro?
- Creio que já te dei uma carona, sei onde é.
- Pois venha quando puder, estou esperando desde já.
- Bem, estarei aí às nove. – Informou, olhando o relógio.
Nicole tomou um banho, tendo que dar atenção à Cristina. Quando
contou que teria que sair, ela pediu para tomar banho com Nicole. Era bonito
ver as duas juntas. Nicole tinha uma paciência sem limites. Enquanto Nicole
esfregava o corpinho da filha, ela perguntava sem parar:
- Com qual idade terei os seios iguais aos seus, mamãe?
- Logo filha, daqui a uns cinco anos, vai notar a diferença.
- E vão ser bonitos, durinhos iguais aos seus? – Perguntou, tocando o
seio de Nicole com carinho. – Com este biquinho lindo assim?
- Tomara que sim, gracinha. – Riu, passando a esfregar os cabelos
louros, iguais aos do pai.
- Sabe Ana? Aquela que fomos à festinha? Ela fez quatorze anos e já
tem peitinhos, acredita?
- Acredito.
- Você tem namorado, agora?
- Não. Nenhum mesmo – Riu, enfiando a cabecinha debaixo d’água.
Cristina riu, abraçando as pernas da mãe, mas quando se viu livre do
xampu, voltou à carga:
- Você não namora por quê?
- Só vou namorar, quando ficar apaixonada, como fui pelo seu ai. Por
falar nisto, quando vai dar uma chance para Renato?
- Quando ele parar de te olhar daquele jeito.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
27
- Então vou te contar um segredo: Eu namorei com ele e depois
acabou. Só que ele continua gostando de mim, mas eu não gosto mais dele.
Assim eu acho que ele merece uma chance, já que sofre muito por minha
causa.
- Mas porque você está o fazendo sofrer se gosta dele?
- Gosto dele como amigo e não para ser meu namorado. Pensei que eu
e você podíamos ser boas amigas dele, mas se você não quer...
- Acho que vou pensar sobre isto, antes de dormir. Posso te dar uma
resposta amanhã?
- Mas é claro. Mas pense muito vem. Não existe a menor possibilidade
de sua mãe voltar a namorar com Renato.
- Que bom. Ei você vai dormir em casa hoje?
- Quem pode saber? Talvez tenha problemas e não possa voltar.
- Então não vou ficar te esperando. Promete que me conta se arranjar
um namorado?
- Juro que conto, agora vai sair daqui. Pega sua toalha e me espera no
quarto Cristina.
- Você viu o novo desenho que tá passando no cinema? Achei que ia
me convidar para ir.
- E vou mesmo, talvez amanhã à tarde.
- Obá!
Rute entregou um drinque caprichado para Nicole, depois se ajeitou ao
lado dela, fumando pensativa. Nicole admirou a sala bem decorada, com
extremo bom gosto. Não sabia que ela morava sozinha, aliás, não sabia nada
sobre Rute.
- Quero que saiba que pensei muito, antes de telefonar para você
Nicole. – Falou, voltando-se para ela.
- Por quê?
- Porque trabalhamos no mesmo hospital, temos um bom
relacionamento profissional e não gostaria de estragar isto.
- Você é muito consciente. Sabe que todos estranham seu jeito de ser.
Não eu, apenas escuto os outros comentando.
- Refere-se às cantadas que ignoro? É só o que posso fazer. Não sou o
tipo de pessoa que tem casos a torto e a direito. Sei bem o que desejo. – Riu,
expelindo a fumaça com charme. – E quero você. Não quero que se ofenda,
acho que já deve ter percebido, não é?
- Não, até você ir trabalhar na casa de Maria. Realmente foi uma
surpresa.
- E foi uma surpresa boa?
- Sim e não. Sou uma pessoa muito só, Rute. Não tenho casos e nem
transo regularmente.
- Diria a mesma coisa para Maria se ela estivesse aqui no meu lugar?
- Não temos que falar sobre Maria.
- Temos se vamos agir como adultas. Não quero ser iludida, eu disse
que desejo você e já faz bastante tempo! É que sempre foi tão distante, tão
impenetrável, que nem tinha como chegar até você.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
28
- Não costumo deixar que as pessoas se aproximem muito de mim. –
Riu, acendendo um cigarro. – Acha que faço o gênero difícil?
- Sabe o que eu acho mesmo? Acho você belíssima. Gosto de seu jeito
de ser e você não faz gêneros. É uma pessoa muito sincera.
- Obrigada pelo elogio.
- E você, também é lindamente tímida. – Confessou, inclinando-se e
beijando Nicole profundamente.
Nicole entrou em casa às sete da manhã, no domingo. Cristina veio
correndo e pulou no seu colo, feliz.
- Que bom que chegou! – Nancy comprou o jornal para mim. Aposto
como você nem imagina que tem uma sessão do novo desenho às duas horas
da tarde.
- Claro que não imaginava, mas você acabou de me contar. Acho que
vamos nesta sessão. E pode levar Nancy. – Falou dando uns beijos no rosto
dela. – Já te contei que os domingos são todos seus? Pode fazer o que quiser
com sua pobre mãe.
- Você arranjou um namorado ontem?
- Bem, não um namorado de verdade, apenas me divertiu um
pouquinho. Não vou me casar e nem namorar em casa.
- Renato ligou para você ontem. Conversei bastante com ele. Acho que
ele ficou mais legal agora. Vou ser amiga dele se ainda quiser.
Nicole abraçou a filha emocionada. Depois segurou o rostinho pequeno
olhando-a no fundo dos olhos.
- Sabe que estou orgulhosa de você? É muito importante para mim que
nós duas sejamos amigas de Renato. Ele precisa do nosso carinho. Ele tem
uma casa linda e aposto que você vai adorar conhecê-la hoje, depois do
cinema.
- Tudo bem. Vamos tomar sorvete também?
- Sim, vamos fazer o que você quiser meu docinho lindo.
Nicole não perdeu Cristina e Renato de vista, depois que chegaram a
casa dele. Cumprindo a promessa que tinha feito à Nicole, de conquistar a
menina, Renato não mediu esforços para agradá-la. Toda criança precisa de
um pai e Cristina estava crescendo sem conhecer o seu. Nicole estava
decidida a unir aqueles dois de qualquer jeito e agora tinha certeza que iria
conseguir.
Na segunda-feira, Nicole estava imensamente feliz. Cristina não se
cansou de falar em Renato depois que voltaram para casa. Tanto Nicole
quanto Nancy, não tiveram a chance de abrir a boca, pois era só ela quem
falava. Trabalhou a parte da manhã num clima ótimo. Cruzou com Rute, no
quarto do primeiro paciente que visitou. Ficou admirada com a seriedade dela.
Nada de olhares melosos e nem insinuações sobre a noite que tinham passado
juntas. Nicole sentiu um carinho todo especial por ela. Gostava do jeito de Rute
e gostou muito dos momentos passados na casa ao seu lado, mas era apenas
uma boa amiga.
No final da tarde, Nicole sentiu que não conseguiria ir para casa antes
de ver Maria. Era uma necessidade que fugia ao seu controle.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
29
Nicole parou na porta aberta do quarto e ficou olhando para Maria. Ela
estava em pé com um jornal na mão. Fumava, mergulhada em alguma matéria.
Nicole calculou que devia ser algo muito importante.
- Olá Maria – Disse, chamando atenção dela, algum tempo depois,
Maria se voltou abrindo um largo sorriso.
- Você?
- É eu resolvi vim ver como você está passando.
- Pedi seu telefone para Mancel, não tem meia hora. Estou pronta para
aquele jantar, lembra? – Contou, andado pelo quarto. – O que acha? Posso
andar a toda a cidade e ainda correr, se for preciso.
- Digamos que devia ir de carro por agora, você tem que recomeçar
sem exageros Maria. – Explicou, entrando no quarto. – Mas está muito bem. –
Comentou descendo os olhos pelo corpo esbelto. – Logo vai recuperar os
quilos que perdeu e ficará mais linda ainda...
- Que bom que ninguém ouviu isto, meus pais adoram Beatriz. – Riu,
sentando na cama.
- Terei que brigar com eles para poder levá-la pra jantar? – Perguntou
divertida. – É só um jantar comum.
Mas não era um jantar comum e as duas sabiam disto. Seus olhos
diziam isto. Olhavam-se com insistência no silêncio que se fez no quarto.
- Oh, sente-se. – Disse Maria caindo em si.
- Acha que está boa o suficiente para sair para jantar comigo?
- Fiquei duas semanas de cama e mais uma semana trancada em
casa. Estou quase perdendo minha namorada por causa disto. Acho que a
médica é você e farei o que mandar. Nem acredito que faz mais de um mês
que não saio de casa.
- Gostaria de lhe fazer uma pergunta sobre o que aconteceu com você.
- Que pergunta? – Perguntou, pegando outro cigarro.
Nicole notou uma ligeira mudança na expressão de Maria, mas não
demonstrou, começando:
- Tem alguma coisa que te preocupa com relação às pessoas que
atiraram em você?
- Talvez, não posso afirmar nada. – Falou muito séria.
- E você sabe quem foi?
- Está com medo deles?
- Não, estou com muito medo dos meus sentimentos. – Respondeu,
olhando-a fixamente. – Apenas disto!
- Me perdoe por tocar no assunto que não te agrada. Bem, a que horas
devo passar para pegá-la?
- Às nove horas vou te esperar ansiosa.
- Estarei aqui. – Disse se erguendo e deixando o quarto rapidamente.
Nicole abriu a porta do carro para ela às nove horas em ponto. Estava
como Maria tinha sonhado. Usava um modelo sexy que lhe marcava o corpo e
exponha as pernas lindas. Usava um perfume exótico, um cheiro que atraiu
Maria profundamente. E tinha um brilho divino nos olhos. Assim que sentaram
à mesa, Maria perguntou curiosa:
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
30
- Acaso se esqueceu que me convidou para tomar sorvete com sua
filha?
- Estive pensando se é bom pra nós isto Maria. Com certeza seus pais
e Beatriz não vão gostar de nos verem tão amigas.
- Se importa que eu resolva esta parte? – Perguntou tranquila. – Eles
não podem comandar meus passos. Beatriz é uma coisa à parte, sei o que
estou fazendo.
- Será que sabemos mesmo o que estamos fazendo? – Perguntou em
dúvida. – Seria ruim se magoássemos alguém ao final disto.
- Ao final? Mas se estamos apenas nos conhecendo. Eu não vejo nada
demais e tomar sorvete com uma amiga e sua filha.
- Se é assim que vê as coisas, então não tenho mais motivos para me
preocupar. – Falou pegando o cardápio. – O que vai tomar? Que tal
champanhe?
- Sim, precisamos comemorar. Não é todo dia que se pode jantar com
a médica mais linda da cidade! – Respondeu, olhando-a profundamente.
Nicole sustentou seu olhar, com o coração louco dentro do peito. Se
ela ao menos sonhasse a vontade que tinha de tocá-la, de sentir aquela pele
suave sob seus dedos. Sentir o calor daqueles lábios nos seus. Não era uma
brincadeira, era mais sério do que Maria poderia supor.
- Sabe, eu e minha filha vamos oferecer um almoço para você, à base
de milk shake, sorvetes e pipocas. Cristina me dá muito trabalho com a
alimentação. Ela só gosta de coisas deste tipo. – Riu, explicando. – Acho que
toda criança é assim.
- Vocês se dão muito bem, não é? – Perguntou, inclinando, encantada.
- É nós somos muito ligadas. Cristina é um amor de garota!
- Quem é o pai de sua filha? Não se casou?
- O casamento é uma prisão, como você mesma definiu. Não era o que
eu desejava na época.
- E o que desejava na época?
- Deixe-me pedir dois uísques e voltamos a falar sobre este assunto.
Nicole pediu os drinques e ficaram fumando, até que foram servidas e
o garçom de afastou.
- E então?
- Na época, eu desejava ser médica, era só o que importava.
- O pai não importava em anda?
- Um pouco, mas não muito.
- Ele mora aqui no Rio?
Nicole ficou olhando pra ela com um sorriso sério. Depois levou o copo
aos lábios e falou, pegando Maria de surpresa:
- Renato Mancel, ele é o pai de Cristina!
- Então são mesmo namorados? – Perguntou, levando o copo aos
lábios, para esconder o choque que levou. – São?
- Somos bons amigos, nada mais.
- Amigos costumam trocar carinhos Nicole.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
31
- Não é como você pensou, eu sou mesmo, apenas amiga de Mancel.
Aliás, ele nem sabe que é o pai de Cristina.
- Por que não?
- Se tivesse contado, com certeza ele iria querer assumir a filha. Ia
querer casar e eu precisava ser livre, só pensava em ser livre. A criança mudou
bastante minha vida. Mudou muitos conceitos formados que tinha, sem nem
pensar em repensá-los. Os filhos dão um brilho diferente na vida da gente.
Mancel é um amor de pessoa, mas eu não podia contar pra ele.
- E pretende contar algum dia?
- Acho que tenho o dever de contar, mas ainda não. Primeiro quero que
os dois sejam grandes amigos, depois sim, eu contarei para os dois.
- Como consegue guardar este segredo dele? Parecem tão ligados.
- E somos, mas eu consigo! Sou perita em guardar segredos das
pessoas.
- Será que está guardando algum segredo de mim?
- Todos nós guardamos segredos, não sabia? Você guarda os seus, eu
guardo os meus e assim somos todos.
- Você pensou em mim durante estes dias em que não foi me ver? –
Perguntou ansiosa.
- Bem mais do que devia pensar, afinal, devia vê-la somente como
minha paciente predileta. – Riu, tragando com prazer.
- Eu pensei em você cada minuto de minha existência. – Contou,
erguendo o copo. – Vamos pedir? – Perguntou, abrindo o cardápio. – Estou
faminta.
Nicole se perdeu completamente, sentia que ao mesmo tempo em que
Maria estendia o tapete pra ela, o puxava ao mesmo instante. Maria agia numa
naturalidade impressionante. Jantaram, flertando descaradamente. Depois
Maria disse que desejava ir embora, pois estava cansada.
Nicole deixou Maria diante de sua casa. Desligou o carro e acendeu
um cigarro, ligando o rádio. Maria também pegou um cigarro, passando a fumar
em silêncio. Nicole sorriu, voltando-se pra ela:
- É muito bom te ver assim, nem sabe que por pouco, teria morrido em
minhas mãos? Eu não podia deixar que isto acontecesse, era importante
demais pra mim que você se salvasse.
- Mas Mancel não te contou do meu estado no início, não foi?
- Tem razão, por isso fiquei tão chocada quando soube de tudo. Na
verdade, fiquei furiosa com ele, por ter colocado sua vida em risco.
- Os médicos agem de acordo com seus critérios, quero dizer, uma
opinião médica difere em muitos pontos, mas no fundo, vocês acabam se
entendendo.
- Apenas porque tratamos de pessoas doentes, que precisam
inteiramente de nosso apoio. – Falou, tocando o braço dela.
- E o que fazem quando a pessoa doente, não precisa mais deste
apoio? – Perguntou provocante.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
32
- Nós as soltamos na vida, aliás, nós lhe devolvemos a vida. É isto que
me glorifica. – Riu feliz. – Saber que encaminhei alguém, dando a chance de
viver por um tempo que só o destino pode mudar.
- Nunca se apaixonou por um paciente seu?
- Oh não, eu nunca permiti que chegasse a um ponto destes.
- Acho que é tarde, preciso entrar...
- O que você faz da vida? Como ocupa seu tempo? – Perguntou,
segurando o braço dela novamente.
- Não sabe que construímos navios e os vendemos para o mundo
todo? – Perguntou surpresa.
- Mas você não constrói navios Maria. – Riu, soltando o braço dela. –
Você faz o que?
- Ah sim, eu sou a representante dos estaleiros Felicetti pelo mundo
todo. Eu fecho os contratos, faço as vendas e encaminho as entregas.
- Você então direciona tudo, pessoalmente?
- Exatamente.
- Vai voltar a viajar agora?
- Não! Meu pai vai no meu lugar, por enquanto!
- Por quê?
- Porque sim, preciso me recuperar inteiramente ou poderia colocar sua
fama a perder. Quando nossos caminhos se cruzaram, um novo sol brilhou
para você, doutora. – Falou misteriosa. – Acha que um Felicetti não tem
prestígio? Você salvou a minha vida e lhe devo muito. Meu pai insiste em
recompensá-la e o fará antes mesmo que você imagine.
- Não desejo ver meu nome nos jornais. – Falou, agarrando os ombros
dela, agitada. – Não seria bom pra mim e minha filha. – Explicou, sorrindo sem
jeito. – Tenho a fama que necessito mais que isto é pedir demais.
- Mas que modéstia Nicole, você é uma médica famosa, mas sabemos
que não tem o reconhecimento que merece...
- Maria, pelo amor de Deus, não faça meu rosto aparecer em todos os
jornais deste país. Eu seria capaz de me mudar do Brasil se isto acontecer.
Maria olhou-a confusa. Não entendia o motivo daquele medo terrível.
Que mal havia se falassem que Nicole salvou sua vida? Mas percebia agora
que não era apenas isto. Nicole estava com medo de alguma coisa. Teria algo
a esconder de tão grave?
Você seria capaz deixar tudo e fugir do país se sua foto sair de fato
num jornal? – Perguntou admirada.
- Com certeza. Eu sou rica, muito rica mesmo e não preciso de fama. O
que preciso é de paz, compreende? Sua família iria me ajudar muito se
esquecesse esta bobagem. Não recebi nada para te operar Maria, eu o fiz por
que não admito que um ser humano morra sem ter uma segunda chance...
- Mas não compreendo...
- Será que pode confiar em mim? Eu não preciso disto, juro que não. –
Insistiu aturdida. – Se querem me pagar, sejam amigos, é só o que desejo!
- O que está acontecendo Nicole? – Perguntou, agarrando as mãos
dela com força. – Acha que me convenceu com estas bobagens que disse! Não
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
33
conheço um médico sequer que não deseje a fama, o reconhecimento total de
seu trabalho perante os próprios companheiros.
Nicole percebeu que tinha perdido o controle. Por que não contar pra
ela agora que era a tal testemunha que polícia procurava? Seria o melhor
caminho, a verdade, mas como falar depois de tudo?
- Posso lhe pedir um favor? – Perguntou séria.
- Claro o que quiser.
- Não deixe que seu pai faça nada. Minha foto não pode aparecer nos
jornais, isto provavelmente iria estragar meus planos. Só preciso que me
prometa que vai impedir que ele faça isto. Se realmente está agradecida pelo
que fiz por você, faça isto por mim. E prometa nunca mais tocar neste assunto.
- Bem, se quer assim, vou falar com papai. – Disse confusa.
- Obrigada! Em troca virei buscá-la um dia desta semana para tomar
sorvete comigo e minha filha. Concorda?
- Sim, claro. – Riu feliz - Amanhã?
- Amanhã, agora entre, pois está frio. Passo aqui as seis para te pegar.
- Às seis? Tem certeza que a melhor hora para tomar sorvete?
- Bem, é a hora que tenho, sinto muito!
- Tudo bem! Boa noite doutora! – Sorriu, virando-se e entrando em
casa.
Cristina parecia um demônio, saltando no banco do carro. Nicole
educou a filha, desta forma, de maneira que quando a menina virava um
pequeno demônio, só conseguia se divertir com as estripulias dela. E Maria,
logicamente, achou a menina uma capetinha. Cristina abriu a porta do carro
para ela dizendo:
- Então é para você que daremos o almoço especial? Sabia quantas
bolas de sorvete terá que tomar hoje para me convencer? – Perguntou,
arredando o banco da frente para que Maria entrasse atrás.
- Bom, se me disser quanta você vai tomar, posso tentar adivinhar. –
Falou, olhando para Nicole por um instante.
- Posso aguentar de quatro a seis! – contou orgulhosa, batendo a porta
do carro. – Dou a você a oportunidade de me convencer com cinco bolas. –
Informou, ficando em pé no banco. – Aposto como você não aguenta três. –
Disse, rindo animada. – O que acha mamãe? Você apostaria comigo que ela
não toma mais de três?
- Se ela tomar as cinco, você paga a conta. – Combinou, batendo na
mão dela, para selar a aposta.
Maria olhou para Nicole horrorizada.
- Vai pactuar com ela nesta emboscada?
- O que você acha? Eu sempre tenho que tomar seis para convencê-la.
– Contou, caindo na gargalhada. – Você só tem que respirar fundo e se
concentrar no sabor.
- Parece fácil.
- E é. – Falou Cristina, caindo sentada no banco de trás. – Me deixa ver
quanto pontos deram em sua barriga? – Pediu, erguendo a blusa dela. –
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
34
Nossa! O que foi isto? Aposto como entrou na frente de um canhão. – Falou
horrorizada.
- Você podia fazer o favor de sentar aqui do meu lado Cristina? Ou
quer que eu dê a volta e volte para casa?
- Mas você acha que um canhão pode fazer um buraco tão grande?
Sorte dela que você tem dedos de ouro, não é mamãe? – Perguntou, pulando
no colo da mãe. – Eu aposto dois sorvetes que ela tem barriga de aço...
- Eu aposto quatro sorvetes que você tem uma língua que mede seis
metros de comprimento. Vou medir, assim que voltarmos para casa. – Falou,
passando o braço pela cintura dela. – O que acha de aguentar calada dois
minutos?
- Quanto tempo dura dois minutos?
- O tempo exato de você morder sua língua dez vezes, agora fica
quieta ou volto para casa.
- Se está falando sério, posso aguentar dez minutos mordendo minha
língua.
Maria caiu na gargalhada no banco de trás, mas ao perceber o olhar
cálido de Nicole, pelo espelho retrovisor, ficou séria no mesmo instante.
O difícil não foi tomar as seis bolas de sorvete, mas sim aguentar o
olhar de Nicole o tempo todo. Cristina nem percebia nada, pois até sorvete pra
cima ela jogava, vibrando de alegria. Maria estava no sexto sorvete e Cristina
apostava que ela não aguentava o sétimo, mas a vontade de conquistar a
menina era tão grande que ela tomou oito bolas, caindo pra trás, quando
terminou. Cristina abriu a pequena bolsa, tirando várias notas, sem gostar
muito da ideia.
- Você não me disse que iria trazer uma campeã de sorvetes. – Falou
para a mãe. – Aposto um de banana como você não vai até o fim...
- Pensei que saberia perder quando chegasse o momento. Você
apostou que ela não aguentava seis e perdeu com o saldo de duas, portanto,
pague a conta sem tentar barganhar a espertinha – Respondeu dura – Tem
que respeitar as normas. E não jogue sujo, porque sabe muito bem que detesto
banana.
- Como vou levar Nancy ao cinema amanhã se pagar toda esta fortuna
em sorvete, Nicole Rossi? Não acha que minha mesada está defasada
demais?
- Hei? Posso te fazer um empréstimo. – Interrompeu Maria, entregando
a ela uma nota de quinhentos cruzeiros. – Depois você me paga.
Cristina aceitou a nota olhando para a mãe, sem jeito.
- Acha que pode aumentar minha mesada em quinhentos, para que eu
possa pagar meu empréstimo, mamãe? – Perguntou na maior humildade do
mundo.
- Só se você aprender uma lição. – Falou muito séria. – Da próxima
vez, aposte menos, para não perder tudo que tem.
- Prometo que farei isto, o que me diz?
- Combinado!
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
35
Cristina saiu correndo com a nota na mão. Nicole se voltou para Maria,
com um olhar tão brilhante que o coração de Maria explodiu no peito.
- Sua filha é terrível, mas é uma graça!
- Se gostou dela, já me basta.
- Adorei vir aqui com vocês, não imaginei que ela era tão inteligente.
- Tal filha, tal mãe, não é assim?
- Mas a mãe é mais desconcertante, é justamente o que me assusta.
- Pois não se assuste, comigo está mais segura do que imagina!
- Por que diz isto?
- Por que é a verdade. – Riu, acendendo um cigarro. – Aceita um?
- Sim...
- Mamãe! Fiquei com crédito de um sorvete na casa. Sabe aquele
gordinho lá? Apostei como ele não colocava quatro bolas numa casquinha e
ganhei. Caiu tudo no chão. Você acha que sou um gênio?
- Acho que a senhora já apostou demais por hoje. Vamos embora
agora mesmo. – Falou fingindo raiva. – Já para o carro Cristina Rossi!
- Sim... Mamãe... – Respondeu, indo para o carro de cabeça baixa.
- Oh, mas que horror, por que fez isto? – Perguntou Maria penalizada.
- Por que te queria dizer que está linda hoje. Eu gostaria de ser todos
os sorvetes que devorou sabia?
Maria abaixou os olhos, envergonhada. Não sabia o que dizer naquele
momento.
- Acho melhor irmos andando, Beatriz deve estar ansiosa à sua espera.
– Interrompeu o momento, se erguendo, e caminhando para o carro, decidida.
Depois desta vez dos sorvetes, vieram muitos outros passeios de Maria
com Nicole e a filha. Iam bastante ao cinema, com Cristina sentando sempre
entre as duas. Maria sentia-se totalmente feliz ao lado daquelas duas. Sua
admiração por Nicole só aumentava. Eram de fato amigas ou pelo menos se
tratavam como tal. Não conversavam sobre suas vidas pessoais, mas as duas
estavam sempre encontrando um tempo para estarem juntas. Maria estava tão
entusiasmada com a filha de Nicole, que não parava de contar suas histórias.
Claro que Antônio e Sara fizeram questão de conhecê-la. Assim, Antônio
convidou mãe e filha para almoçarem no domingo com eles.
Maria foi recebê-las na porta, ao lado de Beatriz. Cristina parou,
olhando a mansão com os olhinhos esbugalhados. Depois de beijar Maria, foi
logo perguntando:
- Tem certeza que isto é sua casa? Parece maior que minha escola. –
Falou olhando em volta. – E muito curioso!
- Não ligue pra ela Maria, tem sempre que fazer comentários de tudo. –
Riu Nicole, beijando-a no rosto e fazendo o mesmo com Beatriz. – Como vai
indo Beatriz?
- Muito bem, Nicole, sua filha é uma graça. Quantos anos ela tem?
- Dez anos de capetices. – Falou entrando com elas.
Depois de apresentada aos pais de Maria, Cristina dominou todas as
atenções. Maria seguiu para a varanda com Beatriz e Nicole. Havia um rapaz
preparando o churrasco e o cheiro da carne era delicioso. Logo foram servidas
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
36
cervejas geladíssimas para elas. Nicole usava uma saia curta, acompanhada
de um coletinho da mesma cor, azul. Nos pés, uma bota fina de couro e cano
curto. Assim, ela cruzou as belas pernas diante de Maria e Beatriz. Diante do
espetáculo, Beatriz engoliu em seco e Maria acendeu um cigarro, concentrando
nas palavras de Nicole:
-... Difícil ser mãe e ao mesmo tempo ter uma profissão. Às vezes
penso que estou renegando minha filha a um segundo plano. Estou sempre
atenta para não me perder.
- De fato não é fácil. Minha irmã tem o mesmo problema que você, mas
de fato é difícil conciliar as duas coisas. – Comentou Beatriz, se inclinando
rapidamente para acender o cigarro de Nicole.
- Acho que toda mãe tem estes problemas. Sem não trabalha fora, tem
o marido que também precisa de atenção, isto acaba sendo um problema que
faz parte do dia-a-dia, mas tenho que admitir, que assumir um filho sem ajuda
do pai é bem mais complicado.
- Tenho certeza que sim. – Concordou Beatriz, encantada diante da
atenção que recebei de Nicole.
Logicamente, Nicole só estava sendo gentil, mas Beatriz via o todo à
sua frente. Uma mulher nota mil, que dava água na boca. Sentia como se um
imã a puxasse para Nicole. E ficou cega diante deste imã, que imaginou existir.
Por sua vez, Maria observava as duas, curiosa. Beatriz tinha mudado de
cadeira, ajeitando-se ao lado da poltrona grande em que Nicole estava tão
graciosamente ajeitada. Era realmente um show ver as belas pernas
estendidas diante de seus olhos. As pernas de Nicole eram morenas, de um
tom inexplicável. No calcanhar direito, ela usava uma corrente de ouro grande,
que foi enroscada em várias voltas. À luz do sol, o brilho da corrente era
incrível. Também na perna direita, ela tinha uma pinta grande, na altura da
coxa. A saia era tão curta que deixava entrever inclusive a calcinha azul que
ela usava. Porém, Maria conseguia manter um controle impressionante diante
daquela beleza rara. E se divertia, percebendo a excitação crescente e
descontrolada de Beatriz diante de Nicole. A postura de Nicole era de alguém
que estava inteiramente bem onde estava. Estava realmente à vontade ali.
Quando ela se inclinou, fisgando um pedaço de carne, sua saia subiu mais,
exibindo totalmente a calcinha azul. Beatriz abriu a boca e acompanhou o
movimento exageradamente sexy dos dois lábios de Nicole se abrindo para
receber a carne. Por um segundo, apenas a pontinha da língua apareceu na
porta da boca, recolhendo a carne. Um caldinho escorreu no cantinho da boca
de Nicole, arrancando um gemido rouco da garganta de Beatriz. Maria sorriu,
desviando os olhos da cena e encarando Beatriz com mais atenção. Estava
fazendo uma semana que tinham voltado à vida sexual. Como antes,
continuavam se dando muito bem na cama. Inclusive, Maria conhecia todas
aquelas reações naturais de excitação que Beatriz estava tendo agora, mas
Nicole se voltou para ela, confusa. Beatriz riu, fazendo cara de boba. Nicole
voltou a se inclinar pegando o copo de cerveja e sorveu um grande gole que,
desceu deliciosamente por sua garganta. Beatriz acendeu um cigarro,
bambando sem fala. O que Maria entendia tão bem, poderia parecer estranha
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
37
para alguém que soubesse que eram amantes, mas porque se irritar com uma
reação tão espontânea de Beatriz? Ela própria sentia suas entranhas
queimando de desejo por Nicole e aquela excitação deliciosa, que conseguia
ocultar tão bem, estava lhe dando um prazer tão intenso, que fez Maria
perceber as emoções que Nicole fazia brotar nela. Sabia agora, que estas
emoções já faziam parte de sua vida. Foram crescendo à medida que iam se
conhecendo mais. Nicole agora, tinha um olhar diferente para Maria. Sempre
que estavam juntas, sentia aquele olhar cálido, intenso, profundo, fixo nela.
Agora Nicole não a olhava assim e Maria sabia que era apenas porque Beatriz
estava presente. O que existia entre elas era um sentimento profundo que
respeitava demais.
-... Sinceramente, aprecio uma boa carne. – Dizia Nicole para Beatriz,
agora. – Muito mais do que sorvetes! – Acrescentou, sorrindo para Maria.
- Você toma muito sorvete? – Perguntou, lançando sobre as pernas de
Nicole, um olhar guloso.
- Muito mesmo. – Respondeu, sustentando o olhar dela.
Por um momento, passaram pela cabeça de Maria as três juntas na
cama. Não, não era aquilo que desejava. Pela primeira vez em sua vida com
Beatriz, desejava fazer algo sem ela por perto. Queria Nicole sim, mas não
dividindo com ninguém. Neste momento, admitiu que fosse fazer amor com ela,
se tivesse oportunidade.
Ouviram a voz de Cristina soando alto na sala. Maria observou como
Nicole se pôs atenta. Seus olhos logo ficaram inquietos e atentos a tudo.
Novamente ouviram Cristina, agora nitidamente.
- Você perdeu, pois deixou entornar na última golada Antônio. Tem que
pagar duzentos de cada Pepsi, isto equivale a mil e duzentos, já que você
mesmo disse que cada valia duzentos, lembra?
- Bem, acha que só porque caiu um pouquinho tenho que perder a
aposta toda? – Soou a voz de Antônio, acompanhada de uma gargalhada de
Sara.
- Tem que aceitar as regras do jogo ou não merece crédito. Fica me
devendo agora dois mil. Sara também não agüentou as quatro dela!
Nicole se ergueu, impulsionada. Sorriu, se desculpando sem jeito!
- Mamãe, ele perdeu na aposta. Eu ganhei honestamente. – Explicou,
se encolhendo.
- Venha já aqui, que temos que ter uma conversa séria. – Chamou,
levando-a para a sala, perto da varanda. – Quantas vezes precisas dizer, que
só pode ganhar dinheiro de mim? Pode apostar comigo quantas vezes quiser,
mas não pode apostar com todo mundo.
- Mas só apostei dez refrigerantes, Nicole Rossi!
Quando Cristina ficava nervosa, passava a chamar a mãe pelo nome
todo.
- Eu sei Cristina Rossi, e mesmo assim, estou te proibindo de fazer
qualquer aposta que seja daqui para frente, me ouviu bem?
- Não posso concordar, sem discutir isto muito bem! – Falou furiosa. –
Você disse que eu podia me divertir como quisesse!
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
38
- E o seu conceito de diversão está ficando muito lucrativo pelo que
vejo. Por acaso viu a quantidade de pássaros que tem lá no pátio? – Perguntou
segurando o rostinho dela. – Nem calcula o calor que eles têm!
- Vou pedir a Antônio para me mostrar mamãe...
- Deixe que eu leve você até lá. – Falou, pegando-a no colo.
Quando Nicole passou para pátio com a filha, Beatriz suspirou,
acompanhando-a com os olhos.
- Devia disfarçar um pouquinho, quando ela voltar Beatriz. – Falou
Maria, servindo mais cerveja em seu copo. – Está quase caindo aos pés dela.
- Bem, não percebi que estava exagerando tanto! – Riu, se voltando. –
Ela é uma parada, não acha? Nunca vi mulher tão... Tão...
- Gostosa?
- Não é isso, ela é muito mais Maria. Oh, me perdoe querida, acho que
estou exagerando mesmo. – Disse, apertando a mãe dela. – Sinto muito...
- Não se preocupe, sei qual é o efeito que Nicole causa. – Falou séria.
– Sinto a mesma coisa.
- Bem, eu só pensei em sexo. – Falou confusa.
- Sei disto, você vai cantá-la?
- Sinceramente, desde que estamos juntas, isto nunca me aconteceu,
mas estou tentada a tentar. Realmente não consigo tirar este corpo da cabeça!
– Confessou tranquila. – Me sinto culpada, mas não está em mim.
- Pois vá em frente, querida, eu não me importo. Fique sabendo, que
eu não pretendo deixar passar, se tiver uma oportunidade. – Falou Sincera. –
Não acho que devemos reprimir nada.
- Ora, muito bem, só espero que ela não pertença à enfermeira. Você
percebeu como a mulher a comia com os olhos?
- Sim, Rute não deve ter perdido tempo. – Falou, ficando séria. – O que
você acha que aconteceu com a mala, Beatriz?
- Quem pode saber? Talvez a mulher que te salvou tenha pegado.
Talvez Gustavo, se é que ele está vivo. Nem gosto de pensar nisto!
- Se pelo menos tivesse visto o rosto dos homens que nos cercaram,
poderia contar a polícia, mas como se estavam de máscaras? Às vezes acho
que Gustavo queria acabar com João. Ele pode ter descoberto sobre o roubo
da casa e ameaçou contar para a polícia, se Gustavo não voltasse com ele
para a Alemanha.
- Mas quando ele foi ao encontro de João, encontrou você e ficou
descontrolado. Você disse que ele ia até a janela a todo instante.
- Sim, estava uma pilha. De repente sugeriu que fôssemos para o Rio.
Se for como estou pensando, quem iria matar meu irmão, me viu entrando com
a mala no carro e tentou acabar comigo também. Devem ter pensado que
morri.
- E pegaram à mala?
- Talvez, era uma estrada movimentada, pode ter aparecido algum
carro e tiveram que fugir. Não sei mais o que pensar disto tudo Beatriz. Sabe
que sempre achei que Gustavo ama João de verdade?
- Eu também e não passava de um safado mau caráter!
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
39
- Nicole vem vindo. – Disse, pegando um cigarro.
Nicole sentou, pegando seu copo com um sorriso.
- Tive que dar um jeito em Cristina, ela anda terrível com estas
apostas! – Explicou, suspirando.
- Oh, as crianças são assim mesmo! – Falou Beatriz, segurando a mão
dela. – Ninguém pode com elas, por isto não se preocupe.
- Bem, tem razão. – Respondeu, retirando a mão, sem jeito.
Nicole achou estranho que Maria não se importasse em ver a amante
tão inclinada para ela. Era normal que sentisse ciúmes, mas Maria estava
muito quieta neste dia. Apenas observava tudo, falando muito pouco. Depois
do almoço, Nicole se despediu, indo embora com a filha. E não ficou surpresa,
quando o telefone tocou à noite e descobriu que era Beatriz.
Um convite direto e preciso de Beatriz, foi aceito por Nicole.
Encontraram-se as dez no bar marcado. Beatriz foi mais direta, dando a
cantada que Nicole já esperava. Pensou em Maria, mas algo em seu íntimo lhe
disse que Maria não era nenhuma ingênua. Ela com certeza sabia melhor do
que ninguém das intenções de Beatriz.
- Pensei que você e Maria se amassem. – Falou, sem se conter.
- E nos amamos. – Riu tranqüila. – Maria sabe que me sinto atraída por
você e não se importa.
- Não se importa mesmo?
- Você não conhece Maria, ela é um mistério constante. Acho você
uma gata!
- Obrigada! Você também é muito bonita, mas sinceramente, não
desejo nenhum envolvimento que possa me trazer problemas futuros.
- Então somos duas. – Confessou, tocando a perna dela. – Mas se não
ficar com você, vou ter um ataque do coração. Você é demais Nicole! Não
precisa ter medo de nada. Não vamos fazer ninguém sofrer.
- Bem...
- Juro que não. – E se aproximou dando um beijo sexy nos lábios de
Nicole.
Desta vez Nicole não dormiu fora de casa. Chegou de madrugada, mas
não sentia sono. Serviu um drinque para si e ficou repassando os últimos
acontecimentos. Estava se dando conta de sua carência afetiva. Sabia que
tinha ficado com Rute por isto, e agora com Beatriz. Eram mulheres bonitas,
envolventes e liberadas, mas isto não a completava em nada. Sabia que era
puramente físico apenas sexo sem o menor compromisso, mas desta vez,
talvez tivesse ido longe demais. Desde que conheceu Maria, passou a sentir
um desejo cada vez maior de protegê-la, de cuidar dela e tinha acabado de
traí-la. Isto não era correto! Como pode transar com a amante dela sem o
menor escrúpulo? Porém, o seu lado sexual adormecido estava explodindo de
vontade de ser reativado. Esteve se anulando por muito tempo e agora não
estava conseguindo controlar muito bem as coisas, mas tinha absoluta certeza
que este afloramento inesperado devia-se somente ao aparecimento de Maria
em sua vida. Estava ardendo de desejo por ela e mais ninguém. Precisava tê-la
ou acabaria cometendo alguma loucura em nome desse desejo insatisfeito. E o
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
40
pior era que desejava Maria mais do que sexualmente, queria ficar com ela, ser
a única namorada, a única e exclusiva pessoa em sua vida. Queria levar Maria
para sua casa, viver com ela todos os sonhos que desejava partilhar com
alguém. Amava Maria sim e esta descoberta bastou para tranquilizá-la. Feliz,
decidiu ir dormir. Iria ver Maria no dia seguinte e só isto importava.
Maria recebeu a notícia da própria Beatriz. Não estranhou o aperto que
sentiu no coração ao saber que elas tinham transado. Achou melhor que já
tivesse acontecido, mas sabia que não seria a mesma coisa com ela. Não seria
uma simples trepada, seria bem mais que isto. Estava apaixonada por Nicole e
não queria desistir dela. Contaria a Beatriz quanto tivesse certeza absoluta que
era irreversível. Jamais iria enganá-la sem dizer a verdade. Desejava um
encontro íntimo com Nicole, mas não apenas um!
Nancy tinha levado Cristina ao cinema e depois iriam ao circo. Nicole
decidiu voltar mais cedo para casa e ligou para Maria. Perguntou se ela queria
tomar um drinque e marcou em sua casa. Ficou sentada na sala, aguardando
impaciente, quando a companhia tocou, abrindo a porta com a respiração
entrecortada e o coração louco no peito. Maria abriu seu lindo sorriso para ela.
- O que houve? Veio correndo?
- É, vim correndo.
- Entre! Cristina foi ao cinema com Nancy. Consegui voltar mais cedo
para casa. – Contou radiante. – Enfim, tenho um tempo para você.
- Já estava começando a pensar que os médicos são uns sofredores! –
comentou, entrando ao lado dela. – Acho que devem ser piores para os
casados, afinal, os parceiros devem se queixar constantemente...
Nicole parou, olhando-a no fundo dos olhos.
- Você iria se queixar se fosse à parceira de uma médica? – Perguntou
direta.
- Bem, eu nunca nem cogitei esta ideia. – Falou, pega de surpresa. –
Mas acho que sempre se pode dar um jeito em tudo. Por outro lado, minha
parceira é uma executiva como eu, talvez eu nem pense nisto mesmo!
Nicole sentiu uma dor forte no peito, mas sorriu, mudando de assunto.
- Vai querer seu uísque puro?
- Se tiver gelo... Se quiser, posso pegar na geladeira para você. –
Ofereceu, percebendo uma mudança nela.
- Seria bom. – Respondeu, começando a servir os drinques, de costas
para Maria.
Maria foi para a cozinha, percebendo que tinha dado um fora. Por que
tinha que ficar lembrando que era comprometida a todo instante? Claro que
assim, Nicole jamais teria coragem de insinuar nada entre elas. Abriu a
geladeira, furiosa consigo mesma. Quando abriu a porta do congelador, viu
uma pilha de picolé voar para o chão. O pior foi o barulho terrível que ecoou no
ar.
- Oh! – Gemeu, se inclinando para apanhar. Acabou rindo, ao imaginar
Cristina devorando todos aqueles sorvetes.
Ficou sem jeito ao ouvir a voz de Nicole na porta da cozinha.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
41
- O que houve? – Perguntou, e suspirou ao ver a multidão de picolés
pelo chão. – Esta minha filha vai acabar me deixando louca!
Gemeu, vindo e abaixando para ajudar Maria. No primeiro que pegou,
o fez junto com Maria. Nicole colocou a mão por cima da dela. Ficaram
paralisadas e se olharam em transe. Estavam tão próximas e as palavras se
perderam no silêncio. Nicole acariciou a mão de Maria, suavemente. Em
seguida, pegou-a e levou aos lábios, passando a beijar com adoração. Maria
suspirou encantada.
- Nicole...
Nicole ergueu-se, ajudando-a, e saiu da cozinha. Na sala,
simplesmente abraçou Maria. Ficaram assim, sentindo seus corpos, sem se
mover. Os lábios de Nicole acariciaram o lóbulo da orelha de Maria com a
pontinha da língua. Ali, ela gemeu excitada.
- Me perdoe, mas estou louca por você...
Maria estremeceu, se afastando para ver Nicole. Seus olhos se
encontraram por um segundo. Maria ergueu a mão, tocando levemente os
lábios carnudos com a ponta dos dedos. Um sorriso sensual brotou em seus
lábios, ao dizer num sussurro rouco.
- Quero você... Seus lábios em meu corpo... Suas mãos... – Gemeu,
colocando as mãos de Nicole em seus seios. – Sim, aqui... Tocando-me, me
seduzindo...
- Nem durmo direito, sonhando em tocá-la assim. – Gemeu,
acariciando os seios lentamente. – Sonho com sua boca, ela é linda...
- Me ame Nicole, seja minha agora. – Implorou, possuindo os lábios
dela, enlouquecida.
As mãos de Nicole agarraram o corpo de Maria com força. Colou seus
corpos, ansiosa por sentir aquele contato.
Neste exato momento, ouviram uma porta batendo e a voz de Cristina
falando para Nancy:
- Ele não devia ter deixado o Mickey roubar a Margarida no jogo, acha
que ela não teria vencido?
Nicole se afastou de Maria no mesmo instante. Pegando sua mão,
Nicole voltou à cozinha e começou a pegar os picolés com a ajuda de Maria. E
gritou para a filha:
- Cristina? Estou na cozinha com Maria, filha. – E olhando para Maria
com ternura, disse baixinho: - Desculpe!
- Não peça desculpa, está tudo bem. – Sorriu, indo até a geladeira.
Tirou a forma de gelo e colocou os picolés com a ajuda de Nicole. Neste
instante, Cristina entrou e gritou ao ver Nicole com o último picolé na mão.
- O que estão fazendo com meus tesouros?
- Só estou tirando a forma de gelo, ninguém comeu seus tesouros.
Como foi o filme? – Perguntou, pegando-a no colo.
- O Mickey é terrível, ele roubou de Margarida no jogo.
- E não foram ao circo?
- Quando chegamos, os ingressos tinham esgotado. – Contou Nancy,
entrando na cozinha. – Havia uma fila infernal.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
42
- Oi Nancy. – Falou Maria e depois beijou Cristina. – Como vai
Cristina?
- Bem, agora que veio nos ver. O que vão fazer?
- Vamos beber um drinque e você vai já para o banho com Nancy e só
volte com seu pijaminha no corpo.
- Mas temos visitas, Nicole Rossi! – Disse batendo o pé.
- Não importa Cristina Rossi! Agora, já para o banho.
Voltaram à sala e Nicole preparou os drinques. Confusa, Nicole ligou a
televisão, sentando perto dela.
- Cristina logo vai querer ver seu filme predileto. – Riu, entregando o
drinque para ela.
Maria abriu um sorriso, mas se voltou para a televisão ao ouvir a
notícia que estavam dando no jornal das sete:
- “... Prendeu a quadrilha que assaltou a casa de empresário Mário
Silveira. Quatro homens e uma mulher. Um deles, Gustavo Labório, confessou
ter matado seu amante João Felicetti, por estar sendo ameaçado por ele.
Segundo Gustavo, João Felicetti ameaçou contar sobre o roubo à polícia, caso
não voltasse com ele para Alemanha, onde estavam vivendo juntos. Gustavo
também declarou que João não sabia de suas atividades no mundo do crime,
porém, a quadrilha alegou que a mala com os objetos roubados, ficou no carro
da executiva Maria Felicetti. Segundo Gustavo, ela iria devolver os objetos a
pedido do irmão à família Silveira. Eles alegam também que a mala sumiu e
que sabem que Maria Felicetti não tem culpa, pois estava desacordada. Maria
Felicetti foi atingida com três tiros pelos ladrões, que tentaram liquidá-la
também. Para os assaltantes a mala está em poder da mulher que socorreu
Maria Felicetti, depois que eles deixaram o local rapidamente ao verem dois
carros de aproximando. Segundo eles, os carros que passaram pelo local, não
pararam para socorrer a executiva. Amanhã, Maria Felicetti será chamada para
depor, pois segundo a polícia, ocultou dados importantes na investigação.
Também será chamado Antônio Felicetti e Sara Felicetti por terem omitido
dados importantes da polícia”.
Maria encarou Nicole, sem jeito. Não queria que ela pensasse que
tinha mentido sem motivo real, mas Nicole abriu um largo sorriso, dizendo:
- Parece que a polícia acabou sabendo da terceira bala.
- Nós não contamos que João estava no Brasil, porque pensamos que
isto poderia prejudicá-lo e mais tarde, quando soubemos que estava morto, não
havia como voltar atrás...
- Maria, eu tenho certeza que você nada tem com esta história sórdida.
Confio em você plenamente. – Falou, segurando a mão dela. – Você e seus
pais irão se apresentar na polícia com um advogado e tudo ficará bem.
- Não sei onde a mala foi parar...
- Ainda bem. – Riu feliz. – Além do mais, os próprios assaltantes
livraram você desta, não ouviu? A polícia terá que procurar em outras bandas.
- Estou feliz que esta história tenha terminado bem! – Riu, jogando-se
nos braços dela. – Obrigada pela força. Agora preciso ir, pois meu pai deve
estar louco atrás de mim.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
43
- Quer que eu vá com você?
- Não. – Disse, acariciando os cabelos dela. – Deixe que tudo se
acalme e aí virei vê-la.
- Quanto ao que aconteceu, queria te dizer que...
- Não agora, depois, querida. – E foi saindo rapidamente da casa de
Nicole.
Nicole ficou olhando a porta fechada, com um sorriso nos lábios. Maria
a chamou de querida. Sabia que era só uma forma carinhosa de se chamar
alguém, mas uma querida era sempre querida. Pensava nisto, saboreando seu
drinque, quando o telefone tocou.
- Alô?
- Nicole, você ouviu a notícia na televisão? Pegaram à quadrilha que
assaltou a casa de Mário Silveira. O que vai fazer com esta maldita mala? –
Falou Renato rapidamente.
- Agora que sei que Maria nada tem haver com isto, tenho que deixar a
poeira assentar, Renato. – Falou tranquila. – Por que não vem aqui?
- Sim, estarei aí logo. – Disse, desligando.
Renato estava mais calmo, quando chegou. Nicole ficou o ouvindo
contar sobre o último paciente que atendeu naquele dia, atenta. Enquanto o
ouvia, ia notando como Cristina era parecida com ele. Não podia negar que
tinha um grande orgulho dele ser o pai. Tinha um carinho tão grande por
Renato, ele era o homem mais correto e carinhoso que já conheceu em sua
vida.
- Vai contar à Maria que foi você quem a salvou, escondendo a mala? –
Ele perguntou curioso. – Cristina me contou que vocês têm saído juntas.
- É, eu e Maria somos boas amigas, agora. E talvez eu conte. Depois
que ela esclarecer tudo com a polícia. Caso ela saiba de algo, terá que mentir
novamente e não desejo isto. Os Silveira vão receber os objetos roubados,
antes que imaginam. Vai ser uma grande surpresa, não acha?
- Vai entregar pra eles?
- Claro que usarei o correio, Renato, não quero mais problemas.
- Vai ser um grande alívio, saber que se livrou desta coisa. –
Comentou, indo pegar um drinque.
- Renato, eu estive pensando em algo que você me disse, há alguns
dias atrás. Por que pensa que eu iria permitir que um homem qualquer me
desse um filho?
Renato se voltou, olhando-a surpreso. Aquele assunto era muito
doloroso para ele. Acendeu um cigarro, analisando a expressão de Nicole,
atento.
- Por que está falando nisto, agora?
- Quero saber por que disse aquilo outro dia?
- Bem, eu quase fiquei louco quando soube que estava grávida. –
Falou sério. – Eu teria dado tudo para ter um filho com você.
- E acha que de alguma forma que lhe devo isto? – Perguntou,
segurando o rosto dele.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
44
- É você quem devia me dizer se me deve isto Nicole. – Falou
magoado.
- Eu me afastei de você porque descobri que estava gráfica. – Falou,
acariciando o rosto dele. – Queria nosso bebê, mas não queria um casamento.
Renato olhava para ela incrédulo. Nicole estava dizendo que ele era o
pai de Cristina?
- Por que acha que sempre fiz questão de mantê-lo por perto? Queria
que estivesse perto da sua filha, mas não queria magoá-lo de forma alguma.
Sei que se tivesse te contado, você iria querer se casar, legalizar e fazer mil
coisas que não estava a fim, entendeu?
- Eu sou o pai de Cristina?
- Você é o pai de Cristina sim, nenhum outro homem teria este direito.
Eu te amo muito...
- Mas você me escondeu que eu tinha uma filha? Acha que tinha este
direito? – Perguntou furioso. – Você acha que tinha este direito Nicole?
- Sim, eu acho que tinha direito sim! Você me amava demais Renato,
não iria querer as coisas como eu queria.
- Eu ainda te amo!
- Mas eu não te amo Renato, eu amo outra pessoa. – Falou agarrando
o rosto dele. – Por que não entende isto de uma vez?
- Não posso acreditar que você está apaixonada por Maria. – Falou,
olhando-a com espanto. – Você não está!
- Estou sim! – Confessou, se erguendo. – Acho melhor você ir até ao
quarto de Cristina vê-la. Quando estiver mais calmo, podemos conversar
melhor.
- Nicole...
- Por favor, Renato, faça o que pedi. – Falou, deixando-o sozinho na
sala e indo para o seu quarto.
Maria ligou três dias depois contando que estava tudo bem. A polícia
não tinha nada contra ela e nada puderam fazer. Estavam atrás da mala
apenas. Nicole pediu a ela que fosse à sua casa mais tarde, dizendo que
precisavam conversar.
Nicole a recebeu às nove da noite. Cristina tinha acabado de dormir em
seu colo. Serviu um drinque para Maria e levou a filha para o quarto,
colocando-a na cama com cuidado. Depois voltou e estendeu a mão para
Maria.
- Venha, preciso te mostrar uma coisa.
Maria sentiu o coração acelerando quando Nicole abriu a porta do
quarto. Maria entrou e ficou olhando para cama em silêncio. Nicole fechou a
porta e se aproximou, olhando-a com atenção.
- Acho que existe uma coisa que gostaria de saber Maria. – Começou
séria.
- Sim, acho que quero saber muitas coisas sobre você. – Falou
emocionada.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
45
- Então vamos começar pelo dia em que nos conhecemos. – Falou
apontando para uma cadeira. – Você sabia que meus pais moram em Cabo
Frio?
- Não, você não me contou nada...
- Bem, é que não tinha importância antes. – Riu, acendendo um
cigarro, e fazendo uma pausa.
Maria desceu os olhos pelas pernas, novamente á mostra. Nicole
usava um vestido curto e justo que marcava suas formas e expunha as pernas
mais do que devia.
- Fui almoçar com eles há quase três meses atrás. Quando estava
voltando vi um carro atravessado na pista. Como eu não podia passar tive que
descer para ver o que estava acontecendo. E sabe o que vi?
- Nicole, o que está me dizendo? – Perguntou, olhando-a com espanto.
- Vi você caída no meio da estrada. Chovia muito neste dia, Maria. Eu
não te conhecia, mas sou médica e tinha que prestar socorro...
- Nicole...
- Eu salvei você e fui eu quem pegou a mala que todos estão
procurando! – Falou, fitando-a fixamente.
- Mas porque pegou a mala? – Perguntou com tristeza. – Não devia
ter...
- Espere Maria, me ouça primeiro. Peguei a mala porque vi o que tinha
dentro. Achei que se a polícia encontrasse aquilo no carro iria causar sérios
problemas para você. Eu não te conhecia, mas quando vi seu rosto, desejei
ajudá-la de verdade.
- Mas então...
- Sim. – Falou, indo até o armário. Pegou a mala e abriu em cima da
cama para que Maria visse. – Eu a guardei para que você não tivesse
problemas. Não toquei em nada e a única pessoa que sabe que isto está
comigo é Mancel.
- Nicole, você é louca! – Riu, balançando a cabeça. – Sabe o que pode
acontecer se a polícia descobrir que está com isto todo esse tempo sem dizer
nada?
- Estou pensando em enviar pelo correio para Mário Silveira. Acho que
ele vai gostar do presente e o caso fica encerrado. – Contou, fechando a mala.
– O que acha?
- Nicole, isto é o melhor que tem a fazer. – Respondeu feliz. – Então
você é a mulher que me salvou a vida naquele dia? Nicole, você me salvou por
duas vezes. – Falou, olhando-a com adoração. – Nem sei o que dizer...
- Não precisa dizer nada, eu adorei salvar você, mas foi só depois que
percebei que a salvei para mim, porque queria tê-la junto de mim. – Confessou,
abraçando Maria junto de si.
- Continuou pensando assim mesmo depois de saber de Beatriz? –
Perguntou, fitando-a nos olhos.
- Maria, eu quero você e não existe ninguém que vai me impedir de têla,
sabia? Não sei qual será nosso destino, mas quero fazer amor com você. –
Gemeu, buscando os lábios dela, ansiosa.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
46
O corpo de Maria foi deitado na casa, suspenso pelos braços de
Nicole. Começaram a despir uma à outra, encantadas com cada parte que
surgia livre para as carícias. Maria ficou nua primeira, mas se afastou para
admirar melhor o corpo de Nicole. Ficou em transe, diante de tanta beleza. O
elogio saiu num gemido abafado.
- Você é linda, perfeita, divina...
Nicole sorriu, aproximando-se dela. Com as mãos trêmulas, acariciou o
rosto de Maria, depois desceu os lábios até encontrar os dela. Perderam-se
num beijo arrebatador, selvagem e eterno. Maria ergueu as pernas, prendendo
Nicole a si. Buscou os seios, ansiosa, beijando-os com adoração. Nicole
desceu as mãos, conhecendo aquele corpo, mergulhando assim, numa viagem
sem volta ao mundo prazer. Numa união completa, seus lábios voltaram a se
encontrar, quando se tocaram mutuamente. Os sexos úmidos gritavam o
prazer satisfeito. Seus lábios se afastaram e os olhos se encontraram no exato
momento que explodiram num gozo fulminante. Nicole sorriu, beijando-a com
carinho. Deitou ao lado de Maria, abraçando-a bem apertado.
- Isto podia ter acontecido antes, sabia? – Perguntou, acariciando as
costas dela. – Eu e você, assim. – Riu, olhando seus corpos.
- Podia ter me dito que desejava há mais tempo. – Riu num ar
provocante.
- Você sabia Nicole, nós sabíamos. – Suspirou, afastando-se dela. – Eu
soube desde a primeira vez que a vi diante de mim. Você ficou me olhando,
como seu eu fosse um fantasma.
- Fiquei encantada com sua beleza...
- E furiosa, por me ver numa cadeira de rodas. Fiquei muito mais
quando soube que tinha uma bala que você devia tirar.
- Mancel me pegou de surpresa. Ele sabia que se tivesse me contado
antes eu teria me recusado a operar.
- E teria me deixado morrer?
- Claro que não. – Gemeu, beijando com paixão. – Amo você demais
sabia?
Maria ficou olhando-a encantada. Sim, já sabia que seria assim. Se não
se amassem, não estaria ali com ela.
- Vou falar com meus pais sobre nós. – Contou com os olhos brilhando.
– Tem plano para nós?
- Tenho muitos sonhos, mas não ouso falar sobre eles. Só desejo ficar
com você bem junto de mim. Quero fazer amor com você de novo, enquanto
aguentar. – Gemeu, prendendo-a em seus braços. – Maria... Maria...
Maria ainda sentia todas as emoções pulsando em seu peito, quando
deixou a casa de Nicole, às seis da manhã. Chegou a casa e subiu direto para
o seu quarto. Tomou um banho, deitou e dormiu imediatamente, com um
sorriso nos lábios.
À noite, Maria sentou à mesa para jantar com os pais, decidida a contar
a verdade. Após o jantar, ficou observando os dois. Antônio estava feliz, pois a
polícia tinha os liberado de voltar à delegacia.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
47
- Estou feliz demais! Podemos superar o escândalo da divulgação do
romance de João com aquele marginal. Logo vão se cansar de falar.
- Papai? Eu descobri quem foi a mulher que me salvou naquele dia. –
Falou, percebendo o susto dele e da mãe.
- Ora, mas como? Não entendo! – Disse Sara, tensa.
- Diga logo! – Pediu Antônio.
- Foi Nicole, papai! Ela tinha ido almoçar na casa dos pais, que moram
em Cabo Frio. Quando voltava, viu meu carro e parou para me socorrer. Na
verdade, só o fez por solidariedade, afinal, nem sabia quem estava ali. Ela me
levou para o hospital e escondeu a mala.
- Escondeu a mala?
- Sim! Ela achou que se a polícia encontrasse aquilo no meu carro, eu
teria problemas. – Riu feliz. – Acho que ela se apaixonou por mim naquele dia!
– Falou observando a reação dos pais. – Tenho certeza que ela se apaixonou
por mim naquele dia!
- Maria, o que está tentando nos dizer? – Perguntou Sara, olhando com
mais atenção! – Você tem Beatriz e não pode ficar tão feliz por descobrir que a
médica que cuidou de você se..., mas porque está sorrindo? – Parou, olhando
a filha, confusa. – Acaso você...
- Eu amo Nicole! Começou desde a primeira vez que ela veio aqui.
Fomos nos apaixonando e confesso que não tentei impedir.
- Maria, você não pode, é como se fosse casada. – Disse Antônio sério.
– Nós, eu e sua mãe, entendemos sua vida, mas isto é...
- Papai, eu quis contar para vocês, antes de falar com Beatriz. Quero
que entendam que eu e Nicole nos amamos. Nada vai mudar. Vou continuar
sendo a representante dos estaleiros e Beatriz não terá que abandonar seu
emprego por causa disto. Além disso, não vou morar com Nicole, pelo menos
por enquanto. Ela tem uma filha e temos que agir com diplomacia. Será que
terei a aprovação de vocês?
- Bem, eu nada tenho contra Nicole. – Disse Antônio, dando de
ombros. – Ela salvou sua vida, nos devolveu você Maria. Claro que aceito o
que decidir, mas peço que pense se é realmente o que quer.
- Papai, eu sei o que quero! Eu quero Nicole!
- Bom, acho que seu pai tem razão. Nunca vi tanta dedicação de uma
médica para com uma paciente. Eu devia ter desconfiado de que história iria
acontecer. Eu abençoo minha filha. – Disse indo beijá-la. – Porém, continuarei
sendo amiga de Beatriz, certo?
- Claro! Obrigada mãe.
Beatriz olhava para Maria, em silêncio. Não sabia o que dizer no final.
Sabia que Maria sentia a mesma atração que ela sentiu por Nicole, mas amar
era diferente. Maria iria deixá-la para ficar com Nicole.
- Eu não comando meu coração Beatriz, sei que me entende. – Disse
tensa. – O que posso dizer mais?
- Acho que é muito arriscado, permitir o que nos permitimos Maria. –
Falou consciente. – Você me deu o direito de transar com Nicole e eu o fiz,
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
48
mas era bem diferente do que você sentia. Não tenho porque condená-la, e
sabe disto. Porém, preciso dizer que ainda te amo demais.
- Eu sei, mas tudo mudou. Podemos ser amigas, nada tem que mudar.
Apenas não vamos mais ser amantes. Eu adoro você, também. – Riu,
abraçando-a com carinho.
Nicole recebeu Maria com beijos apaixonados. Novamente saiu mais
cedo do hospital para encontrar com ela.
- Estou feliz que tenha vindo. – Disse, começando a desabotoar a blusa
de Maria. – Não paro de desejá-la um minuto sequer.
- Preciso lhe dizer uma coisa, meu amor. – Gemeu, tentando se
afastar. – Primeiro, quero repetir o quanto te amo...
- Como é bom ouvir isto...
- Nicole eu sou livre. – Disse, afastando da cama e pegando um
cigarro. Como Nicole apenas a olhava confusa, ela perguntou séria: - Ouviu o
que eu disse?
- Não entendi o que quis dizer com isto. – Falou agitada.
- Terminei com Beatriz para ficar com você. Eu te amo, só desejo você.
- Maria, você tem certeza disto? Tem certeza que me ama mesmo? –
Perguntou, aproximando-se dela. – Não levo a mesma vida que você. Trabalho
muito, para poder dar tudo que minha filha deseja. E para mim também, por
que não? Gosto de manter meus luxos, sozinha.
- Meu amor, eu sou muito rica e podemos ter tudo que você e sua filha
desejarem. – Comentou animada.
- Por favor, Maria, não fale isto nunca mais! – Pediu, acendendo um
cigarro e sentando na cama. Não quero seu dinheiro, só seu amor, entende?
- Mas querida, eu...
- Você precisa saber que a vida de uma médica é muito agitada. Eu lhe
disse que não tenho tempo, mas agora, acho que você não entendeu muito
bem minhas palavras. O que eu quis dizer foi que não poderei estar com você
sempre que desejar. Em muitos momentos, terá que sair sem mim, terá que
viajar sem mim e até dormir sem mim. Existem emergências em hospitais, eu
nunca sei quando vão ocorrer, só sei que nada pode ser programado em minha
vida.
- Está tentando me dizer que não me deseja em sua vida? –
Perguntou, desolada.
- Meu Deus Maria, não é nada disto. Só estou tentando fazê-la pensar
muito bem agora, para evitar que sofra no futuro. Você não vai entrar em minha
vida, me enchendo de presentes e nem eu vou entrar na sua transformando
sua vida numa festa. Somos adultas e quero que entenda tudo muito bem. Eu
amo você e estou feliz que tenha terminado com Beatriz para ficar comigo,
mesmo porque eu jamais iria desejar dividir você com mais ninguém; só desejo
que tenha certeza do seu amor por mim.
- Eu tenho certeza do meu amor por você. Também adoro sua filhinha
e quero ajudá-la a cuidar dela. Sou louca por você.
- Sim Maria, se é o que quer. Eu também te quero demais meu amor.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
49
- Me ame Nicole, me ame muito. – Pediu, puxando-a para cama. – Seja
minha...
- Ah Maria...
Beatriz Sampaio observava Maria Felicetti atentamente. Fazia mais de
uma hora que Maria estava sentada na mesma posição. Tinha um drinque nas
mãos e bebia imóvel com os olhos fixos no porto, onde uma verdadeira massa
humana trabalhava na construção dos novos navios. Beatriz recordava
vagamente, quando a mudança começou a ocorrer. Há seis meses atrás, Maria
terminou com ela, porque estava apaixonada por Nicole Rossi, a encantadora
Médica que lhe salvou a vida. A felicidade de Maria era um fato notório nesta
época. Primeiro, ela e Nicole partiram numa viagem que durou um mês exato.
A filha de Nicole ficou com o pai, Mancel. Seguindo em suas lembranças,
Beatriz recordou do retorno de Maria. Não existia ninguém mais feliz. Beatriz
por sua vez, acabou aceitando o fato de Maria amar outra, em vez dela. Se
antes foi amante de Maria por seis anos, agora era sua melhor e mais fiel
amiga, mas inexplicavelmente, Maria não conseguia se abrir com ela. O fato
exato é que Maria não gostava de mencionar o nome de Nicole com Beatriz.
Para Beatriz, isto se dava por dois motivos: Um, era o respeito que Maria tinha
por ela. Sabia que Beatriz ainda a amava e por isto era discreta. E o segundo
motivo, era por que Beatriz teve uma queda por Nicole no passado. Portanto,
Beatriz compreendia os supostos motivos de Maria. Compreendia tanto, que
aceitava as coisas como eram agora. Sim, sem Maria sua vida se tornou vazia
e triste, mas não se entregou de todo. Saía com os amigos, sempre evitando
ficar trancada em casa, recordando os tempos bons ao lado da amada, que
perdeu para a grande médica. Nicole Rossi foi uma aventura inesquecível na
sua vida. Não se apaixonou por ela, mas, jamais esqueceu a noite em que a
teve completamente sua. Na verdade, a única coisa sólida que sabia sobre
Nicole, era de sua capacidade de se entregar de corpo e alma, quando
transava com alguém. Era uma entrega tão intensa, que deixou raízes
profundas em Beatriz. Ela sabia que este aspecto exclusivo dela, devia
enlouquecer Maria. Porque era uma coisa que nem se conseguia explicar.
Nicole Rossi era uma mulher deslumbrante. Claro que Beatriz sofreu
intensamente no início. Seu amor por Maria era algo tão forte, tão eterno, que
não conseguia se imaginar sem Maria, mas teve muito apoio dos pais de Maria.
Tanto Antônio quanto Sara, fizeram de tudo para ajudá-la. Tanto que Sara deu
à Beatriz uma viagem de presente. Ela passou um mês conhecendo o resto da
Europa, que ainda não conhecia. E quando voltou, Sara passou a exigir sua
presença constante. Foi promovida, ganhou uma sala nova, uma secretária
exclusiva e um apartamento que recusou, ficando inclusive magoada por algum
tempo. Nisto tudo, Maria tinha o lado sensível, e acabou convencendo os pais,
que deviam deixar Beatriz mais livre. Ela não era mais sua mulher, e, portanto,
eles deviam vê-la somente como uma amiga. Beatriz ficou mais aliviada,
quando os pais de Maria mudaram sua atitude. Mesmo assim, ainda tinham
uma preferência terrível, com relação a ela. Analisando isto friamente, Beatriz
sabia o quanto era negativo para o relacionamento de Maria e Nicole.
Decididamente, Antônio e Sara tinham vestido a camisa de Beatriz, e nada
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
50
parecia poder mudar isto. Beatriz continuava apaixonada e triste, mas sabia
que Maria jamais voltaria a ser sua. E como o coração sofrido, acaba aceitando
a dor, o de Beatriz acabou aceitando sua realidade. Bastava ser amiga de
Maria, e foi nesta convivência amigável que tinham que Beatriz foi aos poucos,
percebendo as mudanças que ocorreram à vida noturna. Mesmo porque, tinha
uma infinidade de compromissos sociais, que precisava cumprir diariamente.
Claro que isto de cara, causou um choque de situações imprevistas da vida de
uma médica, pra uma agenda cheia de rotinas sociais. Maria era obrigada a
comparecer com sua secretária. De outras vezes, ia com o pai ou com a
própria Beatriz, que era sempre convidada juntamente com mais tantos outros
executivos da cidade. Beatriz não sabia afirmar exatamente, o porquê de Maria
estar sempre sozinha, por isto, imaginava que a médica não tinha
predisposição para as festas e jantares, ou talvez o problema de Nicole fosse
simplesmente trabalho demais, que a impedia de acompanhar Maria. O certo é
que Maria agia como se isto não fizesse a menor diferença, mas para Beatriz,
que a conhecia tão bem, aquilo era um grande problema para Maria. Maria era
o tipo de pessoa que adorava compartilhar as coisas. Aliás, difícil devia ser
alguém no mundo, não gostar de compartilhar com alguém querido. Outro fato
interessante era que Maria ia muito à casa dos pais, e sempre sozinha. Beatriz
não via Nicole há dois meses. Por outro lado, Maria estava viajando pelo
menos duas vezes por mês. Não havia a menor possibilidade de ela evitar as
viagens. Era agora diretora geral dos estaleiros Felicetti. Era comum vê-la
atravessando o pátio, e seguindo para a pista particular de onde decolavam os
seis aviões particulares do império dos Felicetti. Beatriz sabia que Nicole
sequer conhecia aquele estaleiro e não era difícil deduzir que não conhecia
também os outros de São Paulo e da Bahia. E Beatriz podia afirmar que
alguma coisa não ia nada bem entre as duas. O difícil seria descobrir o que
exatamente estava acontecendo. Maria estava apática. Parecia uma
sonâmbula sem vida.
Beatriz se ergueu, depois de verificar as horas. Seis horas e os
trabalhadores já começavam a deixar o serviço. Dando uma última olhada para
Maria, Beatriz seguiu para o elevador, balançando a cabeça. Sabia que se
tentasse conversar, ela não diria nada. O melhor era deixá-la com sua dor,
enquanto conseguia se manter a parte.
Maria beijou Cristina, assim que entrou em casa, mas Cristina nem deu
muita bola pra ela. Ganhou de Maria um Atari de presente de aniversário e
agora só ficava agarrada em seu novo tesouro. Maria seguiu para o quarto.
Não tinha sido nada fácil convencer Nicole a se mudar para uma casa maior,
mas por fim conseguiu. Cristina adorou a casa nova. Já Nicole, não pareceu
sentir muita diferença, apenas de mudou. Maria despiu-se no imenso quarto,
jogando as roupas sobre a cama. Correu para o banho, suspirando. Dez
minutos depois, voltou ao quarto, enrolada numa toalha, pegou o telefone e
ligou para a clínica. Enquanto foram chamar Nicole, ela acendeu um cigarro
balançando as pernas. Quando ouviu a voz de Nicole, deitou na cama,
sorrindo.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
51
- Oi Nicole, já estou em casa – Contou animada. – Tenho que sair as
nove e pensei que você conseguiria chegar mais cedo.
- Eu gostaria muito Maria, mas vou operar agora com Mancel. – Disse
cansada. – Olhe, porque não volta você, mais cedo para casa hoje? Faz três
dias que não nos vemos, parece que só conseguimos nos falar por telefone. –
Lembrou num tom amargo.
- Bem, eu posso tentar. Papai vai estar lá e você sabe como ele é.
- Sim, eu sei como é o seu pai. – Suspirou, olhando para o relógio. –
Então podemos conversar quando chegar. Pode me acordar?
- Não consegue me esperar acordada? – Perguntou num tom
insinuante. – Estou com tantas saudades...
- Vou tentar, agora preciso ir. – Disse desligando.
Nicole caiu sentada na cadeira. O que iria fazer de sua vida com
Maria? Afinal, o que estava fazendo com suas vidas? Gemeu, escondendo o
rosto nas mãos. Amava tanto Maria, no entanto, não tinha o menor controle
sobre mais nada. Conseguiu realizar o maior sonho de sua vida profissional,
quando Mancel a tornou sócia da clínica. Teve que deixar o hospital para se
dedicar mais à clínica. Estava vivendo há dois meses com Maria, e na mesma
época, começaram as viagens sem fim. Maria viajava pelo menos uma vez por
semana. Nicole viu tudo começar num pesadelo. Maria ligou para o hospital
avisando que nem poderia passar em casa para se despedir dela. Uma
semana fora, ela ficou! Nicole rolava sozinha na cama. Maria ligava todos os
dias. Era uma viciada em telefones. Andava com um o dia todo dentro da
bolsa, às vezes, Nicole ficava muda quando terminavam de fazer amor pela
manhã e Maria ligava para o estaleiro ditando milhões de ordens para sua
secretária mais do que espetacular. Aliás, a secretária de Maria era, definindo
melhor, um computador valiosíssimo. Andava com Maria para todos os lados.
Era ela quem acompanhava em suas viagens e em todos os compromissos
sociais que Maria não podia evitar. Era Vanda também quem escolhia as
roupas de Maria para todas as ocasiões especiais. Era ela quem tocava a
companhia na casa delas às sete da manhã e falava como se fosse um robô
enquanto Maria tomava o café da manhã com Nicole e Cristina. Vanda tinha
uma agenda imensa. Para Nicole, ela dava a impressão de ser inteiramente
dependente dela. Nicole ficava confusa diante de tantos contratos e chamadas
que as duas davam pra o mundo todo quando estavam juntas. Maria falava
fluentemente o inglês, o alemão e o espanhol. Já a secretária, supria com
árabe, japonês e o francês. Juntas elas eram um todo. Uma potência imbatível.
Nicole chegava a pensar, ás vezes, que Vanda tinha mais espaço em sua casa
do que ela própria. Suspirava, quando às vezes, chegava à casa arrasada
depois de um dia infernal na clínica e encontrava a secretária preparando um
drinque para relaxar Maria. Na nova casa, havia também um escritório que foi
todo montado e decorado pela computadorizada Vanda. Ali, havia um
verdadeiro terminal de computadores, onde Maria e Vanda costumavam varar
noites a fio. Mesmo com tudo isto, Nicole não se definia uma mulher ciumenta.
O grande problema era aquele mundo novo que entrou em sua vida, de um
momento para o outro. Tinha conhecimento que o mundo dos negócios era
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
52
uma loucura, mas jamais pensou que se veria algum dia, plantada bem no
centro dele. E sentia-se uma peça fora do tabuleiro de xadrez. Não é que não
quisesse participar do jogo, ela simplesmente, não fazia parte daquele jogo. O
chamado império dos poderosos. Decididamente, o mundo profissional de
Maria era um jato de água gelada no relacionamento delas. Nisso tudo, estava
Cristina, sua filha. De repente, viu a filha sendo o retrado fiel de Maria. Cristina
vivia com uma pastinha tipo executiva debaixo dos braços. Aliás, era a mesma
que usava para ir à escola. Falava como Maria e adorava pegar o telefone e
conversar com os colegas de classe, como quem estava resolvendo grandes
negócios. Ultimamente, vivia enlouquecida com seu Atari e hipnotizada quando
Maria a deixava jogar no computador. Decididamente, Nicole já não reconhecia
a antiga paz que tinha com a filha. Nada mais de desenhos e cinema! As
apostas acabaram e Cristina agia como se fosse uma mulher adulta. O que
Maria não via diante de seu nariz, Nicole sentia na carne. Tudo aquilo estava
deixando-a meio louca. Vivia tendo fantasias sexuais que nunca tivera antes.
Desejava Maria numa intensidade tão grande que tinha medo de seus
sentimentos. E quando ficava mais de uma semana sem ver Maria, perdia a
noção do que era saudade. Confundia os sentimentos mais simples. Vivia num
estado de angústia e paixão tão intenso que já não sabia controlar seus
impulsos. Como há uma semana atrás, quando Maria passou na clínica para
contar que era a diretora geral dos estaleiros. O pai tinha deixado tudo nas
mãos dela. Nicole ficou ouvindo-a, e no final, quando Maria perguntou o que
ela tinha a dizer, Nicole aproximou-se, agarrando a cintura dela com fúria.
Apertou seu corpo contra a porta, descendo as mãos para os seios, ansiosas.
Maria ficou tão confusa, que se afastou, olhando-a com espanto. Nicole pediu
desculpas e acompanhou-a até o carro, onde Vanda aguardava. Depois Maria
viajou, ficando dois dias fora. Voltou e na mesma noite, viajou de novo, sem
que tivesse a chance de conversar. Nicole se ergueu, balançando a cabeça e
parou encarando a enfermeira Rute que estava em pé perto da porta, olhandoa
profundamente. Riu sem graça, comentando:
- Não vi você entrar, enfermeira!
- Estava distraída, doutora. – Falou, se aproximando lentamente. –
Maria está viajando novamente?
- Não, está em casa. – Falou, procurando um cigarro nos bolsos, mas
não achou nenhum. – Não sei onde deixei meus cigarros.
- Tome! – Sorriu, entregando o maço a ela. – Fume á vontade!
- Obrigada enfermeira. – Riu, aceitando. – Está tudo pronto para a
operação?
Perguntou, massageando o ombro tenso.
- Deixe que eu faça isto. – Falou, puxando a cadeira para que ela
sentasse.
Nicole sentou, suspirando. Logo as mãos da enfermeira Rute tocaram
seu ombro, causando um alívio quase imediato. Soltando o corpo, Nicole
fechou os olhos num relaxamento completo.
- Precisa se cuidar mais. Tem trabalhado muito, doutora. Por que não
tira uma semana de folga? O doutor Mancel não vai se importar.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
53
- Isto está fora de cogitação e não trabalho demais. – Falou, abrindo os
olhos. – Só tive uma semana cheia!
- Mas não se esqueça que se precisar de uma amiga, estou sempre
por perto. Pode ir à minha casa e...
- Não enfermeira, sabe que não irei à sua casa. – Respondeu, se
erguendo. – Obrigada, aliviou bem.
- O ideal seria que Maria parasse mais em casa, para perceber sua
tensão. – Comentou, caminhando para a porta.
- Diga a Mancel que já estou indo. – Falou, suspirando.
Maria rodopiava com um dos amigos de seu pai pelo salão. Ouvia
distante o que ele dizia. Andava meio perdida, tentando entender a reação de
Nicole, há uma semana atrás, quando lhe comunicou que agora era a diretora
geral dos estaleiros. Nicole, tão suave, tão meiga, agiu como uma irracional,
tentando transar com ela na sala dos médicos. Um lugar onde qualquer um
podia entrar e pegá-las numa situação constrangedora. Estranhava tanto à
Nicole, que descobria a cada novo dia. Não se recordava de vê-la sempre
pensativa, calada e distante. Nicole decididamente não era assim. Precisava
conversar com ela para descobrir o que estava acontecendo, talvez pudesse
cancelar o jantar, que teria no dia seguinte. Nicole iria gostar, se ela ficasse em
casa. Também não podia ter muita certeza quando a isto, afinal, Nicole era um
amor, nunca se queixava da vida agitada que levava! Também não se
queixava, quando trabalhava em casa e nem por Vanda estar sempre com ela.
Quanta vez Vanda as interrompeu quando iam começar a se amar? Maria
vinha se perguntado isto, há muito tempo. Talvez fosse porque era de fato, a
única hora em que ela e Nicole se encontravam em casa: exatamente quando
acordavam! Bem, mas eram felizes do mesmo jeito. Nicole adorava seu
trabalho na clínica, e como tinha falado, quando decidiram ficar juntas, tinha
mesmo uma vida muito agitada. Maria ficou muito feliz, quando ela deixou o
hospital e ficou só com a clínica, porém, acabou descobrindo que Nicole era
mais cotada do que poderia supor. Ela estava sempre sendo chamada para
serviços especiais. Tinha uma clientela grande, que só desejava ser atendida
por ela. Principalmente, gente de alta roda. Maria ficou surpresa, a primeira vez
que Nicole pediu á ela para cuidar de um depósito de cheques para ela.
Quando os separou para somar o valor, foi encontrando os nomes mais
distintos do Rio de Janeiro. Nicole já tinha lhe dito que não desejava mais
fama, pois já se contentava com o que tinha e Maria acabou admitindo o fato.
Nicole era tão respeitada como seu amigo Mancel. Por sinal, Mancel já era um
milionário modesto e Nicole não estava longe de ser também. Porém, a relação
de Nicole com o dinheiro era muito estranha, ela simplesmente não dava a
mínima para o dinheiro que ganhava em excesso. Compraram a casa onde
viviam em meio a mato. Depois disto, Nicole só adquiriu uma moto. Comprou
um CB 400 linda e trocou o carro por um jaguar vinho. Maria sabia que não
havia nada mais que Nicole pudesse desejar. Portanto, seu dinheiro era todo
jogado na poupança e por lá esquecido com a maior facilidade. Já o dinheiro
de Maria era todo aplicado nos mais diversos investimentos. Nicole mantinhase
à parte da vida econômica. Todas as revistas que lia era sobre medicina e
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
54
todos as que Maria lia, eram sobre economia. Não havia a menor dúvida para
Maria que neste aspecto, eram completamente diferentes. Mas não se
importava, afinal, cada um devia fazer o que mais lhe agradasse. Olhando para
o lado, Maria viu Vanda cumprimentando Beatriz. Maria pediu desculpas a seu
parceiro e foi ao encontro delas.
- Que bom que veio Beatriz. – Disse, beijando com carinho no rosto.
- Estava chamando Vanda para irmos tomar um drinque em outro
lugar, isto está tédio hoje, Maria.
- É, tem razão. – Concordou, olhando em volta. – Vou falar com papai e
vou com vocês. – Disse, se afastando.
Maria concordou com Beatriz, às três da manhã, que fazia muito tempo
que não se divertia tanto. Foram para uma boate entendida, e ficaram
dançando muito soltas. Até Vanda que era muito comportada, soltou o corpo
com elas. Foi tudo muito impessoal. Beatriz nunca se insinuava para cima de
Maria, porque a respeitava demais, portanto, Maria adorava sair com ela para
se divertir, como naquela noite, mas geralmente, só faziam este tipo de
programa quando não estavam no Rio. Despediram-se e só quando entrou em
casa foi que Maria se recordou de ter pedido a Nicole para esperá-la acordada.
Nicole estava em pé ao lado da janela com um drinque nas mãos, tinha um
olhar indecifrável, que deixou Maria em dúvida quanto aos seus sentimentos.
Jogando a bolsa na poltrona, Maria se aproximou, sentindo-se culpada.
- Oh querida, me perdoe, eu esqueci que estava me esperando.
- Você esqueceu? – Perguntou, olhando-a fixamente.
Não havia nada em Nicole que demonstrasse raiva ou irritação. Pelo
contrário, um sorriso surgiu em seus lábios. Ao vê-la sorrir, Maria suspirou
aliviada.
- Fui a uma boate com Beatriz e Vanda e nem vi a hora passar. –
Contou animada. – Nem imagina o quanto dancei, estou morta! – Gemeu,
caindo deitada no sofá. – Mas ficou aqui o tempo todo? – Perguntou, olhando
Nicole, apreensiva. – Pensei que iria chegar tarde hoje.
- Cheguei às onze da noite. – Comentou, voltando ao bar. – Ah, irei ver
meus pais amanhã e vou levar Cristina. Vamos passar o fim de semana e
queria saber se pode ir conosco?
- Mas querida, amanhã ainda é sexta, não vai trabalhar?
- Decidi tirar uma folga. Mamãe me ligou reclamando que faz dois
meses que não vou vê-la e tem razão. – Explicou, vindo sentar perto dela. – Da
última vez que decidi ir você me pediu para esperar, pois iria encontrar um
tempo para ir comigo, lembra?
- Sim, eu sinto muito. Vou verificar com Vanda se posso me afastar por
três dias.
- Maria é um fim de semana e todos descansam nos fins de semana. –
Falou respirando profundamente para se controlar, mas Maria não notou sua
tensão.
- Sei disto Nicole, mas não depende de mim. Ah, estou morta mesmo!
– Gemeu, se erguendo. – Vamos dormir?
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
55
Nicole olhou-a confusa, mas se ergueu, seguindo-a com o copo nas
mãos. Maria começou a se despir, como se as roupas lhe pesassem no corpo.
Nicole sentou na cama, admirando o bonito espetáculo. Sentiu seu sangue
correndo nas veias, alucinado. Maria tirou a calcinha e caminhou para a cama,
gemendo arrasada.
- Bebi demais, dancei demais e estou caindo de sono. Você apaga a
luz, amor? – Perguntou, deitando e fechando os olhos.
Nicole estremeceu. O copo caiu da sua mão, derramando a bebida
pelo tapete. Num impulso, ela arrancou a saia e a blusa, jogando ao chão.
Atirou os sapatos longes e pulou na cama de repente. Maria abriu os olhos,
olhando meio adormecida, mas ao ver o olhar intenso de Nicole por seu corpo,
gemeu dizendo:
- Querida, você entende? Estou cansada demais...
Nicole riu e Maria se calou sem entendê-la. No instante seguinte,
Nicole agarrou o corpo de Maria, puxando-a para si. Seus lábios buscaram os
dela com fúria. Maria assustou e afastou-se com dificuldade, olhando-a
admirada.
- O que deu em você Nicole? Não quero, estou...
Nicole apertou-a, desta vez de uma maneira que Maria nem pode se
mover. Suas mãos desceram para os seios, passando a massageá-los
sensualmente. Nicole mordeu os lábios de Maria com força, arrancando um
gemido de dor, mas nem se deu conta. Deitou-se sobre Maria, acariciando seu
corpo, desvairada. Maria sentiu seu corpo acender, como por encanto. No
instante em que ergueu os braços pelo pescoço de Nicole, se viu agarrada com
tanta força que abriu a boca para se queixar, mas recebeu no mesmo instante
a língua de Nicole. Entre assustada e confusa, Maria passou a corresponder
aquele beijo louco, que parecia não saciar Nicole. Já sentia as mãos de Nicole
tocando-a fundo. Um prazer alucinante tomou conta do corpo de Maria, quando
Nicole desceu, passando a possuí-la de todas as formas. Explodiu num gozo
alucinante, mas Nicole nem pareceu notar. Rolou com era pela cama e caíram
no chão. Maria levou a mão às costas, olhando para Nicole com horror.
- Você ficou louca?
Nicole empurrou-a para o chão e deitou-se sobre ela, com os olhos
faiscando. Conduziu a mão de Maria para seu sexo, dançando sobre ela,
desvairada. Enquanto isto, já voltava a buscá-la, incansável, e seus lábios
sugavam os seios de Maria, arrancando gritos de dor da sua boca. Nicole a
mordia, enquanto gozava loucamente sobre ela. Quanto terminou, sentiu que
podia continuar amando-a pela noite à fora, mas Maria se afastou, pegando um
cigarro, e dando-lhe as costas. Nicole se ergueu e deixou o quarto, sem nada
dizer. Maria ficou lá, sem sentir um pingo de sono. Quando o dia começou a
amanhecer, foi para o banheiro e ficou deitada na banheira, até que ouvia a
voz de Vanda, chamando-a no quarto.
- Estou aqui na banheira. – Respondeu, abrindo os olhos.
- Bom dia! Pensei que ainda estaria dormindo. Ah, Nicole acaba de
sair.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
56
Houve um acidente horrível na rodovia, estão chamando todos os
médicos disponíveis. Mais de oitenta pessoas feridas, num choque entre dois
ônibus. – Contava, segurando a toalha para Maria.
Maria se ergueu, imaginando que Nicole devia estar super cansada,
afinal não tinha dormido nada. Já Vanda, olhava seu corpo abobada.
Percebendo o olhar, Maria pegou a toalha, perguntando:
- Por que está me olhando assim?
- Bem é que nunca te vi assim. – Comentou, olhando os seis roxos de
mordidas e chupadas.
Maria desceu os olhos por seu corpo e colocou a toalha sobre ele, com
vergonha.
- Me espere lá na sala, não demoro! – Disse ríspida. Vanda saiu e
Maria abaixou a toalha, parando na frente do espelho gigante, em uma das
paredes. Maria arregalou os olhos, voltando a colocar a toalha sobre o corpo,
mas logo voltou a baixá-la, olhando-se com horror. Nicole estava
completamente louca. Como pode fazer aquilo com ela? Olhou seu pescoço e
gemeu baixinho. Teria que ficar sem usar vestido por uma semana. Pelo
menos até que aquelas marcas desaparecessem. Mataria Vanda se ela
voltasse a tocar naquele assunto. Precisava de uma blusa cacharel para uma
situação daquelas, mas com aquele calor, iria morrer. Foi para o quarto e
descobriu que teria que usar um lenço. Seria mais cômodo e apropriado, diante
do tempo. Escolheu uma blusa de seda, uma calça comprida de linho e um
mocassim para calçar. Olhou-se no espelho e sorriu satisfeita. Amarrou o lenço
e percebeu que estava tudo bem, até que tinha ficado bonito. Decididamente,
teria que conversar com Nicole sobre aquela noite. Nunca tinha feito amor com
tanta violência. Com certeza, Nicole tinha bebido além da conta e nem
percebeu o que estava fazendo. Claro, era exatamente isto.
Maria decidiu vir almoçar em casa neste dia. Teria que falar com Nicole
sobre a noite e explicar que não podia ir com ela para a casa dos pais dela.
Quando chegou, Nicole estava preparando as malas no quarto. Maria pensou
ter visto em seu olhar, por uma fração se segundos, um quê de vergonha.
Sorriu, beijando-a nos lábios.
- Soube do acidente que houve Nicole.
- É, tive uma manhã péssima! – Reclamou, passando os braços peça
cintura dela. – Está mais descansada hoje?
- Nicole, precisa falar sobre ontem á noite. – Disse séria. – Você estava
estranha. Sabe que me machucou? – Perguntou, erguendo a blusa e
mostrando as marcas feias.
Nicole ficou olhando com atenção. Não podia dizer que não se
arrependia, por isto, preferiu deixar Maria conduzir a conversa.
- Acho que bebeu demais querida, e entendo muito bem, mas precisa
me ouvir, quando digo que não quero fazer amor. Eu me conheço, entende? –
Perguntou com carinho.
- Sinto muito, não percebi que estava machucando você!
- Nossa você estava tão excitada, meio louca, eu diria. – Continuou
falando quando Nicole se afastou, continuando a arrumar a mala. – E fiquei tão
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
57
triste quando me deixou sozinha aqui e foi lá para sala. Porque fez isto?
Parecia até que estava com raiva de mim Nicole.
Nicole parou, lançando sobre ela um olhar misterioso.
- Raiva?- Perguntou, rindo. – Porque estaria com raiva? – Falou,
pensando que o fato dela ter ido dançar com a ex-amante, esquecendo-se
dela, não devia ser um motivo concreto para Maria. Com certeza, devia estar
pensando que ela era de fero, não se importava com aquela amizade profunda
entre elas.
- Não sei, é justamente por isto que estou perguntando.
- Só estava excitada...
- Por que não me disse?
- Você me disse antes que não queria Maria!
- Nicole, eu acho que precisamos conversar mais, tenho estado muito
tempo fora e acho que você está ficando muito só. Não vou poder ir com você
para a casa de seus pais. Prometo que quando voltar tiro um dia só para nós,
está bem?
- Ótimo. – Riu, imaginando quantas coisas poderia fazer durante vinte e
quatro horas com ela na cama. – Vou adorar ficar deitada nesta cama o dia
todo com você.
- É o que quer? – Perguntou, beijando os lábios dela, excitada. – Quer
passar o dia todo na cama?
- Sim, e fazer amor sem parar. – Completou, empurrando-a para a
cama e caindo em cima dela. – Vamos transar muito, até perdermos as
forças...
- Querida, o que está fazendo? – Perguntou, olhando Nicole rasgar sua
blusa de seda e morder seus seios excitados.
- Estou começando a comer você. – Gemeu, desabotoando a calça
com urgência.
- Nicole! – Gemeu Maria, ofendida, se afastando. – Não gosto que fale
assim! Faz-me sentir como uma mulher à toa. – Reclamou, olhando a blusa
rasgada. – Como pode fazer isto?
- Às vezes perdemos tanto tempo tirando as roupas. – Comentou,
fechando a mala. – Olhe, não quero que se ofenda com minhas palavras. –
Disse arrependida. – Só queria excitá-la.
- Claro. – Riu beijando-a nos lábios. – Vou vestir outra blusa e
podemos ir almoçar com...
- Eu e Cristina já almoçamos, são duas horas da tarde. – Falou,
olhando há por um instante. – Creio que nossos horários são diferentes!
- Bem, então você fica comigo enquanto como. – Falou, dando de
ombros.
- Vanda não veio com você? – Perguntou tensa, e Maria nem
percebeu.
- Sim, está me esperando para almoçar também...
- Não vou poder ficar, vejo você na volta. – Falou, pegando a mala e
deixando o quarto.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
58
Maria ficou olhando para a porta, admirada, mas afinal, o que estava
acontecendo com Nicole? Como pode sair sem lhe dar um unido beijo. Iriam
ficar três dias sem se ver. Bem, não importava. Quando voltasse, falaria com
ela.
No domingo, Nicole decidiu voltar para casa mais cedo. Tereza
implorou para que ela deixasse Cristina ficar mais uma semana. Como Cristina
também pediu com a voz chorosa, Nicole acabou concordando.
Logo que parou o carro no pátio de sua casa, Nicole notou os outros
carros estacionados no pátio. Viu da porta o movimento na piscina. Entrou em
casa e parou cumprimentando os amigos de Maria. Depois seguiu para o
quarto com a sua mala na mão. Jogou-a no chão e acendeu um cigarro,
chegando até a janela. Lá na piscina, Maria conversada animadamente com
Beatriz e mais um grupo de pessoas. Viu quando Vanda disse algo em seu
ouvido e Maria olhou para casa, entrando em seguida. Nicole percebeu que
Vanda tinha contado que ela havia chegado. Afastou da janela fingindo estar
desfazendo a mala. Maria entrou em seguida, sorrindo.
- Querida, que surpresa! – Disse, abraçando Nicole. – Por que não foi
lá fora falar comigo?
- Estou com uma dor de cabeça horrível meu bem.
- Quer tomar alguma coisa? – Perguntou preocupada.
Nicole desceu os olhos pelo corpo dela, excitada. Sem responder,
desceu a mão pelo corpo de Maria, erguendo seu vestido. Começou a acariciar
o sexo de Maria, passando a beijar seu pescoço.
- Nicole? Estamos com a casa cheia de gente, agora não. – Pediu,
segurando a não dela.
- Acho que não vou poder esperar até sua festa acabar. – Gemeu sem
parar com a carícia. – Você sabe que não sei parar, não é amor?
- Sei. – Gemeu apertando-se a ela. – Nossa como você voltou quente...
- Você ainda não viu nada. Passei o fim de semana pensando em seu
corpo.
- É mesmo? Então porque não voltou antes?
- Não importa, estou aqui agora. E não vou deixar você sair daqui sem
antes se minha por inteiro. – Falou, puxando-a para a cama.
Os lábios de Nicole encontraram os de Maria, entreabertos. Mergulhou
neles, enlouquecida. Com as mãos livres, foi erguendo o vestido até livrar
Maria dele. Depois se afastou e se despiu rapidamente. Maria olhou seu corpo
com desejo. Abriu os braços para ela, recebendo-a imediatamente. Nicole não
conseguiu esperar um minuto a mais. Entrou fundo nela, gemendo sem
controle.
- Meu Deus, Nicole, tem que esperar. – Pediu Maria, olhando-a
confusa. – Me sinta primeira. – Gemeu, buscando os seios dela, ansiosa.
Empurrou Nicole para o lado e veio acariciando seu corpo, lentamente. Nicole
não queria nem saber, tinha que tocá-la mais profundo e não parava. Maria
começou a mexer-se sensualmente sobre ela. Seus lábios buscavam a língua
com desejo. Quando explodiu num gozo eletrizante, agarrou-se mais à Nicole.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
59
- Nicole, o que está havendo com você? – Perguntou, acariciando o
rosto dela.
- Saudades... – Gemeu, puxando-a para si. – Quero ficar na cama com
você e nem pense em voltar lá para fora...
- Mas Nicole, eu não posso...
- Eu te amo. – Gemeu, buscando os lábios dela com desejo, e voltou a
prendê-la em seus braços quentes.
Maria só voltou para a festa, uma hora mais tarde. E logicamente, não
se olhou no espelho. Estava feliz, depois dos momentos passados nos braços
de Nicole. Ela estava tão apaixonada, tão sensível, mas quando de aproximou
de Beatriz, percebeu que ela a olhava de forma estranha.
- O que foi Beatriz?
- Devia voltar a amarrar aquele lenço no pescoço ou todos vão saber
por que sumiu por duas horas da festa. – Falou muito séria.
- Obrigada, você é muito discreta. – Respondeu, voltando ao quarto.
Assim que entrou, Nicole olhou-a com cobiça.
- Nicole, porque está fazendo isso comigo? – Perguntou irritada. – Meu
pescoço esta todo marcado... Olha as chupadas. – Gemeu, se olhando no
espelho. – E Beatriz gozou da minha cara!
Nicole sentou na cama furiosa.
- É por isso que ficou irritada? Por que Beatriz te gozou?
- Claro que não! Só não suporto andar marcada assim! Sinto-me
vulgar, é desconcertante. – Reclamou pegando o lenço. – Você nunca fez isto,
sempre fez amor com carinho, com suavidade, mas agora não se controla
mais...
- Na hora você gosta Maria!
- O que está tentando dizer? Não percebe que não estou te
reconhecendo mais? – Perguntou magoada.
- Se o problema é a forma como faço amor agora, voltarei a ser passiva
e contida de antes.
- Era assim que você era? Pois eu adorava amá-la daquela forma.
- Não tem problema, vai ser como antes...
- Não! Você tem que dizer o que mudou com a gente. – Falou,
aproximando da cama e agarrando o rosto dela. – Por que não fala a verdade?
Você está com raiva de mim, posso sentir que está.
- Só penso que fica tempo demais sem transar e não gosto disto! –
Falou, virando o rosto para o outro lado.
- Ora, mas o que quer que eu faça?
- Fique mais tempo comigo. – Pediu com o coração apertado.
- Nicole! Não posso largar os negócios. – Falou admirada. – Você não
sabe quantos problemas enfrento diariamente...
- Eu sei Maria, tudo bem, mas às vezes me sinto só demais.
- Se você saísse mais comigo querida, mas você nunca vai.
- Não gosto de sair, eu gosto da minha casa.
- Tá bom! Verei o que posso fazer. – Falou se erguendo.
- A festa vai acabar tarde?
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
60
- Não, acho que não. – Sorriu, deixando o quarto.
Às dez horas da noite, quando terminou a festa, Maria voltou para o
quarto. Quando entrou, Nicole dormia profundamente. Maria se despiu e deitou
ao seu lado. Ficou bem quieta, fumando pensativa. Talvez Nicole tivesse razão
quanto ao fato de estar ficando muito só. Maria admitia que sua vida andasse
uma loucura. Precisava encontrar mais tempo para estar com Nicole e Cristina.
Mancel serviu seu prato, olhando fixamente para Nicole. Ela fumava,
ignorando a comida à sua frente. Costumavam almoçar juntos durante a
semana, e especialmente nesta segunda, Nicole estava no mundo da lua.
- O problema do amor é justamente este, todos estes sintomas são
terríveis minha amiga.
Nicole olhou para ele rindo baixinho. Mancel estava se tornando cada
dia mais bem-humorado. Estava de caso com uma medida e Nicole dava a
maior força. Ele e Cristina se davam às mil maravilhas. Um lado que tornava
Nicole extremamente feliz.
- A paixão desgasta o emocional demais, devia tirar esta angústia dos
olhos, afinal, pensei que estava entrando num relacionamento perfeito, quando
decidiu ir morar com Maria. E o que encontrou? Uma mulher tão ocupada, que
nem deve saber qual é o seu lado preferido da cama!
- Está dizendo bobagens! – Riu, fazendo sinal para o garçom e pedindo
outro drinque.
- Hum! – Gemeu, olhando para o relógio. – Uma hora da tarde e está
no terceiro drinque. Por que não vai ao estaleiro e arranca Maria de lá pelos
cabelos? Você está daquele jeito. Atacada de desejo! Conheço você como a
palma da minha mão. Sei o que estou dizendo...
- Se me conhece tanto, procure guardar para você. – Reclamou,
pegando outro cigarro. – Não se meta, está bem Mancel?
- Claro que vou me meter, se não o fizer, terei um ataque do coração.
- Você...
- Adoeça! – Falou, ficando extremamente sério, de repente.
- O que disse?
- Finja que está doente! Prometo que convenço um amigo meu a
participar da brincadeira, sem o menor problema. Você não sabe do que é
capaz uma mulher preocupada num caso destes.
- Mas é claro que sei do que é capaz uma mulher preocupada num
caso...
Nicole se calou, olhando pra ele, curiosa.
- Gosto quando você pensa. – Falou satisfeito. – Ah, Nicole, nós
sofremos tanto nesta vida! Às vezes por coisas que podem ser facilmente
resolvidas. Já temos que aguentar diariamente todo este sofrimento humano e
ainda temos que carregar o nosso. Por que não? Sabe que todas as situações
são adaptáveis? Se você adoecer, alguém terá que cuidar dos negócios de
Maria. Existe Antônio e terá que aceitar, ou pensa que Maria a deixaria
sozinha, se tivesse muito mal?
- Muito mal? Por que tem que vir logo com exageros? - Perguntou
apavorada - Se concordar com isto, precisa ser uma doença menos
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
61
monstruosa. O que Maria vai pensar, vendo uma doente ardendo de desejo a
todo instante?
- Mas está neste ponto? – Perguntou preocupado. – Podia comprar um
vibrador! Quem sabe uma casa de massagem? Uma boneca inflável? – Riu
divertido com seus pensamentos. – Ou quem sabe a enfermeira Rute? Ela é
palpável, pode satisfazer até...
- Não estou achando a menor graça. – Falou furiosa. – Se não se pode
falar sério, me deixe em paz!
- Ei, só estava tendo ideias. – Riu, apertando a mão dela. – O certo é
que tem que prender Maria a seu lado por algum tempo.
- Pela vida toda, seria o ideal! Por que fui sonhar tanto? – Gemeu,
suspirando. – Devia ter me casado com uma médica, que gostasse das
mesmas coisas que eu...
- E viver a vida mais tediosa deste mundo? Ah Nicole, deixe de
bobagens! O que acha de uma perna quebrada?
- Perna quebrada? Mas que horror! Era só o que me faltava! – Rosnou
furiosa com ele. – Por que não engessa a sua, panaca?
- Gente, mas só estou tentando ajudar. – Riu mais divertido agora. –
Muito bem, que tal uma pneumonia? Tem que ficar de cama é o ideal para
você. Precisa de muitos cuidados. Só terá um pouco de problemas com o calor,
mas aposto como pode superar tudo muito bem.
- É, por uma pequena lua de mel, sou capaz de superar até o
insuportável. – Falou, suspirando. – Vai me arranjar o médico?
- Claro! O Flávio. Você o conhece! Adora uma brincadeira!
- Ótimo, pois então vamos brincar que sou a paciente, em vez de
médica, mas uma semana sem ir á clínica? Vou morrer de tédio! – Reclamou
angustiada. – Mas não se pode ter tudo!
- Terá Maria, o que mais pode querer? Deixe que cuido de tudo na
clínica, enquanto estiver matando Maria de preocupação. E terá que ser bem
convincente, uma verdadeira atriz!
- Tudo bem! Deixe que hoje mesmo comece a representar. Será que
você pode ir buscar Cristina na casa de meus pais no domingo?
- Ora, mas é claro, e vou deixá-la uma semana lá em casa comigo.
Nicole, você vai ter uma lua de mel maravilhosa, mas livre-se de Vanda.
- Oh Vanda! Preciso afastá-la de alguma forma. Vou pensar em algo.
Agora vamos embora ou você vai morrer de tanto comer.
Mancel não deu paz a Nicole o resto da tarde. Queria entrar logo em
contado com Flávio e começar com a farsa, mas Nicole pediu mais um tempo
para pensar e Mancel teve que concordar. Porém, Mancel não ficou satisfeito.
No dia seguinte mesmo, procurou Rute e perguntou se ela poderia sair para
jantar com ele no dia seguinte. Rute concordou, pois sabia que Mancel não
tinha segundas intenções, por outro lado, conseguiu convencer Nicole a ir ao
mesmo jantar. Propositalmente, combinou num restaurante onde sabia que o
meio econômico badalava toda noite e também propositalmente, não chegou
na hora marcada. Nicole não escondeu sua surpresa, ao deparar com Rute na
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
62
hora marcada. Rute por seu lado, começou a perceber que Mancel devia estar
tramando alguma coisa, mas não se importou e sorriu para Nicole, feliz.
- Não esperava encontrá-la doutora. – Disse tranquila. – Acho que
Mancel resolveu nos pregar uma peça.
- Bem, isto é muito constrangedor. – Riu sem jeito, sentando diante
dela. – Não costumo sair de casa e Mancel sabe disto. Ele ainda não chegou?
– Perguntou, olhando em volta.
- Não, mas deve estar para chegar! Vai beber seu uísque de sempre?
- Sim, claro. – Concordou agitada.
Nicole não desejava dar uma impressão errada à Rute. De repente ela
poderia pensar que estava ali porque queria ir para cama com ela. Rute era a
pessoa mais sutil que conhecia, muito raramente, insinuava alguma coisa entre
elas e quando o fazia, Nicole ficava sempre em dúvida se era aquilo mesmo
que ela queria dizer. Suas palavras davam margem a segundas, terceiras e até
quartas interpretações.
Uma hora mais tarde, quando Mancel apareceu, o que ele forçou já
tinha acontecido. Beatriz esteve no restaurante com Vanda. Foram apenas
tomar um drinque, antes de irem para suas casas. Naquela noite, Maria foi
jantar na casa dos pais. Beatriz ficou admirada ao ver Nicole com Rute.
Conhecia a enfermeira e sabia que era caída por Nicole. Foi a gota d’água.
Mancel ajeitou-se numa cadeira, pedindo milhões de desculpas. Pediu o jantar
e quando terminaram se despediram normalmente. Nicole suspirou aliviada
quando os deixou. Pelo menos Mancel não tinha sugerido nada mais. Só
amava Maria e não desejava nada com pessoa alguma. Quando Maria voltou,
ela já dormia profundamente.
Maria estava trabalhando com Vanda quando Beatriz entrou em sua
sala na tarde seguinte. Não conseguia parar de pensar que Maira era boa
demais para ser enganada por Nicole. Beatriz serviu três cafés, entregando os
dois à Maria e Vanda e comentou tranquila:
- Sabe que eu e Vanda fomos tomar um drinque ontem no Marsons?
Maria ergueu os olhos, sorrindo animada.
- Ainda bem que foram, tivemos um dia péssimo ontem! – Comentou,
lançando um olhar rápido na direção de Beatriz e voltou a encarar Vanda. – Viu
o último contrato dos dez navios para a Rússia? Não sei onde foi parar.
- Está na sua terceira gaveta. – Respondeu, abrindo a agenda.
- Bem, eu não queria ser intrometida, mas vi alguém ontem que talvez
te interesse. – Falou séria. – Nicole estava no Marsons!
Maria ergueu os olhos com a mesma tranquilidade de antes e sorriu.
- É mesmo? Conversaram? – Perguntou, imaginando que elas não
deviam ter se falado.
- Ela não me viu. Estava muito ocupada com a sua companhia. – Falou
seca. – Acho que ainda se lembra da enfermeira Rute...
Maria ficou olhando-a sem fala. Pegou um cigarro e acendeu
pensativa. Nicole com Rute? Mas era impossível, Nicole não gostava de sair de
casa.
- Achei estranho, pois nunca tinha visto Nicole badalando por aí com...
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
63
- Nicole não badala! – Contou tensa, olhando Beatriz furiosa.
Vanda ergueu os olhos, encarando as duas e riu comentando:
- Nicole estava lá com uma loira muito bonita, mas não posso afirmar
que estava badalando. Bem, ela é sempre muito séria.
- Com certeza precisavam discutir sobre algum paciente...
- Médica e enfermeira tomando um drinque? – Perguntou Beatriz,
irônica. – Ora Maria, médica não discute com enfermeira sobre pacientes
tomando drinques num lugar como ao Marsons, elas de divertem!
- O que está tentando dizer? – Perguntou, ficando vermelha como um
pimentão.
- Nada demais, mas não quero vê-la se enganando. Rute não perdeu o
antigo costume de adorar Nicole com os olhos. Eu, no lugar de Nicole, teria
terminado a noite de uma forma bem agradável...
- Por favor, Beatriz, não faça isto. – Pediu, erguendo-se agitada.
Caminhou ate a janela e ficou olhando os funcionários trabalhando nos navios.
Não conseguia imaginar Nicole com Rute. Nicole não seria capaz de traí-la
com aquela mulher estonteante. “Ah, meu Deus!” Gemeu, se voltando e
encarando Beatriz muito séria. – Não tente me indispor com Nicole. – Pediu
meigamente. – Esqueça o que viu, porque tenho certeza que Nicole não seria
capaz de uma coisa destas!
- Sinto muito, mas se quer assim, não está mais aqui quem falou. –
Respondeu, deixando a sala imediatamente.
Ao final do dia, Maria concluiu que era uma bobagem tudo aquilo.
Beatriz com certeza só estava querendo fazer com que sentisse ciúmes de
uma bobagem. Mesmo assim, voltou para casa às sete. Nicole sorriu feliz em
vê-la. Abriu uma garrafa de vinho e sentou. Maria tinha o coração apertado e
sabia que precisava saber a verdade. Por isto perguntou, quando se deitaram
mais tarde.
- O que fez ontem à noite?
Nicole olha-a profundamente e respondeu tranquila:
- Fui jantar no Marsons com Mancel! Ele vai buscar Cristina em Cabo
Frio, e quer que ela fique uma semana em sua casa.
- Por que não me contou que jantou com Mancel? – Perguntou, com o
coração explodindo de tristeza. Nicole estava mentindo pela primeira vez, ou
teria mentido de outras vezes? Não era possível, Nicole era tão apaixonada e...
- Mas Maria, eu mal falei com você esta manhã. – Riu, puxando-a para
os seus braços. – Estou feliz que tenha voltado mais cedo para cada. Assim
podemos fazer amor. – Gemeu, beijando-a com paixão.
Bastou que os lábios de Nicole caíssem nos seus para que Maria
esquecesse todas as suas desconfianças. Amaram-se com ardor. Maria
agarrou-se tanto à Nicole que chegou a surpreendê-la, mas Nicole nem
percebeu nada estranho. Só tremia de desejo em seus braços. Maria estava
triste, mas tão triste que lágrimas teimavam em brotas dos seus olhos a todo
instante e ela as segurava.
Maria nunca odiou tanto uma semana quanto odiou aquela. Não
marcou nenhum compromisso para as noites. Estava aflita e nervosa. E para
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
64
piorar as coisas, encontrou na quarta-feira um buquê de rosas na sala com um
cartão, logo pela manhã. Como Nicole estava no banho, Maria pegou o cartão
e leu escondido. “Minha querida, estou com tantas saudades... quando vamos
voltar a viver uma noite como aquela? Você me fez tão feliz”. Maria rasgou o
cartão e jogou-o no lixo, furiosa. Pegou o buquê de rosas, e jogou no lixo, fora
de si. Neste instante, Vanda entrou sorridente.
- Bom dia! – Falou deixando a pasta na mesa. – Oh rosas! –
Comentou, olhando as rosas que voavam para a cesta de lixo. – Vermelhas!
Mas porque as jogou no lixo?
- Não diga bom dia num dia péssimo. – Rosnou furiosa. – Vamos
embora, não posso perder um minuto sequer.
- Mas...
- Vanda, não me irrite! – Gritou, agarrando o braço dela. – Vamos, sim?
- Me perdoe. – Respondeu assustada. – Mil perdões Maria!
- Pare logo com esta choradeira. – Pediu, parando diante do carro,
onde o motorista olhou para elas confuso. Não tinha nem um minuto que
Vanda tinha entrado e já saíam. Isto nunca tinha acontecido antes. Maria olhou
para ele, impaciente. – O que está esperando?
- Oh eu...
- Abra logo esta porta e me poupe de desculpas ridículas. – Ordenou,
com os nervos à flor da pele. Vanda sentou ao lado dela, escolhida no canto.
Maria acendeu um cigarro e falou num tom baixo: - Cancele todos os
compromissos de hoje. Não quero ver ninguém. Informe que a reunião
marcada para três da tarde será ao meio-dia. Depois iremos ao estaleiro de
São Paulo e passaremos à tarde lá. Entrou em contato com Júnia como pedi?
- Sim, ela vai nos esperar no aeroporto, como pediu.
- Perfeito. – Riu tocou a mão dela rapidamente. – Sinto muito por ter
perdido a calma, Vanda.
- É claro Maria! Eu compreendo...
- Trate-me de igual para igual. Passo mais tempo com você do que
com a mulher que amo. – Comentou tensa. E neste momento, percebeu o
quanto isto era verdade. De repente estavam acontecendo coisas que lhe
fugiam ao controle. Nicole podia estar se satisfazendo com outra, enquanto ela
trabalhava dia e noite. Olhou para Vanda e perguntou muito séria: - Estou pior
do que devia estar não é?
- Bem, parece que não acordou num dos seus melhores dias.
- É. Não acordei mesmo! Marília ainda trabalha na filial de São Paulo?
– Perguntou, lembrando da bonita representante de vendas que tinha se
apaixonado por Beatriz, há uns quatro anos atrás.
- Sim, como antes...
- Quero falar com ela, antes de voltar para o Rio. Trate disto.
- Ela é uma das melhores no ramo e não creio que tenha cometido
algum erro. Recebi informações que a sua última viagem ao exterior rendeu
algumas centenas de dólares a mais...
- Não disse que ela cometeu erros, Vanda, só disse que desejo vê-la a
sós, antes de voltarmos. – Cortou decidida.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
65
De repente, pensou que talvez Marília pudesse vir morar no Rio. Teria
uma promoção, poderia ficar mais próxima de Beatriz. E claro, um apartamento
mobilhado apenas para ela. Sim, podia ser uma boa ideia.
Marília poderia lhe ser muito útil nos compromissos sociais. Com sua
classe e beleza, seria excelente substituta nas ocasiões sociais. Poderia até
passar aquele fim de semana com Nicole, na casa dos pais. Teria mais tempo
para Cristina e para si. Nicole, com certeza, teria que se afastar de Rute.
Porém se Marília aceitasse, teria primeiro que acompanhá-la no início, para
depois torná-la sua representante oficial. Isto era o início de uma mudança para
Maria. Ela simplesmente não suportava sequer a ideia de imaginar Nicole
satisfazendo outra mulher que não fosse ela. Entendia a posição de Beatriz,
vindo contar a ela correndo. Beatriz não conseguia desligar-se totalmente da
relação forte que tiveram, mas Maria sabia que ela nem tentava. Acreditava
que era inconsciente da parte de Beatriz. Mas se Marília viesse para o Rio,
tinha esperança de voltar a ver Beatriz numa boa com alguém. E aí seria ela, a
sair com Nicole para jantar, em vez de sua enfermeira predileta. Curiosamente,
Nicole mencionava o nome e Rute em casa. Claro que sempre elogiando seu
desempenho profissional, mas agora, Maria já se perguntava até coisas que
Rute supostamente teria feito com Nicole na cama. E Nicole, jamais mencionou
se teve intimidades com a enfermeira. Também nunca mencionou ter ido para
a cama com Beatriz, antes de irem morar juntas. Maria achava este fato muito
curioso. Conhecia Nicole o bastante para poder afirmar que era uma pessoa
incrivelmente discreta, mas seria normal comentar experiências do passado
com ela. Por que esconder quando Maria poderia até rir junto dela? Mas Nicole
ocultou tudo e só agora se inteirava do quanto era importante que Nicole
confessasse todos os seus segredos a sete chaves.
Ao final do dia, Júnia cedeu sua sala no centro do estaleiro de São
Paulo para que Maria recebesse Marília. Júnia era a diretora do estaleiro de
São Paulo. Curiosamente, também Maria tinha sempre mulheres nos cargos
mais altos de suas empresas. Tinha uma confiança muito grande em todas as
profissionais que trabalhavam com ela.
Marília entrou muito séria. Recebeu o drinque que Maria lhe ofereceu e
sentou no sofá, indicado por Maria. Ficou olhando-a num silêncio completo.
- Será que podemos ter uma conversa aberta? – Perguntou, sentando
perto dela.
- Claro!
- Sabe que não estou mais com Beatriz?
- Ouvi dizer que vive com uma médica agora. Dizem que é uma mulher
belíssima!
- Sim. Nicole é linda! – Concordou, lembrando de Nicole. Pode vê-la a
sua frente nua e sorriu, acrescentando: - Nicole é de enlouquecer a gente.
- Ela te ama com a mesma intensidade Maria?
- Sim, quero dizer, acho que Nicole me ama demais...
- Qual o problema? – Perguntou, percebendo que nem tudo eram
flores, como ela queria demonstrar.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
66
- Os nossos mundos profissionais são totalmente diferentes. Nicole é
compenetrada. Não tem vida social e adora curtir a casa. E eu não tenho
tempo para este tipo de coisa. Acho que nosso problema está justamente neste
paralelo.
- Não é um problema tão simples, afinal, você jamais terá a mesma
vida que ela...
- É justamente por isto, que quis te ver. Pensei que talvez aceitasse se
mudar para o Rio. Você vai receber uma promoção e terá o seu próprio
apartamento. Quero que seja a minha representante nas ocasiões sociais!
- Quer que eu deixe a minha área para...
- Pode continuar em sua área, Marília, nada te impede de fazer o que
gosta, mas à noite, fará este trabalho que está acabando com a paz entre
Nicole e eu.
- Ela já procurou outra, então. – Comentou compreensiva. – É fatal
nestes casos.
- Não, não posso afirmar nada. Não tenho certeza de nada e por
enquanto minhas desconfianças não tem fundamento real.
- E quanto à Beatriz? – A pergunta foi acompanhada de um brilho novo
no olhar.
- Beatriz está livre, louca para ser conquista por uma mulher que a
queira muito. – Contou, sorrindo. – Ainda gosta dela?
- Acho que vou amá-la enquanto viver. – Suspirou infeliz.
- Esta é a melhor notícia do ano! Terá todas as vantagens e regalias no
Rio. Será que deseja ir me busca do seu destino?
- Sim, eu aceito Maria, com todos os sins possíveis. Amanhã mesmo
parto para o Rio.
- Mandarei um avião vir buscá-la às quatro da tarde! Você vai jantar
comigo em minha casa e poderá entender porque estou com tanto medo. Se
perder Nicole, minha vida perde todo o sentido. E só agora me dei conta do
que ando fazendo com o nosso amor.
- Vou ajudá-la no que for possível.
Nicole não se abalou, quando Maria informou que teriam uma
convidada para jantar na noite seguinte. Só estava feliz, porque Maria estava
em casa às seis da tarde, mas sua alegria durou pouco, quando o telefone
tocou e teve que correr para a clínica. Tinham uma emergência. Maria sentiu
um aperto no coração, imaginando que Rute também devia estar lá. Com
certeza, iriam sair para tomar alguns drinques, depois que resolvessem a tal
emergência. E Rute ficaria toda oferecida para Nicole. E só Deus poderia dizer
se Nicole conseguiria se controlar diante daquela mulher insinuante. Abalada e
triste, Maria ficou vendo televisão até a volta de Nicole.
Nicole quase matou Mancel, quando chegou à clínica e não havia
emergência nenhuma. Todos os médicos e enfermeiras se reuniram para
comemorar o aniversário de Rute naquele dia. Nicole só conseguia pensar que
Maria estava em casa e ela longe de seus braços, mas se conformando,
abraçou Rute, cumprimentando-a com carinho. Quando se inclinou para beijála
no rosto, Mancel trombou nas duas jogando uma para cima da outra. Em
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
67
seguida, ele pediu mil desculpas, rindo muito, ao ver a mancha de batom na
blusa branca de seda que Nicole usava. Rute percebeu a mancha e ficou
confusa, olhando para ele. Mancel deu uma piscadinha pra ela e se afastou
satisfeito.
Nicole entrou no quarto, às onze da noite, até respirando com
dificuldade de tanto que correu. Não via à hora de abraçar Maria e matar as
saudades, mas assim que entrou, Maria ficou olhando pra ela fixamente, sem
demonstrar qualquer emoção. Só Nicole não percebia o que causou esta
reação, que para ela parecia frieza. Na verdade, Maria estava em choque. Ali,
diante de si, tinha a confirmação da traição, até no pescoço de Nicole, havia
um pouco de batom. Fixando-se nos olhos de Nicole, ela perguntou com a voz
baixa e fraca:
- Resolveu a emergência?
- Ah, você nem acreditaria! – Riu, sentando perto dela. – Mancel reuniu
toda a equipe para festejar o aniversário de Rute. Mentiu, porque sabia que eu
não iria se me contasse o verdadeiro motivo.
- Então para Mancel o aniversário de Rute é uma emergência? –
Perguntou, sentindo todos os músculos do corpo tensos, diante da atitude de
Nicole. “Será que ela pensa que sou alguma idiota?” Se perguntou, olhando-a
mais profundamente agora.
- Ora, Mancel é meio louco, quem sabe o que ele pensa? Ele disse que
virá ver você amanhã, pois está com saudades...
- Vocês se reuniram na clínica?
- Sim, na sala dos médicos. – Riu, começando a se despir. – Mas só
conseguia pensar em você, querida. – Confessou, lançando um olhar sedutor
pelo corpo coberto apenas por uma camisola transparente.
Maria acompanhou a blusa de seda, quando caiu sobre uma cadeira. A
marca de batom ficou bem para cima. Desviando os olhos, furiosa, ela riu
forçada, dizendo friamente:
- É aposto como só pensou em mim mesmo...
- Pensei tanto que fiquei num estado incontrolável. – Contou, deitando
ao lado dela. – Você sabe como Maria? Louca para me entregar a você, meu
amor.
Gemeu, abraçando o corpo de Maria junto ao seu. Sua respiração
entrecortada assustou Maria que não pode se afastar. A mão de Nicole veio
descendo até encontrar os seios, latejantes de desejo. Maria não conseguia
controlar suas reações naturais. Fechou os olhos, sentindo os lábios de Nicole
mordiscando seus seios, mansamente.
- Maria, eu te amo! Preciso tanto de você ao meu lado. E seu corpo...
Adoro este corpo quente, lindo, sexy...
Maria sentiu o perfume diferente, exalando junto com o suor de Nicole.
Abriu os olhos e ergueu o rosto de Nicole, rapidamente.
- Que perfume é este? Nunca senti um cheiro tão estranho em você.
- Perfume? – Perguntou, cheirando seu corpo, sem sentir nada. – Ora,
nem me lembro qual foi à última vez que usei perfume para você Maria. Quer
que eu tome um banho? – Perguntou com inocência.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
68
- Se tomar um banho, eu te mato. – Rosnou, agarrando os cabelos
dela. – Como tem coragem de dizer isto assim, Nicole?
- Mas é verdade, faz mais de dois meses que não passo perfume,
imaginando seduzi-la. – Riu tranquila. – Mas amanhã, eu lhe farei uma
surpresa. Vou ficar tão cheirosa que você não vai se aguentar...
- Amanhã teremos uma convidada especial, como já lhe disse. Marilia é
muito bonita e espero que não fique caída por ela...
- Eu caída por outra mulher? Ah Maria, você é tão inocente às vezes. –
Riu agarrando seu corpo, sem poder esperar mais. – Venha querida, eu preciso
te amar. – Gemeu, acariciando o corpo por baixo da camisola. – Você me
enlouquece.
Maria se entregou sem forças para resistir. Não sabia mais qual era a
verdade naquelas palavras. Só conseguia sentir seu corpo ardendo de desejo
por Nicole. Precisava pertencer a ela, se dar e tê-la. Estava descobrindo pela
primeira vez na vida o que era sentir ciúmes. Nunca tinha sentido ciúmes de
Beatriz, mas com Nicole era tudo diferente. Estavam juntas e ainda tinham
segredos uma para a outra. Precisava de um amor mais aberto entre ela e
Nicole. Talvez fosse possível, quando conseguisse mudar seu ritmo de vida.
Nicole era seu veneno. Gemendo em seus braços, Maria descobriu que estava
louca, quando passava tantas noites longes. Tinha a mulher mais quente do
mundo em sua cama e conseguiu até esquecer disto. Nicole poderia até estar
tendo um caso com Rute, mas Maria jamais poderia se queixar de qualquer
insatisfação sexual. Porque Nicole era fogo! Tinha o sangue quente e os
sentidos alerta para o sexo. Então se havia a traição, só poderia pensar que
Nicole tinha outros desejos, que não confessou para ela. Maria jurou para si
mesma que descobriria todos estes segredos e iria satisfazer um por um.
Prenderia Nicole junto de si e ninguém coseguiria chegar perto dela.
Quando Nicole chegou da clínica no dia seguinte, às sete da noite,
Maria deu-lhe um beijo rápido nos lábios e a mandou subir para tomar banho e
se preparar. Nicole subiu e Maria se voltou para Nancy, que entrou na sala com
a blusa de seda de Nicole, toda rasgada. Maria olhou para a blusa e lembrou
que depois que Nicole dormiu na noite passada, tinha destruído a blusa com
uma tesoura. Não queria ver aquela blusa nunca mais no corpo de Nicole.
- Maria, olhe o que aconteceu com a blusa que Nicole mais gosta. –
Contou, horrorizada. – Coitada, vai ficar tão triste. Quem será que fez isto?
- Ah Nancy. Nicole bebeu tanto ontem. – Falou num tom triste. – Ficou
tão alta que destruiu a blusa, acredita? Mas ela está tão arrependida que nem
é bom comentar. Jogue fora que vou comprar outra para ela. Aliás, preciso
comprar um guarda-roupa novo para Nicole. Viu que ela nunca compra uma
peça que seja?
- Hoje foi diferente. – Riu animada. – Chegou logo cedo com um
vestido maravilhoso, e foi ela quem pediu para a loja mandar para cá.
- É mesmo? – Perguntou curiosa.
- Nicole me ligou e pediu para guardar no armário bem passado. E, ela
estava tão feliz! É estranho que tenha bebido ontem, se hoje pela manhã
estava tão...
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
69
- Oh Nancy, esqueça isto... Nicole é tímida demais! – Falou, indo para
o bar. Serviu-se de um drinque comentando – Deixe tudo preparado, pois
quero que sirva o jantar às dez.
- Sim, com licença!
Nicole só desceu às oito e meia. Quando entrou na sala, Maria tomava
um drinque, confortavelmente instalada ao lado de Marília. Viu quando Marília
ergueu os olhos, abrindo a boca em seguida. Virou-se rapidamente e pasmou
diante de Nicole. Um vestido colado marcava o corpo de Nicole, denunciando
suas formas perfeitas. Ela deu um passo vindo em direção a elas e suas
pernas surgiram morenas e brilhantes. Maria levou à mão a garganta, sentindose
seca. A visão daquelas pernas bastava para deixá-la numa excitação
imensa. O vestido deixava os ombros de fora e ainda descia num decote em
“V” deixando entrever os seios. Com um simples olhar via-se que ela não
usava sitiem e nem podia com um traje daqueles. Nos pés, calçava um sapato
de salto alto, fino e elegante. O perfume que usava chegou até Marília.
Segundos depois chegou até Maria. O perfume era tão exótico que Maria
estremeceu muda diante de Nicole.
- Bem, eu imagino que seja Marília. – Falou, erguendo a mão para ela.
– Sou Nicole Rossi, é um prazer conhecê-la.
- É meu... O prazer. – Falou, começando a voltar ao normal. – Ouvi
dizer que era bonita, mas você é fabulosa! – Elogiou encantada. – Acho que...
- Já disse que Nicole é bonita, agora me deixe dizer. – Cortou Maria,
afastando Marília delicadamente, e parando diante de Nicole. Admirou sua
beleza e fixou-se nos lábios perfeitamente pintados por um batom vermelho
morango. Maria ergueu a mão e tocou aqueles lábios levemente. – Você está
incrível... Divina... Divina meu amor. – Sussurrou, inclinando-se e tocando os
lábios dela com a ponta da língua. – E que perfume... Adorei cada detalhe...
Nicole enlaçou sua cintura e puxou-a para si com energia. Roçou seu corpo no
dela sensualmente e falou apaixonada.
- Não me olhe assim ou não vou conseguir esperar a hora de nos
deitarmos. – Gemeu, sugando os lábios dela com desejo. – Você é gostosa
demais, para que eu possa esperar para tê-la. Pense nisto, enquanto me exibo
para você esta noite. Agora posso tomar um drinque com você e sua amiga? –
Perguntou, se afastando lentamente. – Espero que tenha ouvido coisas boas
sobre mim, Marília. Sou simplesmente uma médica modesta e minha vida não
daria tema para um livro interessante. – Falou, sentando ao lado dela. – E
então?
- Ouvi coisas interessantes sobre sua conduta. – Falou, gostando
imediatamente dela. – Dizem que é discreta, tem um coração de ouro, corpo
escultural no que eu concordo e que é adorada por seus pacientes, mas quanto
ao resto, não sei se devia relembrar, são muito picantes para o momento.
- Não queremos saber Marília, Nicole detesta comentários maldosos. –
Falou, entregando um drinque para Nicole. – Querida, sua boca está borrada
de batom. – Falou, sorrindo feliz.
- Oh! – Imediatamente Nicole limpou os cantos, sorrindo para Maria de
volta. – E agora, saiu?
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
70
- Sim, está bem melhor. Mas Marília, eu estou feliz que tenha vindo.
Vai adorar a área de vendas aqui no Rio. O pessoal está ansioso para
conhecê-la. Sua fama já ganhou prestígio por aqui. Espero sinceramente que
goste.
- Obrigada Maria, tenho certeza que vou gostar.
- Amanhã vamos passar por... – Maria se calou olhando o decote
incrível do vestido. Nicole cruzou as pernas, deixando-as inteiramente de fora.
Maria suspirou e voltou a falar. Mas não teve um minuto sequer naquela noite
em que não manteve os olhos voltados para aquele corpo que tanto atraía o
seu. Nicole sorria pra ela cada vez que a via devorando seu corpo.
Quando sentaram para jantar, Nicole estava tão excitada que seus
movimentos se tornaram excessivamente sensuais. Maria não conseguiu
comer direito e muito menos sentir o gosto dos alimentos. Estava encantada
com cada gesto feito por Nicole. Viu-se desejando com todas as forças que
Marília se fosse logo após o jantar. Já para Marília, foi impossível perceber
qualquer tipo de problema entre aquelas duas. Estavam tão apaixonadas que
chegou a duvidar do que Maria lhe contou sobre Nicole ter, provavelmente ter
uma amante. Para Marília, era impossível acreditar que Nicole poderia ter
outra. Estava na cara que Nicole amava loucamente Maria, portanto, alguma
coisa estava errada e não era entre elas. Talvez alguém estivesse tentando
separá-las, inventando mentiras, só poderia ser isto. Percebendo que estava
sendo demais, a primeira coisa que fez quando terminaram o jantar foi se
despedir e seguir para o hotel onde estava hospedada até que o apartamento
ficasse pronto para se instalar definitivamente.
Nicole encostou-se na porta do quarto, observando Maria tirando o
colar de brilhantes, diante do espelho. Respirava com dificuldade, sem poder
afastar os olhos de seu corpo. Do espelho, Maria acompanhava os movimentos
de Nicole, hipnotizada. As mãos de Nicole alcançaram o fecho do vestido nas
costas e começou a soltá-lo pouco a pouco. Maria desviou os olhos, mirandose
no espelho, enquanto tirava os brincos lentamente. Quando voltou o olhar
para Nicole, viu o vestido escorregando por seu corpo até cair aos seus pés.
Maria prendeu a respiração ao ver Nicole desfazer-se dele com os pés. Subiu
os olhos pelas pernas, devorando aquele corpo moreno por inteiro, sem ar.
Faltava-lhe o ar, e suas pernas estavam bambas, mesmo estando sentada.
Voltou a olhar-se, começando a desabotoar o vestido que tinha os botões na
frente. Olhou pra Nicole e suspirou ao vê-la se aproximar lentamente, até que
suas mãos pousaram em seu ombro, passando a fazer carinhos suaves. Maria
fitou-a através do espelho. Seus lábios curvaram-se numa careta de prazer
inexplicável.
- Nunca tinha reparado como você é capaz de ser sexy quando está
excitada.
- Adoro seus cabelos. – Sussurrou, inclinando-se e envolvendo os
cabelos com as mãos, mergulhou o rosto, aspirando seu cheiro. – São
perfumados, têm o seu cheiro. É incrível como seus olhos têm o mesmo tom de
seus cabelos. Sabe que nunca vi um tom castanho como o seu? Adoro cada
tom de você, cada pedacinho do seu corpo macio. – Gemeu, descendo a
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
71
língua pela nuca até chegar aos braços. – Meu corpo está vibrando de desejo
por você. Fervendo por inteiro. – Parou, olhando os seios surgirem através do
espelho. Maria puxou o vestido, exibindo o corpo até a altura do ventre.
- Vê? É tudo seu! – Confessou, voltando o rosto para trás e passando a
língua pelos lábios secos. – Me beije, minha delicia...
Nicole foi se inclinando até tocar os lábios carnudos com a ponta da
língua. Um sorriso surgiu em seus lábios, ao virar o corpo de Maria para si.
Desceu as mãos até sentir os seios e a ergueu, colando-se a ela.
- Na cama, Maria! Para que possa senti-la plenamente junto a mim.
Passei a noite imaginando minhas mãos amando você. Podia sentir quando a
possuía, meu amor. Você gritando como vai gritar agora em meus braços.
Fantasiei cada momento que desejo viver agora com você. E será bem mais
intenso do que foi quando senti antes – Venha...
Chamou, puxando-a até a cama, com o vestido preso na cintura. Nicole
a livrou dele e a deitou com cuidado na casa. Depois de afastou para tirar a
calcinha dela e depois a sua. Deitou-se ao lado dela, deixando as mãos
ganharem o corpo, suavemente. Maria não conseguia afastar os olhos dos
dela. Olhavam-se profundamente. Agora seus corpos estremeciam com o
simples fato de se olharem. Nicole deitou-se ao lado dela, passando a beijá-la
por inteiro. Adorava cada local que acariciava com os lábios. Quando tocou seu
sexo com a ponta da língua, Maria agarrou sua cabeça gritando:
- Não me torture hoje amor, me dê logo o prazer que desejo. Faça-me
gozar em sua boca. – Gritou, tremendo tanto que Nicole agarrou sua cintura,
mergulhando fundo nela.
Quando Maria começou a gozar, Nicole aumentou o ritmo, levando-a
ao delírio total. Sorriu encantada, quando Maria terminou de gozar em sua
boca. Maria relaxou as pernas, suspirando. Maria desceu, beijando suas
pernas sem deixar escapar um local sequer. Voltou, subindo pelo mesmo
caminho, até alcançar novamente seu sexo. Deteve-se lá, voltando a saborear
cada pedacinho. Bebia seu gosto e gemia, acariciando cada vez mais rápido.
Nicole jogou as pernas para o alto, enquanto seus gemidos cortavam o silêncio
do quarto. Maria sentiu que estava gozando e recebeu toda a carga,
segurando-a para lhe dar o máximo de prazer. Nicole caiu mole na cama e
ergueu os braços para ela dizendo num tom rouco:
- Vem aqui, me deixe sentir o gostinho nesta língua de ouro, amor.
Quando Maria deitou-se sobre ela, gemeu de prazer, ao sentir Nicole
possuí-la, sem esperar um segundo sequer. E mergulhou os olhos nos dela,
falando descontrolada:
- Desejei sentir esta coisinha molhadinha à noite toda. E Fazê-la
molhar cada vez mais para mim... - Gemeu, enquanto fazia loucuras, indo cada
vez mais fundo nela. – Sente como queria você? Sente como preciso sentir
você assim, amor?
- M-a-r-i-a...
- Isto... Goze pra mim... Quero te dar a noite toda... Sem parar... –
Prometeu alucinada ao vê-la gozar loucamente sobre seu corpo. Nicole caiu
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
72
sobre ela, respirando feliz. Maria sorriu, lançando um olhar sedutor sobre ela: -
Adoro fazer amor com você, sabia?
- Sim, eu também. – Confessou, rolando para o lado e puxando Maria
para cima dela. – Agora é a minha vez de sentir esta coisinha linda, jorrando
pra mim Maria. – E mergulhou fundo, arrancando um grito de prazer dos lábios
de Maria. Seus lábios se encontraram famintos e a noite passou sem ser
notada. Enquanto as duas iam se posicionando nas mais diversas formas,
buscando cada vez mais o prazer que sabiam se dar tão bem.
Marília entrou no carro de Maria às oito da manhã, quando ela passou
para pegá-la no hotel. Quando pararam diante do estaleiro, Marília saltou,
depois que o motorista deu a volta e abriu a porta, estendendo a mão para
ajudá-la. Parou do lado de fora e aguardou que Maria saísse para que
pudessem entrar. Marília observou que ela aceitou a mão do motorista, saindo
do carro lentamente. Quando deu o primeiro passo, Marília achou engraçado
vê-la se movendo com grande esforço para conseguir caminhar com a mesma
elegância que era natural nela. Claro que seu andar chamou atenção de todos
os funcionários que estavam trabalhando nas redondezas. E um dos
comentários chegou aos ouvidos das duas quando chegaram à porta principal.
- Ei, viu só? Dou minha cara a tapa como a patroa passou a noite toda
transando. Também um mulherão destes, não deve perder tempo mesmo.
Aposto como dá pelo menos duas por dia...
O sim da voz se perdeu quando entraram e a porá se fechou. Muito
vermelha Maria falou, sem coragem de encarar Marília que estava muito séria
ao seu lado:
- Detesto gente indiscreta! Não existe coisa pior do que a falta de linha!
Também não poderia esperar outra coisa, afinal, grossura eles têm pra dar e
vender!
- Certas coisas nem se devem levar a sério!
- A culpa é minha! – Falou, entrando em seu elevador particular, sem
dizer mais nada. Seguiu para a sala, quando a porta se abriu, dizendo bom dia
e ignorando os olhares curiosos em sua direção. Quando entrou em sua sala,
Vanda se ergueu, olhando-a sem esconder a curiosidade. Maria caminhou até
a sua imensa cadeira no centro da sala e segurou primeiro o braço da cadeira.
Vanda correu ao seu auxílio, apavorada.
- Deixe-me ajudá-la. – Falou, segurando a cintura de Maria com
energia.
Maria voltou-se para ela, com um olhar gélido.
- O que está fazendo Vanda? – Perguntou no meio do caminho. Não
sentava e nem ficava em pé.
- Achei que sua coluna estava... – Parou, olhando para Maria com os
olhos arregalados. – Oh, sinto muito. – Gemeu, afastando-se rapidamente.
Maria sentou lentamente, deixando as pernas mais abertas do que o
normal. Olhou para a sala em frente, pela imensa parede de vidro e viu Beatriz
olhando-a fixamente. Encarando Marília, ela disse muito séria:
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
73
- Prepare-se para o encontro Marília. Vou chamar Beatriz aqui. – E
ergueu a mão, fazendo um sinal para Beatriz. Minutos depois, ela entrou na
sala, estacando ao ver Marília confortavelmente sentada diante de Maria.
- Bom dia, Beatriz! Como pode ver Marília agora vai trabalhar aqui com
a gente.
Beatriz levou um segundo para se recuperar do susto. Marília estava
completamente diferente. Agora era uma mulher lindíssima. Antes, ela não se
trajava com tanta elegância e nem tinha aquele corpo estonteante, ou ela tinha
feito um regime ou fez uma plástica de corpo inteiro. E o resultado foi
realmente compensador.
Beatriz caminhou até ela e se inclinou, dando um beijo em seu rosto.
- Que bom revê-la e fico feliz em saber que vai trabalhar com a gente. –
Disse, percebendo o olho fico de Marília.
- Estou também feliz por revê-la, Beatriz, profundamente feliz...
- Então Beatriz eu deixo Marília em suas mãos, por hoje. Ela vai ser a
diretora geral de vendas, aqui no Rio. – Informou, já abrindo sua agenda.
Beatriz olhou-a muito séria.
- Não sabia que iria criar este cargo, afinal, temos o gerente geral de
vendas...
- Ele vai ser transferido para São Paulo. – Já dei ordens para que
fossem efetuadas todas as facilidades para ele por lá. Marília agora é a diretora
geral de vendas aqui. Seu excelente trabalho durante estes anos, me provou
que ela merecia esta promoção. Quero que ela tenha todas as mordomias
necessárias. E providencie um carro com motorista para ela, Vanda. – Disse,
voltando-se para Vanda: - Encontrou o apartamento que sugeri?
- Sim, vão entregar em dois dias. A mobília foi comprada de acordo
com o que Marília pediu. – Contou solícita. – Só falta ela assinar toda a
documentação de proprietária do imóvel.
- Cuide disto depois. Pode ir Marília. Pego você em seu hotel hoje as
oito em ponto. Aí poderemos conversar sobre suas outras necessidades do
momento.
- Posso falar a sós com você, por um minuto? – Perguntou Beatriz,
séria.
- Por favor, deixem-nos a sós. – Pediu para Vanda e Marília, que
saíram no mesmo instante. – O que houve Beatriz? – Perguntou, tragando
longamente o cigarro, que acendeu tranquila.
- O que significa isto? Por que todas estas mordomias para Marília,
assim de repente? – Perguntou admirada. – Não esperava por isto...
- Já lhe disse que o bom trabalho dela me provou que merecia a
promoção. Marília é uma chave muito importante para os estaleiros Felicetti, se
não sabia. Aliás, igual a você, Beatriz. Adoro funcionários competentes e gosto
de recompensá-los quando percebo que precisam de mais estímulos, para
continuarem ao meu lado! Foi o que fiz. Agora deseja saber mais alguma coisa
ou posso trabalhar?
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
74
- Bem, estou feliz que tenha dado uma chance melhor pra ela.
Reconheço que Marília é uma potência na área de vendas. – Concordou séria.
– Vou ajudá-la no que for preciso. – Disse, caminhando para a porta.
- Ah! – Falou, esperando que Beatriz de voltasse. – Sugiro tratamento
de primeira. Vamos hoje à festa dos executivos do ano e como Marília está
sozinha, providencie uma companhia feminina, se for possível. – Disse,
olhando-a fixamente. – Ela é nova na cidade e não tem namorada, acho que é
nosso dever mantê-la satisfeita, lhe dando uma mulher bonita de presente.
Conhece alguma disponível pra ela?
Beatriz engoliu em seco, olhando-a mais detidamente.
- Está por acaso, pensando em jogar Marília nos meus braços? Acha
que tem este direito Maria?
- Só quero manter a cama da mulher quente, para não perdê-la
amanhã ou depois. Não pedi a você para se a companhia feminina. Se é difícil
encontrar alguém eu mesma cuido disso...
- Não! – Cortou imediatamente. – Darei um jeito. – Falou, deixando a
sala no mesmo instante.
Nicole deixou que Mancel trabalhasse em seu corpo, numa massagem
suave e relaxante. Soltava suspiros baixos, enquanto ele sorria, sem que ela
visse. Seu plano estava dando algum resultado e isto era muito bom.
- ária vai ficar em casa hoje de novo?
- Não, vai à festa dos executivos do ano com Marília. Sabe, até que a
mulher é uma boa pessoa. Não entendo muito deste mundo, mas pelo que
percebi, é uma sumidade em matéria de vendas. Maria parece disposta a
agradá-la de todas as maneiras.
- Todas as maneiras? – Perguntou divertido. – Então vai arranjar
companhia para a mulher também...
- De onde tira essas ideias Mancel? – Perguntou, admirada com ele.
- Você não sabe nada deste meio Nicole, mas eu sei. Agradar neste
meio significa tratamento de primeira. Isto quer dizer: morada, alimentação,
condução e principalmente companhia, minha amiga. Não lhe contei que as
mulheres mais infelizes são as que se casa com os executivos? Em cada
viagem que fazem oferecem para eles um verdadeiro banquete de orgia
humana. Claro que usam garotas de programa. No caso desta mulher, não sei
quem Maria vaia recorrer, mas esteja certa que é de praxe oferecer companhia.
E é bom dizer, que se pode escolher. Se a preferência for homem, vem
homem, se for mulher, pinta mulher. É um negócio da China! – Riu pensativo. –
Pode pintar droga, se o felizardo pedir. É só pedir que ganha. Existem muitas
secretárias que trabalham neste ramo, meio horário durante o dia, ou nem isto.
São pagas para satisfazer clientes, inteiramente. No caso de gente mais velha,
é facílimo fechar negócios com eles. Basta que tenham uma única noite com
um corpinho jovem e assinam qualquer coisa na manhã seguinte. Meu pai era
executivo e eu cheguei a ser um. Costumo receber este tipo de tratamento até
hoje, mas nunca transei com nenhuma destas garotas. Sou o tipo que zela
muito por meus documentos.
Nicole se voltou, encarando-o muito séria.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
75
- Não acredito que Maria use destes expedientes como todos. Ela...
- Já existe um sistema assim, Maria nem precisa pedir. Existe nas
grandes empresas, gente especializada para cuidar desta área. Existo desde
que eu ainda usava fraldas. Pronto, esta nova em folha! – Falou, ajudando-a a
se erguer. – Nossa, a coisa teve preta ontem. Joga a bunda pra frente e pisa
firme Nicole. Amanhã vai estar menos na cara...
- Mancel, você tem que me poupar de sua indiscrição. – Falou com
timidez. – Fico impressionada como você nunca muda. Você não muda
mesmo!
- E eu não aguento sua timidez, depois de ter sido minha amante por
tanto tempo. Temos uma filha em comum e vi tanto seu corpo nu, que não tem
nada em você que eu não conheça. Já é hora de uma médica reconhecida e
famosa como você, se transformar definitivamente na mulher que é de fato.
Não fique se forçando a sufocar a sua sensualidade. É uma mulher sexy ao
extremo e esconde isto até de sua amante. Eu vi você florescer, e, portanto, sei
como é na realidade. Mostre-se como é para Maria. Não tenha receio de lhe
mostrar suas preferências e suas taras. Tenho certeza que ela vai adorar!
- Vou pensar em suas palavras. – Falou, fugindo dele, sem olhar para
trás.
Nicole não precisou pensar nas palavras de Mancel, pois já sabia que
ele estava certo. Nesta noite, não viu Maria, pois já dormia apagada quando ela
voltou. Na manhã seguinte, viram-se no café da manhã, mas quando Nicole
pegou a mão de Maria e levou aos lábios, pensando em convidá-la para jantar
naquela noite, a porta se abriu e Vanda entrou com sua agenda gigante, e foi
logo sentando ao lado de Maria, depois de dar bom dia. Ela abriu a agenda,
começando a falar sem parar.
-... Tem almoço marcado com dois empresários japoneses, reunião às
duas da tarde, ah! E tem o coquetel as seis em São Paulo e depois o jantar na
liga empresarial, às nove. Fui avisada que as condições de voo não são boas
para hoje à noite, portanto, se formos, teremos que passar a noite num hotel, e
voltarmos amanhã pela manhã.
Maria ergueu a mão, apertando a de Nicole por cima da mesa. Buscou
seus olhos, incerta quanto ao que ela sentia sobre aquilo.
- Você ouviu Vanda muito bem. – Respondeu, acendendo um cigarro e
recostando na cadeira com um sorriso lindo nos lábios.
- Acha que pode ficar mais esta noite, sem mim? Não posso faltar a
este jantar da liga empresarial. Tenho que levar Marília comigo, pois...
- Eu pensei que iria arranjar outra companhia para ela, Maria. –
Comentou, olhando-a muito séria. – Você mesma disse que pretende agradá-la
de todas as maneiras...
- Isto também já foi providenciado e não é problema Nicole. Preciso,
digamos assim, trinar Marília para o seu novo trabalho, entende?
- Você pagou uma garota para dormir com ela ontem? – Perguntou,
chamando atenção de Vanda, que ergueu os olhos, confusa.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
76
- Claro que não paguei ninguém, afinal a companhia que Marília
deseja, não é exatamente uma prostituta. Marília só quer Beatriz, Nicole. Ela
sempre foi apaixonada por Beatriz.
Um sorriso brilhou nos lábios de Nicole neste instante.
- Bem, acho mesmo que já é hora de Beatriz recomeçar a vida dela.
Quem sabe assim seus pais entendam de uma vez por todas que você não vai
voltar pra ela?
- Não ligo para o que meus pais desejam e você sabe disto. Eu amo
você e se eles não aceitam, é problema deles. Você vai ficar bem, querida? –
Perguntou, inclinando-se para beijá-la nos lábios. – vai sentir saudades? –
Perguntou, descendo os lábios pelo pescoço dela. – Não consigo parar de
pensar em nossa última noite juntas. Você estava tão... – E parou, pois Nicole
cobriu seus lábios com um beijo apaixonado.
Mas, embora Maria agora tivesse consciência de que não era bom para
ela e Nicole ficarem tanto tempo afastadas, ela não pode evitar os
compromissos que se seguiram nas duas semanas seguintes. Cristina voltou
para casa e ela mal teve tempo de conversar direito com ela. Vanda continuava
invadindo a casa às sete e Nicole nem conseguia transar com Maria, antes de
sair da cama, sabendo que ela estava esperando na sala. Duas semanas
depois, numa sexta, Maria ligou dizendo que teria que ir a um coquetel direto
do trabalho. Nicole sabia que ela tinha roupas apropriadas no estaleiro para
estas emergências, mas Nicole estava triste, e pensou que tinha sonhado à
toa. Maria já tinha se esquecido dos bons momentos novamente. Assim, Nicole
ligou para Mancel, naquela noite.
- Nicole? O que foi?
- Posso falar com Flávio, eu acho que posso fingir agora.
- Ora, mas que droga, ele viajou ontem e só volta na sexta que vem. –
Falou, irritado. – Será que pode esperar mais uma semana?
- Sem dúvidas Mancel, então fica combinado assim. A gente fala sobre
o assunto na segunda, certo?
- Claro. – Respondeu, já maquinando algo na cabeça. – Irei ver vocês
no domingo.
- Ótimo! Beijos querido. – Disse, desligando.
Porém, Maria não desistiu de seu objetivo maior, que era estar mais
próxima de Nicole no futuro. Neste instante, ao lado de Marília, Vanda e Beatriz
no coquetel. Ela só conseguia pensar seria maravilhoso se estivesse deitada
ao lado de Nicole em casa. Olhando para o lado, viu Beatriz olhando
profundamente para Marília e sorriu. Bem, tudo seria bem mais fácil, se
conseguisse juntar Beatriz à Marília também. Gostava demais dela, e não via a
hora de vê-la voltar a sorrir como antes. Maria achou a noite chata e quando se
deitou ao lado de Nicole, às duas da manhã, suspirou, sentindo sue corpo
arder de desejo. Pensou em tocá-la e despertá-la com carinho, mas ficou com
pena ao vê-la dormindo tão profundamente. Ficou rolando na cama, cada vez
mais agitada. Por que Nicole dormia tão profundamente? Estava apagada
mesmo, não acordando nem quando Maria começou a andar pelo quarto,
fumando e suspirando. Será que Nicole tinha saído com Rute? Pensou,
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
77
olhando para Nicole, atônita. Se não, por que dormia daquele jeito? Ora, com
certeza tinham saído juntas. Continuou pensando, cada vez mais furiosa
consigo mesma. Por que Maria achava que a culpa era toda dela. Nicole não
teria motivos para traí-la se ficasse em casa, onde era o seu lugar. O dia
estava quase amanhecendo, quando ela adormeceu cansada.
Nicole acordou às oito da manhã. Ao ver Maria profundamente
adormecida do seu lado, vestiu sua roupa e deixou o quarto, indo para a sala.
Tomou café e depois sentou com a revista de medicina, que ainda não tinha
lido no colo. Neste exato momento, ouviu o grito de Cristina atrás de si. Voltouse
e mal teve tempo de se afastar, pois Cristina caiu em cima dela com um
grito horroroso de guerra:
- Bom dia mamãe! – Disse, beijando-a com carinho. – O que achou do
meu golpe mortal de karatê?
- Acho que dá para quebrar o pescoço de alguém desprevenido. – Riu,
abraçando-a bem junto de si. – Será que esta cabecinha linda, nunca vai parar
de inventar novas modas?
- Papai disse que temos que saber de tudo um pouco. Ele me pediu
para pedir a você, e quero saber se posso. – Começou, segurando o rosto
dela. – Lutar, sabe?
- Luta? Você? – Perguntou, olhando para ela, confusa. – Seu pai é um
louco!
- Nicole Rossi, meu pais não é um louco e ele vai me matricular numa
academia de karatê, para que eu possa defender você de futuros bandidos. –
Explicou com petulância.
- Para começar, devia querer aprender apenas para prevenção de
futuros problemas, que talvez possam vir a acontecer. É muito bom lembrar
sempre desta palavra, talvez, ouviu? E quanto a estes bandidos, nós sempre
temos um pouquinho de fé que a polícia possa com eles. Se que aprender
karatê, aprenda porque deseja e não para lutar contra fantasmas!
- Então você deixa? Não terá que gastar um tostão, pois papai vai
pagar tudo. Contei que ele abriu uma poupança gorda pra mim? Logo vou
poder comprar meu próprio computador...
- Fico feliz...
- Maria disse que vai me dar um computador, mas ela nunca lembra.
Talvez se você desse uma cutucadinha, ela...
- Não quero que fique pedindo presentes para Maria, Cristina Rossi, já
falei isto mil vezes com você! – Falou furiosa. – E não se esqueça mais disto.
- Hum! – Resmungou, dando de ombros e sentando no chão, afastada
dela. – Papai já tinha me falado desde dias difíceis que você está passando. Só
não sei se vou ter a paciência que ele quer que eu tenha! Só porque sou
criança, não quer dizer que não possa tomar minhas próprias decisões...
- Experimente tomar suas próprias decisões, sozinha, sua danadinha. –
Falou, fazendo de tudo para não rir dela. – E que momentos difíceis são
esses?
- Se você tem problemas, acaba ficando frustrada, Nicole Rossi!
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
78
- É, tenho que concordar, mas os problemas que tenho vão ser logo
resolvidos. Também não vai atingir você, Cristina...
- Maria já sabe que você tem problemas?
- Sim, Maria já sabe.
- E ela não pode te ajudar?
- Claro. Até você pode me ajudar. – Riu, indo abraçá-la. – Agora,
esqueça esta bobagem. O que acha de uma pizza gigante, e um bom filme
hoje?
- Legal mamãe! Vamos levar Nancy?
- Claro, podemos levar Nancy.
- Oba! – Gritou, saindo correndo. Nancy, você tem um minuto para se
aprontar. Mamãe não vai esperar você se ficar nesta moleza. Vá Nancy, pé no
mundo. Mamãe já está em pé na porta, batendo o pé de tanta raiva de sua
demora...
- Cristina, podia parar de gritar com Nancy! – Pediu Nicole, abrindo sua
revista novamente. – E vá já tomar banho e vestir uma roupa bem bonita!
- Banho? – Falou, olhando sua roupa, muito séria. – Mas estou
brilhando de limpa, mamãe...
- Quero que seja a moça mais linda da pizzaria aonde vamos. Olhe-se
no espelho e vai ver que seus cabelos estão cheios de caramelo. Passe já para
o banheiro, ou não sai de casa.
- Nancy jogou caramelo no meu cabelo, enquanto dormia mamãe, não
tive culpa nenhuma!
- Eu joguei caramelo em seu cabelo? – Perguntou Nancy, parando
atrás dela.
- E você não jogou Nancy? – Repetiu, batendo o pé. – Então como
explica eles estarem assim melados?
- Oh, é muito simples mocinha. Peguei a senhora com a cara enfiada
na geladeira esta manhã e bem dentro do pudim, se lembra?
- Nancy, você é o maior dedo duro, viu! – Gritou, deixando a sala
furiosa.
- Sinto muito Nicole, ela anda impossível! – Falou, rindo sem se conter.
- É, já percebi, Nancy! Vá dar um banho nela ou já viu né?
- Claro. – Falou, saindo da sala.
Cristina terminou o banho e estava no quarto se aprontando quando o
telefone tocou.
- É seu pai Cristina.
Ela correu, e ficaram conversando por muito tempo. Nesta conversa,
Mancel ficou sabendo que Maria tinha saído na noite passada e Nicole ficou
em casa. Cristina contou que iriam sair com Nicole e Nancy e que Maria não
iria, pois estava dormindo.
Maria acordou ao meio-dia. Encontrou o bilhete de Nicole em cima da
penteadeira. Pegou-o ansiosa e abriu rapidamente: “Levei Cristina para
almoçar fora junto com Nancy. Depois iremos ao cinema. O almoço está pronto
no forno, caso tenha fome. Beijos, Nicole”. Maria rasgou o bilhete, irritada. O
que iria fazer sozinha naquela casa até que ela voltasse? Droga! Falou mal
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
79
empurrando a cadeira. Foi para a sala e depois para a cozinha. Serviu-se de
dois copos de suco de laranja e voltou, ligado o vídeo. Escolheu um filme de
guerra. Minutos depois, trocou-o por uma comédia, e em seguida, pegou um
pornô, que encontrou escondido no fundo da estante. Maria ficou admirada,
porque Nicole nunca lhe disse que gostava daquele tipo de filme. Aliás, Nicole
nunca viu um filme daqueles com ela. Injetou o filme e sentou, ascendendo um
cigarro, atenta. Maria ficou vidrada, quando o filme começou mesmo. Viu até o
final, sem perder nada. Quando terminou, voltou à estante, abrindo a outra
porta, onde ficavam outros filmes, e lá Maria ficou boba, olhando a quantidade
de filmes eróticos empilhados. Pegou mais um e colocou no vídeo. Viu sem
fala, diante das cenas de sexo. Então Nicole gostava daquele tipo de filme. E
pra ela, Nicole adorava tudo que era extremamente romântico. Guardou os
filmes no mesmo lugar, voltando a sentar no sofá. Neste instante o telefone
tocou, Maria pegou o aparelho, meio aérea.
- Alô!
- Da casa de Nicole Rossi? – Perguntou uma voz de mulher.
Maria ficou tensa, sentando direito no mesmo instante.
- Sim.
- Ela está?
- Não, Nicole saiu...
- Podia dizer a ela, por favor, que Rute teve que cancelar a reserva no
hotel Shelton para esta noite, pois teve uma emergência? – Perguntou a voz
tranquila.
- Oh... É... Claro... – Falou, se erguendo lentamente. – Digo a ela...
Maria saiu da casa feito uma louca, entrou em seu carro e saiu em
disparada. Tinha que se ocupar, para não enlouquecer. Nicole e Rute? Por que
tinha que ficar tentando se enganar? Dizendo a si mesma que Nicole só a traía
porque não a tinha por perto. Não seria mais digno da parte de Nicole se abrir
com ela? Mas ficar calada e traí-la com aquela enfermeira era imperdoável!
Ficou rodando de carro, sem rumo, por mais de duas horas e quando voltou
para casa, viu o carro de Nicole parado no pátio. Maria suspirou e entrou sem
saber ainda que atitude tomar. Assim que entrou na sala, Cristina pulou nos
braços dela, gritando escandalosa.
- Maria, Nicole fez uma loucura hoje. Deixou lá em cima da cama para
te fazer uma surpresa! Mas eu também ganhei o meu computador. Ela está tão
boazinha.
- O que foi que Nicole deixou em cima da cama, mocinha? –
Perguntou, dando um beijo nela.
- Um presentinho! – Contou baixinho. – Só que é surpresa e não posso
contar. Quer que eu abra pra você?
- Não, deixe que eu mesma abra. E onde está sua mãe?
- No banho. Ela está com muito calor. Precisava ver como ela passou o
dia todo, suando sem parar.
- É mesmo? Bem, então vou até lá e depois a gente se fala mais.
- Estarei no meu computador novo. – Contou, correndo para o seu
quarto.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
80
Quando Maria entrou no quarto, uma música tocava baixinho. As
cortinas estavam fechadas. Ao lado da cama tinha um balde com uma garrafa
de vinho branco e duas taças. Maria ficou confusa e viu o presente que Cristina
tinha falado. Sentou na beira da cama e pegou o embrulho. Maria abriu e ficou
olhando o bracelete de ouro, todo cravejado de diamantes. Bem, tinha que
admitir que fosse mesmo uma surpresa, pois era o primeiro presente que
Nicole lhe dava desde que estavam juntas. Foi até o espelho e colocou a linda
joia, encantada. Neste momento a porta do banheiro se abriu e Nicole surgiu,
usando um baby-doll muito sexy. A peça de seda rendada era preta, tornando
Nicole extremamente sensual. Ela olhou para o bracelete e perguntou sem se
mover.
- Gostou? – O tom de voz era extremamente sensual. – Achei a sua
cara...
- Nicole...
Maria estava enfeitiçada diante da sensual Nicole à sua frente. Nicole
atravessou o quarto e serviu duas taças de vinho. Estendeu uma para ela com
um sorriso provocante.
- Sabe? Ontem eu estava muito tensa e mesmo querendo muito
esperar por você, acabei tomando um calmante e apaguei. Sinto por nem ter
visto, quando chegou. Sua noite foi gostosa?
Maria recebeu a taça, sem falar. “Mas o que está acontecendo aqui?”
Se perguntou totalmente confusa. Será que estou ficando louca? Meio tola,
falou observando Nicole, atentamente.
- Rute mandou um recado pra você, cancelando o encontro de hoje à
noite.
Nicole riu admirada.
- Rute não pode ter feito isto, pois ela não está na cidade. Ela viajou
ontem à noite para a casa dos pais, em Minas. – Falou, aproximando-se dela,
descendo os olhos por todo seu corpo. – E quanto à sua noite? – Perguntou,
acariciando o pescoço dela com a ponta dos dedos. – Gostou? Divertiu-se?
- Foi um tédio. Fiquei louca para voltar pra casa mais cedo e não
consegui. – Falou, sem deixar de olhar aqueles lábios carnudos, tão próximos
dos seus. – Você d-o-r-m-i-u cedo?
- Meia-noite... Pensando em você, em seu corpo... – Gemeu,
começando a desabotoar a blusa dela, lentamente.
- Você não tinha um encontro com Rute, hoje à noite?
- Não, meu amor. De onde tirou isto? – Perguntou, inclinando-se e
tomando um dos seios com a boca.
- Alguém ligou mandando o recado...
- É alguma brincadeira de mau gosto! – Gemeu, mordendo o biquinho e
ao mesmo tempo, descendo o fecho da calça jeans. – Se eu tivesse marcado
algum encontro você seria a primeira, a saber.
- Jura?
- Sim, juro, doçura... Eu te amo...
- Você nunca me traiu? – Perguntou, apertando o rosto dela entre seus
seios, muito excitada.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
81
- Mas que pergunta! – Riu, gemendo baixinho. – Como posso trair meu
único amor? Não fale estas coisas agora, vamos nos conhecer melhor...
Maria lembrou dos filmes pornográficos. Puxou Nicole para a cama,
ficando a princípio, apenas olhando o corpo trêmulo junto ao seu. Depois
desceu os lábios, afastando a fina peça com as mãos quentes. Ia deixando um
rastro de fogo pelo corpo amado. A imagem do batom na blusa de Nicole lhe
veio à mente. Teve a certeza que ela mentia, mas não entendia por que. Só
queria que ela confessasse a verdade, mas não naquele momento. Podia ser
depois. Suas mãos continuavam acariciando por cima da peça de seda,
enquanto Nicole fazia loucuras com a língua em sua nuca.
Não saíram do quarto nem para jantar. Nicole estava num fogo que
Maria sentia-se a mais feliz das mulheres. Como depois de se amarem muito,
estavam relaxando abraçadas e Nicole se afastou, lançando um olhar de fogo
por seu corpo. Estendendo a mão, Nicole pegou a taça de vinho e jogou no
corpo de Maria, com um sorriso nos lábios.
- Nicole... Você é louca... – Gemeu, quando Nicole veio bebendo o
vinho por todo o seu corpo, até chegar a seu sexo. Ali, Nicole se deteve,
fazendo maravilhas com a língua. Maria gritava louca de prazer e Nicole só
queria mais e mais.
Maria acordou primeira, no domingo. Ficou quieta, olhando para Nicole
com adoração, até que ouviu a voz de Mancel, vindo da sala. Vestindo um
roupão, ela foi ao encontro dele.
- Maria, que bom te ver! Faz um bom tempo heim? – Disse, beijando-a
animado.
- Sim Mancel. Como vão as coisas?
- Ótimas. Onde está aquela dorminhoca? Deixe que vá acordá-la. –
Falou invadindo a casa. Entrou no quarto e pulou na casa, cobrindo o rosto de
Nicole de beijos. – O sol vai morrer dentro de quatro horas, sabia?
Nicole abriu os olhos e deu um murro no peito dele reclamando irritada.
- O que veio fazer aqui, Vanda dois?
- Vai vir com insultos? – Perguntou, saindo da cama e olhando em
volta. – Hei, eu conheço este cheiro peculiar de sexo. Muito próprio de motéis
para ser mais exato...
- Cai fora, Mancel, ou...
- Tudo bem! Espero você na sala. Vim passar o dia e beber cerveja
com você e sua amante turista. Sabe que talvez a gente consiga mudar esta
situação? Acho que tive ótimas ideias e...
- Mancel... – Gritou, jogando o travesseiro nele, que saiu correndo.
Quando Nicole entrou na sala, depois de um banho relaxante, Mancel
já estava bebendo cerveja com Maria. Nicole se aproximou e seus olhos se
encontraram. Ficaram se olhando, só as duas sabendo as mensagens que
seus olhos diziam, mas a presença marcante de Cristina, não deixou que se
aproximassem para um beijo caloroso. Mesmo assim, a todo instante se
olhavam apaixonadas.
-... E ela concordou e agora você pode fazer minha matrícula na
academia de karatê.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
82
- Muito bem, amanhã mesmo iremos até lá Cristina. – Falou, dando um
abraço nela. – Agora, vá pedir a Nancy para trazer mais cervejas e outro copo.
Assim que Cristina saiu correndo, ele se voltou para as duas e falou
entediado.
- Podem se beijar logo, não suporto este sofrimento diante de mim.
Nicole ficou vermelha, mas Maria se aproximou e colou os lábios nos
dela, sem se importar. Depois se afastou, dizendo baixinho entre os lábios:
- Eu te amo Nicole!
Nicole ganhou o dia com esta declaração de amor. Bebeu cerveja e
conversou muito animada, enquanto Mancel ficou. Ele só se foi às sete da noite
e levou Cristina, pois logo cedo, iriam fazer a tal matrícula. Nicole e Maria
foram para o quarto de mãos dadas. Voltaram a se amar. As nove, Maria se
afastou, vestindo o roupão e indo até a sala. Pegou o telefone e ligou para o
apartamento de Marília. Ficou confusa, quando a voz dela soou cansada no
aparelho.
- Alô?
- O que houve? Você está bem Marília?
- Oh... Oi. – Falou, sentando na casa e segurando o rosto de Beatriz
com carinho. – Sim... Bem, estou. – Riu, ficando séria.
- Não me diga que atrapalhei você com... Beatriz? – Perguntou feliz. –
Você estava fazendo amor com ela e eu atrapalhei?
- Bem, é verdade. – Ficando séria mesmo.
- Que bom! Olhe, eu acho que você já pode começar sozinha, como
relações públicas da empresa Felicetti. Não posso mais sair de casa as
noites...
- Foi proibida? – Perguntou divertida.
- Não, sabe como é, quero curtir melhor, enquanto posso. Falamos
depois.
- Certo. Até amanhã.
Maria pegou um dos filmes eróticos na estante e foi com ele para o
quarto. Ligou o vídeo sob o olhar atento de Nicole e injetou o filme, vindo deixar
ao lado dela. Quando o filme começou, Nicole olhou para ela, confusa.
- Por que quer ver este filme Maria?
- Por quê? Ora, você gosta e eu também gosto. – Riu, beijando-a nos
lábios com desejo. – Por que não me contou que ficava vendo isto sem mim?
- Você está sempre tão ocupada e eu fico sozinha, e...
- E não se queixa nunca! Por que não se queixa, se sofre meu amor? –
Perguntou baixinho.
- É que deve ser tão ruim viver com alguém que fica so se queixando
das coisas! – Sorriu, explicando. – Mas eu me queixo com Mancel, ele é um
bom ouvinte de minhas dores...
- E com Rute também?
- Não, jamais faria isto...
- Mas já transou com ela, não é? Não precisa mentir pra mim.
- Transei com ela uma vez e nunca mais! Transei uma vez também
com Beatriz.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
83
Contou olhando-a no fundo dos olhos. – Ainda não namorávamos
quando aconteceu. Eu jamais faria isto, se já estivéssemos juntas.
- Bom então alguém pensa que faz! – Riu, voltando a beijá-la
apaixonadamente.
Nicole mal se cabia de felicidade por Maria estar ficando em casa todas
as noites. Aos poucos, elas iam se redescobrindo e as coisas voltavam a se
ajeitar. Porém, Maria não conseguia esquecer a marca de batom e o
telefonema estranho. Um mês depois, estava parada num sinal com seu carro,
quando viu Rute passando pela calçada. Pediu ao motorista para parar e abrir
a porta, chamando alto:
- Rute? – Gritou, fazendo a outra se voltar para ver quem era. Ao vê-la,
Rute abriu um largo sorriso e se aproximou, beijando-a no rosto.
- Que bom te ver Maria! Como vai indo as coisas? – Perguntou sincera.
– Faz um bom tempo, heim?
- É! Tem tempo para um drinque comigo? – Perguntou, pegando a
bolsa no banco.
- Claro.
- Aguarde aqui. – Falou para o motorista e atravessou a rua, entrando
num bar com ela. Depois de servidas, Maria encarou Rute, muito séria. – Faz
muito tempo que desejava ver você Rute. Sabe uma noite Nicole voltou para
casa com um batom seu na roupa e desde então, não paro de pensar nisto.
- O que pensou? – Perguntou tranquila.
- Que são amantes, é claro. – Riu tensa. – Não podia pensar outra
coisa.
- Foi na noite do meu aniversário...
- Você também mandou rosas com um cartão, lembra? Acho que é
muito corajosa. Acho que eu seria incapaz de fazer tal coisa.
- Fiz mais alguma coisa? – Perguntou, bebendo seu drinque, com seu
charme excessivo. Muitos olhares masculinos se voltavam para admirar às
duas. – O que mais Maria?
- O recado que pediu a uma amiga para dar, sobre o cancelamento da
suíte no hotel Shelton, há um mês atrás. Eu nem sei por que não briguei com
Nicole quando ela negou tudo, na maior tranquilidade do mundo. Por outro
lado, meu amor por ela é muito grande e não consigo ser tão dura, mas sei que
Nicole só saía com você, porque eu mal parava em casa. Isto acabou agora
estou sempre com ela Rute.
- Tenho certeza que está sendo muito bom para Nicole. Todos nós da
clínica, percebemos a mudança positiva que ocorreu com ela. – Falou,
fumando com prazer, sem deixar de olhar para Maria. – E Nicole merece ser
feliz mais do que ninguém.
- Você é muito gentil, mas estou preocupada. Sei que deve estar
sofrendo e...
- Mas não estou sofrendo...
- Deixe-me terminar. Espero ter coragem de falar com Nicole sobre
isto. Ela só admitiu que transou antes de vir morar comigo. Foi bondade de ela
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
84
me poupar, mas não posso viver sabendo que ela gosta de estar com você
também, entende?
- O que gostaria que eu fizesse?
- Se me prometesse que ficaria longe dela, eu...
- Acho que Nicole tem sorte de ter bons amigos como eu e Mancel.
Aliás, Mancel é capaz de coisas impossíveis para ajudar Nicole, você sabia? –
Perguntou, acendendo outro cigarro, muito séria agora.
- Sim, Mancel gosta demais dela.
- Ele gosta muito Maria! E ficou muito preocupado quando começou a
ver Nicole arrasada, dia após dia. Todos nós ficamos muito preocupados. De
minha parte, só me lembro de ter ajudado uma noite, fazendo uma massagem
em Nicole. Ela estava muito tensa e melhorou depois.
Maria virou seu drinque e pediu outro, sem deixar de olhá-la nos olhos.
- Amor! – Repetiu sonhadora. – Não, eu não amo Nicole. Talvez eu a
tenha amado de uma forma diferente, mas não como pensa. Sofri muito
quando a vi sofrendo, depois que foi morar com você. Foi um mês de felicidade
e muitos outros de infelicidade, mas Nicole sabia melhor que ninguém que era
um risco, afinal eram dois mundos completamente diversos. Você com seu
império e Nicole com sua Medicina.
- Se não a ama, então...
- Eu dormi uma noite com Nicole sim. E foi uma noite maravilhosa.
Depois nos tornamos boas amigas. Eu sempre soube de vocês. Vi começando,
não se lembra?
- Claro...
- E tudo que pensa sobre mim e Nicole, é simplesmente uma trama que
Mancel criou para ajudar Nicole. Mancel bolou e fez tudo sem que eu e Nicole
soubéssemos. Eu jamais mandei rosas, não manchei a blusa de Nicole e nem
mandei recado algum! No dia do meu aniversário, Mancel empurrou Nicole
para cima de mim, quando ela veio me cumprimentar. Ela caiu por cima de mim
e sujei sua blusa sem querer. Nicole não percebeu nada, enquanto Mancel
vibrou, piscando para mim. Ele também bolou o jantar no Mansons, enganando
tanto Nicole quanto eu. Nicole ficou sem cor quando deparou comigo em vez
de encontrar Mancel. Ele só chegou muito mais tarde, naquela noite. Jantamos,
e fomos cada um para sua casa. Ele deve ter mandado as rosas e pedido
alguém para ligar em meu nome! Não existe absolutamente nada entre eu e
Nicole, a não ser uma amizade muito forte e saudável. Além do mais, Nicole
nem olha para outras mulheres, acho que é a mulher mais fiel que já conheci.
Pode falar com Mancel e tenho certeza que ele vai admitir tudo que fez.
- Então Nicole jamais mentiu? – Perguntou feliz. – Mancel armou tudo e
deixou à coitada no meio da fogueira, sem ao menos saber? – Perguntou
divertida.
- Exatamente.
- Oh, que louco! Sinto muito pelas coisas que disse, eu não tinha este
direito.
- Bem, não se preocupe. – Disse, sorrindo. – Agora preciso ir. Deixe
que eu pago a conta. – Falou indo direto ao caixa.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
85
Maria abraçou Nicole, assim que ela chegou da clínica naquela tarde.
- Amor, será que podíamos jantar com seus pais hoje?
Nicole olhou-a com espanto e riu feliz.
- Você quer ir até lá hoje?
- E por que não? É uma vergonha não conhecer sua família até hoje. –
Falou, beijando-a com carinho. – Vamos amor?
- Vamos sim. Vou pedir a Nancy para preparar Cristina.
Maria ficou em pé, olhando o palacete imponente da família Rossi
Vandares. Conhecia os Vandares, os maiores produtores de vinho do país.
Donos de uma fortuna incalculável. Viu um mordomo descendo a rampa e abrir
o portão com um controle remoto nas mãos, sorriu para Nicole e Cristina.
- Seja bem-vinda senhorita Nicole, seus pais a aguardam impacientes.
– Falou tranquilo.
Maria se voltou para Nicole, pálida. Nicole sorriu, dando a mão pra ela
e entrando na casa.
- Nicole, você é a filha dos Vandares, que abandonou a casa em busca
de um sonho há anos atrás?
- Exatamente Maria. Sou Nicole Rossi Vandares. Hoje, porém,
simplesmente a médica Nicole Rossi. – Falou muito calma.
- Mas porque nunca me contou?
- Você viria aqui um dia e com certeza saberia mesmo. Meus pais
sempre insistiram em conhecê-la, mas fui dando as desculpas mais deslavadas
deste mundo. É preciso proteger os mais velhos. – Riu, parando e pegando a
mão de Cristina que tentava montar no dobermann que corria ao lado dela. –
Não faça isto com Chacal Cristina, venha sem confusões.
- Ah Nicole, que vergonha, meu Deus! Seus pais devem pensar que
sou uma esnobe que...
- Não pensam isto. Sabem que eu jamais amaria uma esnobe riquinha.
– Sussurrou diante da porta principal.
A senhora Tereza abriu os braços para a filha e para a neta.
- Que bom que vocês estão aqui! – Disse, distribuindo beijos
carinhosos. – E você é Maria Felicetti? – Perguntou, abrindo os braços para
ela. – Seja bem-vinda à nossa casa, minha filha.
Maria abraçou a distinta mulher, muito elegante. Entraram juntas e na
sala um senhor muito bonito, também abriu os braços para ela.
- Maria Felicetti, é uma grande honra recebê-la. – Disse, beijando a
testa de Maria. – Sinta-se em casa, por favor.
- Obrigada. – Riu sem jeito quando Nicole beijou o pai e disse baixinho:
- Ela foi difícil papai, mas enfim, cedeu! Cristina peça a Vitor para servir
os drinques e aproveite para dizer olá para o pessoal da copa.
- Marina, sua gorducha, eu cheguei com minha mãe e não estamos
suportando sua moleza na cozinha. – Saiu gritando feito uma louca. – Vitor,
onde está o drinque, seu preguiçoso? Não vê que meu avô está batendo os
pés de tanta impaciência por sua causa?...
- Ela está cada dia mais terrível. – Nicole suspirou, dizendo aos pais: -
Bem, viemos para passar a noite. – Contou, piscando para Maria.
Contos de Astridy Gurgel
astridy24gel@hotmail.com
86
- É verdade. Vamos passar alguns dias na verdade. – Falou, piscando
de volta para Nicole. – Precisamos descansar um pouco
Nicole sorriu feliz. Mais tarde, quando estavam deitados na cama do
antigo quarto de Nicole Maria olhou-a com admiração.
- Bem, a fama precisa ser conquistada, Maria. E não precisei usar meu
sobrenome para chegar aonde cheguei. Não saberia viver num império,
quando sei que não faço parte dele.
- Por isto nunca se envolveu no meu mundo profissional?
- Sim, é o seu mundo e não vou me meter nunca. Basta que não se
esqueça que faço parte de sua vida.
- E você tinha ciúmes de Beatriz, não tinha? – Perguntou, apertando
seu corpo ao dela.
- Sim, sempre tive muito ciúme de Beatriz. – Confessou baixinho.
- E eu de Rute... Sempre morri de ciúmes de você trabalhar perto dela.
- Acho que também senti o mesmo, sabendo que Beatriz trabalhava
com você.
- E Rute está mais só do que nunca! – Riu, beijando-a no rosto. – Com
certeza ela ainda vai encontrar seu grande amor.
- Como nós encontramos...
- Sim meu amor...
Mancel abriu a caixa de charutos importada e viu um cartão dentro.
Pegou-o e abriu, lendo curioso: “Você é um bom amigo. Obrigada por ter me
ajudado a entender que estava relegando Nicole a um segundo plano.
Conversei com Rute e ela me contou tudo. Acho que agora é hora de ajudar
Rute, não acha? Obrigada, Mancel. De sua amiga Maria Felicetti”.
- Ah, estas mulheres são complicadas demais! – Riu, guardando o
cartão na gaveta. – Mas pelo menos, estas duas se encontraram!
Fim.
Nova Lima-MG, 08 de abril de 1990.
Atenção:
Todos os contos estão registrados. Se copiar, cite a origem e a autora.
Astridy Gurgel

Nenhum comentário:

Postar um comentário